Quando me ligares, que não seja para me perguntares como vai isto, vai sempre bem, que não seja para te queixares que o tempo por aí está frio, sabes como eu gosto do tempo frio, lembra-me castanhas assadas e vinho tinto e montanhas com neve, que não seja para me dizeres que já não te lembravas da minha voz, será sempre esta, às vezes ligeiramente rouca e grave, depende de ter estado em mangas de camisa a ler lá fora à noite e não ter dado conta do tempo passar, que não seja para me falares de ti, é coisa que me interessa pouco.
Se me ligares, aproveita bem os cinco segundos em que estarei desconcertado, que levarei a focar-me, que o meu cérebro demorará a processar a informação, para me dizeres exactamente o que deve ser dito.
(poucos comentários, o leitor percebe que é um texto pessoal e quase se desculpa por ter lido, quanto mais comentar. Talvez alguém mais insensível a estas coisas da privacidade se atreva a um "ela não vai ligar" ou a um "já me senti assim". Post para não mais de três comentários, com a "nuance" de este ter bastante mais só porque o autor crê que terá bastante menos, ilustrando uma espécie de jogo entre o blogger e o leitor que terá como epílogo que ninguém se atreva a comentar)
31 outubro 2012
30 outubro 2012
Pipoco também tem um cão, aliás, uma cadela
Encontrei-a perdida e magra, lá no sítio onde eu moro. Percebia-se que era mesmo bonita, debaixo do pêlo mal tratado e do ar assustado. Um dia seguiu-me no caminho para casa mas arrependeu-se e voltou para trás. No dia seguinte acompanhou-me até casa, mas, assim que abri o portão, ela foi-se. Ao terceiro dia, ela ficou e aceitou beber leite, mas acabou por se ir embora de novo. Finalmente, ao fim de uma semana, ela bebeu o leite e estendeu-se na relva, com aquele sorriso de felicidade que os cães bem resolvidos costumam ter. No manhã seguinte, ela por lá continuava e eu percebi que tinha resolvido adoptar-me, logo a mim que nunca tinha sido adoptado por um cão. Nunca quis entrar em casa nem dormir na garagem. Basta-lhe que a deixem participar num bom jogo de futebol, acompanhar-me nas minhas corridas diárias e receber festas na barriga, para além das vacinas a que tem direito e da dose de ração que ela complementa com um ou outro coelho que vai apanhando. Em paga, espera-me pacientemente nos dias em que chego a casa de madrugada, guarda-me a casa e acompanha-me em silêncio, língua de fora, em dias como o de hoje em que vimos ambos a névoa a levantar-se no lago e, já no regresso a casa, vimos o nascer do sol. Acho que somos felizes.
Ele há ocasiões...
... em que quase me apetece escrever num blog com o meu nome verdadeiro, um homem olhava para o fim dos posts e lá está o seu nome, coisa fina, em bom, talvez até conseguisse convencer mais alguém e havíamos de ter um blog colectivo, só de sumidades, uns de direita e outros de esquerda, havíamos de nos citar e argumentar com veemência, a plateia suspensa das nossas argumentações sustentadas e elegantes, havíamos de ter picardias com os outros blogues e seríamos citados sempre que o assunto fosse coisa grave, haviam de nos imaginar sentados a escrever numa secretária de boas madeiras, todos os posts escritos com uma Montblanc antes de ser publicados, uma eterna névoa de Cohiba Lanceros a dominar o ambiente, com uma estante de livros sérios por detrás, escritos graves e pertinentes, quem nos lesse havia de pensar que também pensava como eu.
Depois passa-me, penso que afinal de contas tenho sempre o Ruben Patrick e que tenho o blog mais fácil de escrever da blogosfera porque é só um blog e nada mais que um blog.
Depois passa-me, penso que afinal de contas tenho sempre o Ruben Patrick e que tenho o blog mais fácil de escrever da blogosfera porque é só um blog e nada mais que um blog.
29 outubro 2012
Em verdade lhe digo, Tio Pipoco
No dia em que a atracção for uma ciência exacta, com preceitos e regras, no dia em que um abraço tiver um modo e um tempo para ser dado, no dia em que não a abraçarmos no preciso instante em que intuímos que não há como não abraçá-la, no dia em que ela se revelar, como numa epifania, a mulher da nossa vida e nós fizermos de conta que ainda não é chegado o tempo para uma mulher da nossa vida, no dia em que fizermos contas para perceber se é a altura certa para beijá-la, no dia em que ela nos olhar nos olhos e nós ficarmos espantados durante tanto tempo que ela entretanto desapareceu, nesse dia em que sejam os decotes e os olhares fatais e o guarda-roupa e os olhos azuis e os cabelos louros a determinar as nossas escolhas, nesse dia, Tio Pipoco, mereceremos estatelar-nos com estrondo e será justo que ninguém nos levante.
Em verdade te pergunto, Ruben Patrick
O que tornaria especial aos olhos dos homens a artista falhada no último do Woody Allen, que não tinha nada do que os estereotipos convencionaram que os homens apreciam, não era loura com olhos azuis, não tinha um olhar fatal nem um decote impressionante, não tinha um guarda-roupa que a favorecesse, não era dona de nenhum atributo físico daqueles que se diz que merecem os favores do género masculino e, no entanto, era vê-los vergar-se?
Post das oito
Falas de ti na terceira pessoa do singular, colocas uns retratos de roupa barata e o título é "Quero muito!", os teus títulos de post são sempre "Da (ou "dos") + (inserir uma banalidade qualquer)", acabas os teus textos a perguntar se aos tipos que te estão a ler também já aconteceu a imbecilidade que acabas de relatar, se falas da tendência não sei quê como se soubesses do que estás a falar, tens "músicas do dia" todos os dias e enches chouriços com imagens de gatinhos e coisas fofinhas que sacas da net?
É bem provável que nunca tenha lido o que escreves.
É bem provável que nunca tenha lido o que escreves.
28 outubro 2012
Meu caro novo treinador do Sporting (Vercauteren, certo?)
O meu caro não me conhecerá, mas é fácil reconhecer-me, sou o tipo que fica no estádio depois do jogo acabar, já com as luzes apagadas, até à hora em que vem o funcionário comunicar-me "desculpe, senhor Pipoco, mas tem mesmo que sair, são ordens superiores...", eu ali a levantar os braços ao céu, cabeça baixa, mãos nos bolsos, pontapeando latas de cerveja imaginárias, nó da gravata desapertado, cabelo desgrenhado de tanto o revolver com as pontas dos dedos.
O meu caro está a chegar e eu sinto-me na obrigação de partilhar algumas idiosincrasias deste clube, não perderá nada se me der ouvidos e me escutar com atenção.
A primeira coisa que tem que saber é que nós jogamos sempre contra o Barcelona. Reparará que o Barcelona nunca joga à mesma hora que nós, há um acordo secreto do Barcelona para fazer os seus jogadores titulares rodarem no Genk e no Moreirense e nos outros todos que jogam contra nós. Os jogadores do Barcelona precisam de rodar, é como os camiões TIR e os aviões da Ryanair, se pararem dão prejuízo e o plano secreto é que os jogadores do Barcelona se disfarcem de jogadores vulgares, o Zé Manel do Merelinense é na verdade o Messi quando o Merelinense joga contra nós, o Ivo Daniel do Aljustrelense na verdade é o Iniesta quando o Merelinense nos calha em sorte.
A segunda coisa a saber é que a Lei de Murphy se aplica na sua plenitude nos nossos jogos. Se a bola pode ir ao poste, irá ao poste. Se o guarda-redes deles (que, na verdade, é o Valdés) pode fazer o jogo da vida dele, será no jogo contra nós. Se eles podem fazem um golo na única jogada de ataque que farão no jogo, esse jogo será contra nós. Se os jogadores deles sacarem duas bolas em cima da linha de golo, se levarem com três bolas nos postes e se nos roubarem cinco penalties descarados, tudo isso acontecerá num jogo contra nós.
A terceira coisa a saber é que os guarda-redes deles se preparam com afinco para o dia em que jogarem contra nós. Terão aulas com contorcionistas do circo, que lhes ensinarão golpes de rins impossíveis, só para irem buscar aquela bola que já estava praticamente lá dentro.
E, finalmente, saiba o meu caro que aqueles velhotes dos Marretas, os que estavam sempre no segundo balcão a dizer mal de tudo e de todos, estão agora numa coisa chamada Conselho Leonino.
Boa sorte, meu caro. Vai precisar. Lá estarei amanhã.
O meu caro está a chegar e eu sinto-me na obrigação de partilhar algumas idiosincrasias deste clube, não perderá nada se me der ouvidos e me escutar com atenção.
A primeira coisa que tem que saber é que nós jogamos sempre contra o Barcelona. Reparará que o Barcelona nunca joga à mesma hora que nós, há um acordo secreto do Barcelona para fazer os seus jogadores titulares rodarem no Genk e no Moreirense e nos outros todos que jogam contra nós. Os jogadores do Barcelona precisam de rodar, é como os camiões TIR e os aviões da Ryanair, se pararem dão prejuízo e o plano secreto é que os jogadores do Barcelona se disfarcem de jogadores vulgares, o Zé Manel do Merelinense é na verdade o Messi quando o Merelinense joga contra nós, o Ivo Daniel do Aljustrelense na verdade é o Iniesta quando o Merelinense nos calha em sorte.
A segunda coisa a saber é que a Lei de Murphy se aplica na sua plenitude nos nossos jogos. Se a bola pode ir ao poste, irá ao poste. Se o guarda-redes deles (que, na verdade, é o Valdés) pode fazer o jogo da vida dele, será no jogo contra nós. Se eles podem fazem um golo na única jogada de ataque que farão no jogo, esse jogo será contra nós. Se os jogadores deles sacarem duas bolas em cima da linha de golo, se levarem com três bolas nos postes e se nos roubarem cinco penalties descarados, tudo isso acontecerá num jogo contra nós.
A terceira coisa a saber é que os guarda-redes deles se preparam com afinco para o dia em que jogarem contra nós. Terão aulas com contorcionistas do circo, que lhes ensinarão golpes de rins impossíveis, só para irem buscar aquela bola que já estava praticamente lá dentro.
E, finalmente, saiba o meu caro que aqueles velhotes dos Marretas, os que estavam sempre no segundo balcão a dizer mal de tudo e de todos, estão agora numa coisa chamada Conselho Leonino.
Boa sorte, meu caro. Vai precisar. Lá estarei amanhã.
25 outubro 2012
23 outubro 2012
Que venham...
...as cabras e as que dão demasiada informação sem eu lhes perguntar nada, que venham as que conjugam Zara com Carolina Herrera e as louras de sobrancelha preta, que venham as histriónicas e as que que dizem "tipo", que venham as dos Blackberry e as das unhas de gel, que venham as que gostam do Bublé e as que leram O Segredo, que venham as das calças da Salsa e as dos soutiens de caixa, mas, por quem sois, poupem-me às que se espalham ao comprido e depois invocam que ninguém lhes percebe a ironia do seu humor peculiar.
22 outubro 2012
As coisas são como são
Todos os outros bloggers têm um MQT ou um Me Mate.
Eu só tenho o Ruben Patrick.
Eu só tenho o Ruben Patrick.
O último Woody Allen
O último Woody Allen vê-se como se vê o último James Bond, vai-se e pronto, é um par de horas sem surpresas, já sabemos ao que vamos, reclamaríamos se no último Bond não existisse um exército de tipos maus armados com mísseis terra-ar a perseguir Bond, James Bond, que, armado com a sua fiel Walther PPK, dispara de costas, enquanto vê as horas no seu Omega e, naturalmente, acaba com a bandidagem, sem ter que mudar de carregador. No último Woody Allen, lá está o pai neurótico que não aprecia o tipo que lhe vai levar a filha (como em Match-Point), lá está o tipo que aparece em cena só para dizer a coisa certa ao par de amantes (como em Poderosa Afrodite), lá está a miúda americana que estava ali só de passagem e se apaixona pelo latino lá da terra (como em Vicky Cristina Barcelona), lá está o desfilar de lugares comuns sobre uma cidade (como em Meia noite em Paris), lá está um Woody Allen preguiçoso, a fazer maus filmes só porque o saxofone não lhe paga as contas e lá estou eu a perdoar-lhe tudo porque afinal é só mais um Woody Allen a fazer o mesmo filme há mais de quinze anos.
21 outubro 2012
Eu sei
"O tempo, conforme um muro, uma torre, qualquer construção, faz com que deixe de haver diferenças entre a verdade e a mentira. O tempo mistura a verdade com a mentira. Aquilo que aconteceu mistura-se com aquilo que eu quero que tenha acontecido e com aquilo que me contaram que aconteceu. A minha memória não é minha. A minha memória sou eu distorcido pelo tempo e misturado comigo próprio: com o meu medo, com a minha culpa, com o meu arrependimento."
José Luís Peixoto, in Cemitério de Pianos
José Luís Peixoto, in Cemitério de Pianos
20 outubro 2012
Que vês da tua janela, Pipoco?
Vilar Formoso, visto do Hotel Lusitano
(porque há dias em que um homem não se sente capaz de fazer os últimos trezentos quilómetros que o separam de casa)
(porque há dias em que um homem não se sente capaz de fazer os últimos trezentos quilómetros que o separam de casa)
19 outubro 2012
Ruben Patrick também quer dizer coisas sobre comentários
Certo, Tio Pipoco, que sim senhores, os comentários dos teus posts são de valor, vê-se a léguas que quem lê apreende o elevado sentido da escrita na sua plenitude, afinal quem comenta o Tio Pipoco são indíviduos que se vê logo que têm estudos, mas a verdade é que não costumo ver por cá comentários de nível superior, daqueles com a tipologia "Ahahahah" ou "O que eu já me ri com isto", o difícil é fazer rir as pessoas, meu caro Tio Pipoco, um comentário a comunicar que a pessoa já se riu com o que leu é o nirvana de comentários, um comentário do calibre "Ahahahahahah, o que eu já me ri com isto" representa o nível aspiracional máximo de quem escreve, uma coisa assim insinua que a pessoa se riu, mas sem quantificar com exactidão, é uma espécie de mensagem subliminar que podemos, por nossa conta, indexar ao comprimento da sequência de "ahah's", a pessoa interrompeu o processo de riso para deixar um comentário em que não quantifica o tempo ou o número de vezes que já riu, repara, Tio Pipoco, a pessoa não dá informação quantitativa, não se limita a informar que já se riu três vezes com isto, sequer informa que se riu durante dois minutos e meio com isto, apenas deixa uma opacidade saudável sobre o processo, deixando nos leitores do comentário um suave perfume de dúvida, para uns será uma risada breve, para outros é de tal forma inquantificável o quão se riu a pessoa que se admite que tenha sido realmente de muito nível o sentido de humor, e isso, Tio Pipoco, é coisa que não vejo por aqui, as pessoas comentam com propriedade coisas de livros e de músicas francesas mas jamais terá um comentário de "ahahah, o que eu já me ri com isto".
17 outubro 2012
Às vezes, muito raramente, dá-se o caso de os comentários serem muito melhores que o post
"O orvalho da manhã há muito que tinha cedido o lugar a uma chuva que nada tinha de miudinha. Desejava dizer-lhe que existia um vidro entre nós mas não, vivemos no tempo do imediato, em que a vontade de passar pelas coisas vem primeiro que a necessidade de por vezes pensar nelas.
E enquanto cada gota de chuva se tornava parte de nós, pensavas na China e na Índia, não nas monções, nem nos aromas distantes que vivem para sempre na memória daqueles que por lá passam, mas sim no jeito que dava ter comprado um chapéu de chuva à passagem pela Mouraria.
E de repente começas a vê-lo lá ao fundo, enquanto já saboreias água que te escorre pela face como se de um bom vinho se tratasse. Levas as mãos ao bolso e sentes o toque da prata que tem a tua sandes. Já não sabes quem espera por quem.
Quando para à tua frente, mais que um autocarro é um desejo. Um desejo de deixar a chuva para trás, de transformar em sorriso afável o monótono olhar da mulher que conduz o autocarro, tal como conduz a sua vida, sem esperar nada de novo.
Entras no autocarro, saboreias o momento, perguntas-te se a espera valeu a pena. Não te respondes, deixas ficar a dúvida para não teres de te preocupar com o resto da realidade que também espera por ti.
De facto meu caro, isto de trabalhar o prazer da espera é de facto todo um superlativo."
(De Mak, o Mau, que de vez em quando me privilegia com os seus comentários, discorrendo sobre aquilo do gozo que há em esperar)
E enquanto cada gota de chuva se tornava parte de nós, pensavas na China e na Índia, não nas monções, nem nos aromas distantes que vivem para sempre na memória daqueles que por lá passam, mas sim no jeito que dava ter comprado um chapéu de chuva à passagem pela Mouraria.
E de repente começas a vê-lo lá ao fundo, enquanto já saboreias água que te escorre pela face como se de um bom vinho se tratasse. Levas as mãos ao bolso e sentes o toque da prata que tem a tua sandes. Já não sabes quem espera por quem.
Quando para à tua frente, mais que um autocarro é um desejo. Um desejo de deixar a chuva para trás, de transformar em sorriso afável o monótono olhar da mulher que conduz o autocarro, tal como conduz a sua vida, sem esperar nada de novo.
Entras no autocarro, saboreias o momento, perguntas-te se a espera valeu a pena. Não te respondes, deixas ficar a dúvida para não teres de te preocupar com o resto da realidade que também espera por ti.
De facto meu caro, isto de trabalhar o prazer da espera é de facto todo um superlativo."
(De Mak, o Mau, que de vez em quando me privilegia com os seus comentários, discorrendo sobre aquilo do gozo que há em esperar)
Em verdade te digo, Ruben Patrick
O que receio nunca te conseguir ensinar, meu caro Ruben Patrick, é o prazer da espera, estes são os tempos em que queremos tudo já, desejamos um café com aroma de hortelã-pimenta colhida ainda com o orvalho da manhã e isso existe em cápsula, coloca-se a cápsula numa máquina que prepara o café em dois segundos e já está, não há mais nada que saber. Creio nunca te ensinar o prazer de escolher uma boa mistura de grãos robusta e arábica, moer os grãos quando for tempo disso e depois aquecer o balão, os amigos à volta do balão, desejando o café, e o café que não sobe, a conversa em torno da espera e finalmente a água condensa, mistura-se lentamente com o café moído, filtra-se a mistura e sai café que terá ainda que esperar, tem que assentar, finalmente serve-se e, em verdade te digo, aquele café sabe melhor que nenhum outro. Porque foi um café desejado, Ruben Patrick, e, pergunta a quem quiseres, não há melhor para acicatar o desejo que a espera.
16 outubro 2012
Pipoco também protesta
Este ano, quando fizer o presépio, não me hei-de esquecer de trocar Gaspar pelo burro, Gaspar ficará a velar o menino e o burro fará companhia a Belchior e a Baltasar.
E ninguém vai notar a diferença, em verdade vos digo.
E ninguém vai notar a diferença, em verdade vos digo.
15 outubro 2012
Experiências, é o que daqui levamos
A minha missão no mundo, para além de ajudar senhoras de idade em aeroportos, é explicar aos que se sentam comigo à mesa que quando se paga uma pequena fortuna por uma garrafa de vinho, não é pelo vinho que estamos a pagar, paga-se o ritual de abrir a garrafa, sacando a rolha muito devagar não vá ela desintegrar-se, depois é a prova do vinho e o alívio de perceber que resistiu a tanto ano, finalmente decanta-se, devagar, com tempo, e, quando finalmente se serve o vinho e o apreciamos com os amigos de uma vida, um bom vinho não se bebe a sós, sabemos que aquele vinho vai ser recordado por muito tempo, daqui a dez anos talvez ainda seja tema de conversa, lembras-te daquele vinho que bebemos em casa do Pipoco?, caramba, aquilo é que foi um dia grandioso, quando se paga uma pequena fortuna por uma garrafa de vinho, não é pelo vinho que estamos a pagar, é pela memória futura.
14 outubro 2012
Em verdade te digo, Ruben Patrick
De nada te valerá a felicidade que sentirás enquanto a observas, sorridente, volteando pela sala, levantando discretamente na tua direcção a flute de champanhe quando o teu olhar se cruzar com o dela, de nada te valerá a taquicardia que o conjunto Thierry Mugler - Jimmy Choo te causar, a vertigem do corte, a elegância do stiletto, de nada te valerá a graciosidade do cruzar de pernas nem o dares-te conta que ela sabe exactamente para que serve cada um daqueles copos, de nada te valerá a admiração pela elegância ganhadora com que ela abandona a mesa de poker, de nada te valerá o deslumbre com que a ouvirás falar-te de Bergman ou de Pamuk ou de Verdi.
Só saberás o quanto ela vale quando a vires sem sapatos de salto alto nem maquilhagem, com os cabelos molhados da chuva, a gritar-te aos ouvidos o quão imbecil és tu por quase a teres deixado escapar, a abanar-te pelos ombros para que te dês conta da urgência que é resgatá-la, só saberás quanto ela vale quando ela por fim te abraçar, tu ali no meio da rua sem saberes o que fazer e ela a levar-te pela mão, a ensinar-te o caminho, mais uma vez.
Só saberás o quanto ela vale quando a vires sem sapatos de salto alto nem maquilhagem, com os cabelos molhados da chuva, a gritar-te aos ouvidos o quão imbecil és tu por quase a teres deixado escapar, a abanar-te pelos ombros para que te dês conta da urgência que é resgatá-la, só saberás quanto ela vale quando ela por fim te abraçar, tu ali no meio da rua sem saberes o que fazer e ela a levar-te pela mão, a ensinar-te o caminho, mais uma vez.
13 outubro 2012
12 outubro 2012
Meu caro Tolan, muitas felicidades
Quem, como eu, anda vai para cinquenta anos nesta vida dos blogs, acaba por se afeiçoar aos companheiros de caminho, àqueles que abnegadamente, um dia depois do outro nos vão mostrando outras visões do mundo. Acabamos por ficar mais perto uns dos outros, o mundo fica um lugar melhor e mais fraterno e os problemas reduzem-se à sua insignificante dimensão quando os comparamos com o infortúnio do outro, daquele a quem acompanhámos nesta jornada.
Vem isto a propósito da feliz notícia que Tolan, esse companheiro de caminho, esse abnegado contador de histórias, esse génio das ideias, vai ser pai de uma linda menina, Tolan, uma minha referência nisto da arte de escrever razoavelmente, vai enfim poder gozar os prazeres da paternidade, ele e a sua Plaft, numa celebração ao amor, num desafio à estatística da má fortuna dos tempos que temos pela frente, Tolan não vacila e, ainda que seja num cenário de não programação do feliz acontecimento, Tolan lacrimeja, a sua mão forte e sábia na mãozita inocente da pequena Vanessa Plaft-Tolan, numa ode ao amor, numa simbiose perfeita, numa felicidade que não ousaremos questionar.
Meu caro, é com emoção que o parebenizo, terei certamente saudades de o ter como companheiro de luta no desbravar deste nicho de mercado que era o nosso e que agora, derivado de (na caixa de comentários vão referir que não é aceitável este "derivado de") o meu caro enveredar pelos caminhos ínvios do baby-blogusimo, um caminho tão respeitável como qualquer outro, por mim por cá continuarei nesta cruzada de levar palavras sábias a corações dilacerados e carentes de, lá está, palavras sábias, com um leve pontinha de inveja sempre que imaginar o meu caro a trocar fraldas, a empurrar baloiços e a usar a sua palma da mão para verificar a temperatura do leite Actamil puro cálcio aditivado com vitamina H5 e eu, pobre de mim, olhando indolente a espiral que sai do Cohiba Lanceros, segurando numa mão um straight flush e na outra um Old Bushmills sem gelo, olhando com inveja os comentários que as outras mamãs deixarão em tolanbaranduna.blospot.com, com experiências de introdução de proteína nas sopas ou programas para sábados de manhã no parque infantil da Serafina, enquanto que eu não passarei dos habituais comentários sobre se o três de Mayo do Goya será superior ao Rapaz com maçã na mão de Van Gogh ou sobre as diferenças elementares entre Haydn e Zofiriteli.
Vem isto a propósito da feliz notícia que Tolan, esse companheiro de caminho, esse abnegado contador de histórias, esse génio das ideias, vai ser pai de uma linda menina, Tolan, uma minha referência nisto da arte de escrever razoavelmente, vai enfim poder gozar os prazeres da paternidade, ele e a sua Plaft, numa celebração ao amor, num desafio à estatística da má fortuna dos tempos que temos pela frente, Tolan não vacila e, ainda que seja num cenário de não programação do feliz acontecimento, Tolan lacrimeja, a sua mão forte e sábia na mãozita inocente da pequena Vanessa Plaft-Tolan, numa ode ao amor, numa simbiose perfeita, numa felicidade que não ousaremos questionar.
Meu caro, é com emoção que o parebenizo, terei certamente saudades de o ter como companheiro de luta no desbravar deste nicho de mercado que era o nosso e que agora, derivado de (na caixa de comentários vão referir que não é aceitável este "derivado de") o meu caro enveredar pelos caminhos ínvios do baby-blogusimo, um caminho tão respeitável como qualquer outro, por mim por cá continuarei nesta cruzada de levar palavras sábias a corações dilacerados e carentes de, lá está, palavras sábias, com um leve pontinha de inveja sempre que imaginar o meu caro a trocar fraldas, a empurrar baloiços e a usar a sua palma da mão para verificar a temperatura do leite Actamil puro cálcio aditivado com vitamina H5 e eu, pobre de mim, olhando indolente a espiral que sai do Cohiba Lanceros, segurando numa mão um straight flush e na outra um Old Bushmills sem gelo, olhando com inveja os comentários que as outras mamãs deixarão em tolanbaranduna.blospot.com, com experiências de introdução de proteína nas sopas ou programas para sábados de manhã no parque infantil da Serafina, enquanto que eu não passarei dos habituais comentários sobre se o três de Mayo do Goya será superior ao Rapaz com maçã na mão de Van Gogh ou sobre as diferenças elementares entre Haydn e Zofiriteli.
11 outubro 2012
Em verdade te digo, Ruben Patrick
Quando te afirmarem que o dinheiro não traz a felicidade, não o creias, Ruben Patrick, pois se é o dinheiro que paga quem te passe as camisas e quem te corte a relva nos dias em que não te apetece cortá-la, isso é tempo, Ruben Patrick, tempo que o dinheiro te oferece, tempo que podes usar com os teus livros ou com os teus discos ou com os que te querem bem, além disso é o dinheiro que permite que te faças à estrada sempre que te apetece, só porque no fim da estrada está um amigo que queres rever ou uns revueltos de setas que te disseram que são uma coisa em bom ou um aeroporto que é o ponto de partida para cidades que não conheces e isso é liberdade, Ruben Patrick, e afinal que mais é a felicidade senão tempo e liberdade?
10 outubro 2012
Post das oito
Nas semanas em que me ocorre que é urgente sair daqui, que o mundo é a minha casa e que do outro lado do mundo a vida podia ser igual, só que em muito melhor, nessas semanas meto uma muda de roupa na mala que está sempre pronta e tem Eça e Saramago lá dentro, faço-me à nacional cento e catorze, páro em Vendas Novas para uma bifana e uma cerveja que me aguentem por mais duas horas de bons caminhos e só volto a parar em Vila Viçosa, mesmo a tempo dos concertos na Igreja do Paço nas últimas sexta feira de cada mês, depois são umas migas com carne do alguidar e uns enchidos de porco preto que estão capazes de acompanhar meia garrafa de tinto do Redondo, depois há a pousada, o quarto com mesas cá fora, ler ao sol, a visita ao Paço à primeira hora da manhã, deliciar-me com os frescos no tecto, voltar aos livros e à sopa de cação, voltar para a cidade grande e pensar que afinal é capaz de ser melhor ficar por cá e ajudar a levantar isto de uma vez por todas.
09 outubro 2012
É a economia, estúpido!
O que importa é manter o dinheiro a correr, meu caro Gaspar, em correndo o dinheiro a coisa dá-se e todos ficamos felizes, ele há uma história que se conta aos do primeiro anos de Economia que ilustra a coisa, é um tipo que chega a um hotel e o quarto custa cem euros, o tipo deixa a nota de cem euros em cima do balcão da recepção e pede para ver o quarto, se não gostar recolhe a nota, e ali está a nota de cem euros e o tipo do hotel diz à recepcionista para pegar nos cem euros e ir a correr pagar ao tipo do talho que não entregará os bifes se o tipo do hotel não pagar a dívida de cem euros que lá tem e a recepcionista sai a correr e paga ao tipo do talho que por sua vez usa aqueles cem euros para pagar ao tipo que lhe estava a arranjar o sistema de frio que, com os cem euros na mão, se lembra de que ficou a dever cem euros ontem no hotel, uma coisa com uma loura que agora não vem ao caso, e segue para o hotel para pagar a dívida e, no preciso momento em que entrega os cem euros, chega o tipo que foi ver o quarto, afinal não gostou e o gerente, sorriso nos lábios devolve-lhe a nota dos cem euros e é assim que a coisa se dá, meu caro Gaspar.
De maneiras que era isto
Nestes dias como o de ontem em que o avião de Madrid não se atrasa e eu consigo chegar a casa com tempo de me apetecer um gin tónico de fim de tarde, bebido de frente para o por do sol, nestes dias, dizia eu, costumo acender um Partagas e coloco o vinil dos Waterboys, aquilo do This is the sea, e dou por mim a pensar que não há muitos discos que tenham músicas para single do princípio ao fim, isto se tirarmos o Brother in Arms e o Gold Ballads, ambos razoavelmente maus, e o Barbeiro de Sevilha, este com demasiadas músicas de anúncio de detergente, fico ali a matutar naquilo até chegar à última música e depois fico zangado porque estive a perder tempo com Waterboys quando podia perfeitamente ter tirado o papel celofane a uma coisa de Bach que me ofereceram e que me disseram que é muito bom, uma Paixão Segundo São João que é uma coisa superior, afinal Waterboys teve um tempo para ser ouvido, era o tempo em que tudo se passava muito devagar, ela usava Anais-Anais, nunca mais suportei coisas da Cacharel, ninguém merece inalar Anais-Anais durante quase dois meses, é certo que ela era extraordinariamente bonita, três campeonatos acima do meu, isto naquele tempo, agora isso de três campeonatos acima do meu é conceito que não existe, agora elas valorizam o sentido de humor e um homem ler livros e isso beneficia-me em toda a linha, fico a pensar que será feito dela, provavelmente teve sete filhos e a lei da gravidade não foi complacente com ela, nunca saberei por onde andará, é por isso que não tenho facebook, não quero saber de quem não quero saber, em dias como o de ontem em que o avião de Madrid não se atrasa há tempo para pensar em tantas coisas que nem sei se não será melhor que o avião de Madrid se atrase.
08 outubro 2012
Os problemas das mulheres
Não conseguir dissimular a ansiedade quando perguntam "E que disse ele de mim?".
07 outubro 2012
Para além do óbvio, disso de a nação estar de ponta-cabeça
E nós deste lado da televisão a gritar-lhes que a bandeira estava ao contrário e eles, todos eles, com cara de basbaque a ver o mesmo que nós, a bandeira ao contrário e não há nenhum deles que tenha um rasgo, um assomo de clarividência que pare aquilo, a nenhum ocorre que a coisa certa seja parar e começar de novo, a bandeira sobe ao contrário e eles estão a ver o mesmo que nós e continuam como se nada fosse, não lhes importa o que lhes gritamos deste lado, e isto explica tanta coisa, tanta coisa.
05 outubro 2012
04 outubro 2012
03 outubro 2012
Vinte e três por cento de posse de bola
Sentes-te como se tivesses ganho a final da Champions League, ou a Xômpislig na versão Jorgejesuística, estavas a perder por dois zero aos oitenta e nove minutos e ganhaste o jogo, é bem verdade que foste massacrado durante toda a tarde e que merecias estar a perder, mas depois há aquilo da inspiração, sempre foi a inspiração que te salvou, talvez pudesses ser mais constante e levar a coisa empatada até aos oitenta minutos, mas não, a coisa tem outro sabor quando te desfocas do que estás ali a fazer e voltas à realidade no último momento, estava quente no Algarve, o peixe grelhado a acompanhar Neruda fez-te pensar nisso da felicidade, pagavas para não estar naquela sala de hotel a discutir números, eles falavam e tu pensavas no sol lá fora e que podias ir dar um mergulho ou pescar ou correr na praia, quando te focas o jogo inverte-se e acabas por ganhar, as coisas são como são, são cinco e meia da tarde e pensas que mereces um gin tónico antes de te fazeres à estrada, pensas que talvez não devesses confiar tanto no instinto, o número de vezes que te aconteceu ganhar o jogo nos últimos minutos é improvável, não devias desafiar as probabilidades, a adrenalina faz-te falta mas um dia vai correr mal e não vais gostar de estar lá, por agora mereces este gin, olhas para o carro alemão e sentes saudades do carro italiano, era o carro certo para agora te fazeres à estrada, escolhes a música, rejeitas Wagner e Carlos do Carmo e Aznavour, pedes ao sistema que te dê Cebola Mol, o Samba Roulotte, aceleras, abres os vidros e segues pela estrada nacional enquanto te apetecer, sorris enquanto pensas que a tua amiga psicóloga vai dissecar o acabaste de escrever, hoje foi um dia bom.
Pipoco ensina-o a ser uma sumidade na escolha de vinhos
O primeiro passo do processo é não aceitar a sugestão do empregado de mesa, convirá decliná-la com elegância, questionando-o sobre a origem do "vinho da casa" e, admitindo que o empregado nos sabe elucidar, fazer um ar agastado à menção de ser um vinho particular de um senhor ali da zona de Pegões, recusando ainda as propostas que o empregado nos fará, primeiro um Esteva, depois um Marquês de Borba, para terminar num Monte Velho. Fazer um gesto de recusa enérgico com a mão, mostrar uma cara agastada e solicitar enfaticamente "traga-me a carta de vinhos por favor".
Com a carta de vinhos na mão, estudá-la aparentando um ar entendido, com uma eventual menção à maçada que é a carta incluir Ermelinda de Freitas Reserva, mas do ano de 2005, se fosse do ano de 2008 a coisa seria mais composta, mas o ano de 2005 não foi fantástico para a casa. Sugerir aos comensais um monocasta Syrah, isto admitindo que todos alinharão nas tirinhas de porco preto, que, toda a gente sabe, é o que melhor vai com um monocasta Syrah, o que será imediatamente aceite, de igual forma seria aceite uma mistura de Touriga Nacional e Malvasia, afinal o entendido é você e só o facto de ter recusado à partida um vinho sugerido pelo empregado e saber que a monocasta Syrah acompanha bem com as tirinhas de porco preto que todos irão escolher, mesmo que alguns se inclinassem para os filetes de pescada ou para o cozido à portuguesa, afinal você acabou de os convencer que as tirinhas de porco preto é que é, combinam tão bem com o tal monocasta Syrah, foi você quem disse.
Na hora de provar o vinho, rode o copo e diga alguma coisa sobre a lágrima. Prove o vinho levando-o levemente aos lábios e aparente um semblante carregado, impenetrável, deixando a mesa em suspenso sobre o seu veredicto final. Antes de emitir opinião, pergunte ao empregado se o vinho estava guardado na posição vertical ou horizontal e diga "hummm..." qualquer que seja a resposta. Informe finalmente que o vinho está bom, pode servir, mas aconselhe os comensais que devem deixar respirar o vinho um par de minutos no copo, de forma a libertar os taninos e equilibrar a temperatura com a temperatura ambiente. Isto não serve rigorosamente para nada mas dará credibilidade aos seus saberes. Quando passarem dois minutos, autorize então que o vinho seja bebido, não sem antes dar um último conselho, que os comensais preparem o palato degustando uma pequena porção de pão alentejano com queijo de Azeitão, que é o que vai bem antes de um monocasta Syrah e é o grande segredo para que o palato esteja finalmente preparado para as tirinhas de porco preto. Delicie-se com as caras de respeito e reverência pela sua doutrina e decida que amanhã será dia de aconselhar um Cabernet Sauvignon a acompanhar trouxas de ovos.
Recoste-se e sorria , brindando à longa vida dos presentes. Tão fácil, não é?...
Com a carta de vinhos na mão, estudá-la aparentando um ar entendido, com uma eventual menção à maçada que é a carta incluir Ermelinda de Freitas Reserva, mas do ano de 2005, se fosse do ano de 2008 a coisa seria mais composta, mas o ano de 2005 não foi fantástico para a casa. Sugerir aos comensais um monocasta Syrah, isto admitindo que todos alinharão nas tirinhas de porco preto, que, toda a gente sabe, é o que melhor vai com um monocasta Syrah, o que será imediatamente aceite, de igual forma seria aceite uma mistura de Touriga Nacional e Malvasia, afinal o entendido é você e só o facto de ter recusado à partida um vinho sugerido pelo empregado e saber que a monocasta Syrah acompanha bem com as tirinhas de porco preto que todos irão escolher, mesmo que alguns se inclinassem para os filetes de pescada ou para o cozido à portuguesa, afinal você acabou de os convencer que as tirinhas de porco preto é que é, combinam tão bem com o tal monocasta Syrah, foi você quem disse.
Na hora de provar o vinho, rode o copo e diga alguma coisa sobre a lágrima. Prove o vinho levando-o levemente aos lábios e aparente um semblante carregado, impenetrável, deixando a mesa em suspenso sobre o seu veredicto final. Antes de emitir opinião, pergunte ao empregado se o vinho estava guardado na posição vertical ou horizontal e diga "hummm..." qualquer que seja a resposta. Informe finalmente que o vinho está bom, pode servir, mas aconselhe os comensais que devem deixar respirar o vinho um par de minutos no copo, de forma a libertar os taninos e equilibrar a temperatura com a temperatura ambiente. Isto não serve rigorosamente para nada mas dará credibilidade aos seus saberes. Quando passarem dois minutos, autorize então que o vinho seja bebido, não sem antes dar um último conselho, que os comensais preparem o palato degustando uma pequena porção de pão alentejano com queijo de Azeitão, que é o que vai bem antes de um monocasta Syrah e é o grande segredo para que o palato esteja finalmente preparado para as tirinhas de porco preto. Delicie-se com as caras de respeito e reverência pela sua doutrina e decida que amanhã será dia de aconselhar um Cabernet Sauvignon a acompanhar trouxas de ovos.
Recoste-se e sorria , brindando à longa vida dos presentes. Tão fácil, não é?...
02 outubro 2012
Quando não conseguires decidir, Ruben Patrick, quando se te afigurar que ambas são perfeitas, quando pensares que é inevitável morrer de amor por cada uma delas, quando o teu coração chegar a um tal estado de atabalhoamento que te impossibilite a escolha, quando já as tiveres feito passar pelo teste do xadrez e ambas tenham passado com distinção, quando chegares ao ponto em que te seja impossível decidir racionalmente, quando te perderes no caminho porque o teu pensamento está com cada uma delas, nessa altura, Ruben Patrick, fala comigo e eu ensino-te uma regra infalível para que não falhes na tua escolha.
01 outubro 2012
Escuta os mais velhos, Ruben Patrick
"Muitos anos depois, diante do pelotão de fuzilamento, o coronel Aureliano Buendía haveria de recordar aquela tarde remota em que o pai o levou a conhecer o gelo", assim começa o grande Vargas Llosa, figura maior das letras argentinas, o seu fantástico Vivir para Contarla, uma história de vida contada com uma sensibilidade que só encontraria igual em Julio Cortazar no autobiográfico "O Velho que lia romances de amor", ilustrando que a solução para o que quer que seja passará sempre por ouvir os mais velhos, esses sábios que ninguém quer escutar porque desconhecem tecnologias, como se fosse relevante dominá-las para transmitir saberes antigos, talvez o coronel Aureliano Buendía nunca tivesse que enfrentar o pelotão de fuzilamento se tivesse escutado o seu velho pai nessa remota tarde em que conheceu o gelo.
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