30 abril 2012

(estava aqui à espera de um amigo para jantar e escrevi um post)

De todos os intrincados mistérios da natureza feminina, o mais mítico, isto assumindo que nunca teremos as capacidades cognitivas para entender na sua plenitude a razão porque vão elas aos pares ao toilette, o mais mítico, dizia eu, é aquele que elas designam como "jantar de mulheres", pronunciando a associação de palavras "jantar de mulheres" em voz baixa e reverencial, dando um cunho sagrado a esse momento épico.

Ora eu, do cimo da minha reconhecida experiência na temática, fruto do mais empírico conhecimento de causa, não porque alguma vez tenha sido convocado para tais tertúlias, mas porque se dá o caso de alguns destes momentos sagrados terem acontecido no meu espaço vital, quase sempre em momentos em que eu pretendia sossego para a minha leitura de Ulysses, isso sim, elevado à categoria de mito no que diz respeito à sua concretização e, mais ainda, elevado à categoria de utopia no que concerne a levar esta tarefa a bom porto, eu posso dizer em boa verdade que aquilo que elas designam como "jantar de mulheres" e que envolvem numa espécie de pacto de silêncio, não é mais que uma conjunto de indivíduos do género feminino, falando de forma descoordenada e com os decibéis directamente indexados aos jarros de sangria que o empregado de laço preto e bigodinho lhes vai servindo, quase sempre derramando a sangria porque se foca demasiado tempo na visualização introspectiva do conteúdo dos decotes, acabando por se desculpar com a fruta, o que não é absolutamente despropositado, atendendo ao contexto, uma profusão de saladas e sushi em cima da mesa, nada indiciando os bolos de bolacha e as mousses de maracujá que serão posteriormente servidos, tudo isto entrecortado pelo som de telemóveis que tocam dentro de malas, com músicas de Michael Bublé que não param de tocar enquanto elas remexem furiosamente nesse outro objecto digno de respeito que é uma mala de mulher, risos altos que acabam quase sempre com "esta gaja é tão maluca, pá...", tudo isto num claro desafio à minha capacidade de concentração e numa tentativa descarada de fazer com que eu termine o mais rapidamente possível o carpaccio de lagosta com redução de néctar do terroir Champagnois, o que invariavelmente acabam por conseguir, fazendo com que eu tenha que me movimentar no meio do caos, calando-se então por um momento, enquanto me dão a entender que talvez eu não devesse ter desapertado o terceiro botão da camisa branca, inqueitando-se com o suave vislumbre do meu sobretudo igual ao do Aznavour.

Se resumisse os meus saberes numa frase, Ruben Patrick, em verdade te diria:

Só se ama uma mulher de cada vez.

Ruben Patrick reflecte sobre a blogosfera

No princípio havia equilíbrio nisto dos blogs, elas escreviam lá sobre as coisas delas, nós também, com a diferença de elas se zangarem umas com as outras por causa de coisas que achavam que as outras escreviam para as fazer zangar, só podia ter sido para elas, vejam lá que cabra, fez isto só para me dar cabo dos nervos, mas eu vou-me a ela, oh se vou, e andavam nisto, em círculos, não se podiam juntar a escrever no mesmo blog que aquilo mais tarde ou mais cedo dava puxões de cabelos, isto para além de andarem lá pelos guilty pleasures só para embirrarem com unhas azuis e coisas assim e fazerem disso conversa de blog.

Nós não, se gostávamos, gostávamos e líamos, até se dava um abraço ao tipo a quem reconhecíamos valor, a nossa fleuma lendária não nos dava para perder tempo em blogs que não eram do nosso agrado, o mais que concedíamos era um  torcer de nariz, era lamentar a sorte do tipo e seguir adiante, rumo aos blogs que efectivamente nos acrescentavam valor, não tínhamos guilty pleasures, nada de blogs onde só se vai para nos contorcermos de riso, comiseramos-nos pela vergonha alheia ou, eventualmente, para dar um toque ao tipo, dar-lhe um sinal que estava a ir por maus caminhos, não havia registos de nós perdermos tempo em blogs com más temáticas, fazer conversa de café com tipos que escrevem em blogs ou colocarmos as mãos na cabeça em sinal de desespero pelo que escrevia um nosso igual, para além de não haver registo de homens perderem tempo a escrever sobre homens que escrevem em blogs.

Até que os céus nos enviaram "O Arrumadinho" e o paradigma mudou.

29 abril 2012

Mas não

Chegar a casa, ainda com os dias da música nos ouvidos, cortar umas lascas finas de presunto, abrir uma garrafa de vinho do Dão, olhar embevecido para os livros que acabei de comprar na feira, cortar pão alentejano, refogar os espargos verdes do campo que comprei à beira da estrada, juntar alho e azeite e deliciar-me com uns revueltos de espargos verdes, fechar os olhos e pensar que a minha vida podia muito bem ser isto.

28 abril 2012

Dias da Música

Voltei a sonhar com Lamborghini's roxos, sempre que sonho com Lamborghini's roxos é uma afronta, suores frios e agitação, noite mal dormida, o pior é que a experiência me diz que, em sonhando com Lamborghini's roxos durante a noite, acontece-me algo de desagradável no dia seguinte, na última vez havia favas para o almoço e na penúltima lesionou-se o Rinaudo, agarro-me à esperança de, desta vez, eu não ter chegado a conduzir o Lamborghini roxo, já lá estavam o Alves Moreyra e o Fagundes de Telles, que arrancaram em primeira a fundo, eu acabei por ir atrás deles no meu carro preto, aliás, é uma carrinha, pode ser que este sábado tudo se passe bem, afinal o pior que podia acontecer era que houvesse alguém a tossir fora do tempo nos concertos B23, B25 ou B27 ou que a Portugália de Belém estivesse com muita gente à hora do jantar.

27 abril 2012

Em verdade vos digo

É ler o que dizem as pessoas que escrevem blogs e todos vos dirão que escrevem para si próprios, que a coisa é um diário de bordo e quem gosta, gosta, quem não gosta, que gostasse, o blog é meu, e tal, e escrevo o que me apetece e só cá venho quando quero e é assim que se passam as coisas.

Pois eu escrevo para quem me lê. O gozo que me dá isto do Pipoco é escrever e divertir-me a projectar que perfil de leitor comentará, os do Ruben terão determinado tipo de comentários, os do Pipoco depende, em falando de livros aparecem uns, em sendo arrogante aparecerão outros. Escrevo para quem lê, inquestionavelmente. Gosto de saber que arranco sorrisos a uns quando escrevo em modo non-sense, sei que exaspero outros quando catalogo géneros, diverte-me antever que posts serão replicados, fico feliz quando quem está desse lado percebe o subliminar do que escrevo.

Divirto-me com isto de escrever e ter quem vá lendo. Acho que é para isso que servem os blogs.

26 abril 2012

A começar a ficar nervoso com logo à noite

Houve um tempo em que eu não sabia o que era um cupcake, era um tempo sombrio e obscuro, mas bastou-me expor aqui esta lacuna e logo um ror de fiéis leitores me elucidou. Depois houve um tempo em que eu desconhecia o conceito de leggings e voltei a perguntar e logo tive explicações convincentes da utilidade daquilo. Houve um tempo em que eu escrevia leggins quando me queria referir a leggings e logo houve uma alma sã que se apiedou do meu pouco saber e me chamou à razão, e nunca mais voltei a grafar mal a palavra.

Começa a fazer sentido ter um blog.

Se...

...elas são cada vez mais sofisticadas e mais inteligentes e sabem de si e têm isso do sexto sentido e são mais maduras logo desde tenra idade e conduzem com mais precaução e têm mais estudos, porque raio continuam a acreditar que basta colocar uma caixa com uns comprimidos em cima de um sofá que aquilo lhes resolve a problemática da celulite, com o único e dispiciendo efeito colateral de lhes destruir os botões do sofá?

25 abril 2012

Movimento "Só queremos uma equipa espanhola nas finais da UEFA"

Novo capítulo, amanhã.

Vinte e Cinco de Abril

Por razões cá minhas gosto de ir até ao salão nobre do meu município e assistir áquilo de as pessoas importantes cá da terra, cravo vermelho ao peito, falarem sobre o vinte e cinco e da liberdade e do que ainda falta construir e de como não deixarão que destruam as conquistas de Abril e o serviço nacional de saúde e coisas assim que Abril nos trouxe. Também gosto de ver os escuteiros e o rancho folclórico e a banda dos bombeiros e a gêéniérre vestidos de gala para o desfile e o desfile são cinquenta gloriosos metros desde o salão nobre do município até uma estátua que há cá na terra. Este ano não houve desfile porque estava a chover, uma chuva miudinha, um quase-nada de chuva e lá se foi o desfile, mais as convicções de Abril.

É por isso que eu acho que se devia fazer um presépio do vinte e cinco de Abril, as pessoas faziam o presépio o mais tardar até dia 15 e teriam que o desmanchar no primeiro de Maio, que ficaria a ser uma espécie de dia de reis do presépio do vinte e cinco de Abril, não sei se ainda me estão a acompanhar, provavelmente não estarão e é pena, a parte mais importante do conceito ainda está para vir, mas os meus caros é que sabem, o tempo é vosso, de maneiras que fazia-se o presépio do vinte e cinco de Abril e a consciência ficava tranquila, tal como no Natal, despachado o presépio está salvaguardada a consciência, podemos passar para o que realmente interessa, que são os presentes de Natal, feito o presépio de vinte e cinco de Abril, estariam garantidos os hossanas à liberdade e aos militares de Abril e podia-se passar directamente para o que interessa que é gozar o feriado o melhor que se pode, no presépio lá estaria o Otelo, acompanhado por uma das suas mulheres, mudava-se a figura conforme calhasse o feriado a um fim de semana ou no período de segunda a quinta, ambos a guardar o menino, que seria aquele rapazinho dos caracóis que aparecia nos cartazes a colocar um cravo no cano de uma gêtrês, só que em palhinhas deitado, lá estaria o Vasco Lourenço no lugar onde nos habituámos a ver o burro do presépio, o que é apenas uma coincidência, no lugar da vaca estaria Soares e os presentes haviam de ser cravos, as chaves de Caxias e outra coisa que agora não me lembro, trazidos pelos reis Magos que chegavam de longe, Cunhal, Salgueiro Maia e Spínola, montados numa chaimite e vitoriados pelo povo, tudo isto em figurinhas de barro  bordejadas a musgo e luzes vermelhas e verdes piscantes ao som de músicas de época, o Depois do Adeus e, lá está, o Grândola, Vila Morena.

Dupond & Dupont


24 abril 2012

E aos feriados é igual

É certo que durante a semana não passo de um tipo enfiado dentro de um fato, um dia com uns botões de punho mais bonitos, outro dia com botões de punho menos felizes, é certo que me sei programar para ter um ar grave e dá-se a magia de acontecerem coisas que, desse-se o caso de o Criador não me ter dotado da faculdade de saber exibir um ar grave, jamais aconteceriam, é certo que durante a semana tenho que me preocupar com as horas e que tenho que ostentar um perfil taciturno, de quem realmente se preocupa com o rumo que as coisas estão a tomar, é certo que durante a semana tenho que almoçar em restaurantes que me obrigam a escolher o copo certo e a escolher vinhos com ar decidido e firme, como se os conhecesse perfeitamente, é certo que durante a semana tenho que fazer conversa sobre coisa nenhuma.

Mas, em verdade vos digo, chegado o fim de semana desaperto os botões cimeiros da camisa e não há memória de alguém me ter visto um relógio no pulso, chegado o fim de semana tenho música alta nos ouvidos, que canto ainda mais alto enquanto corro, o meu cão preto a correr ao meu lado, durante o fim de semana preparo o melhor gin tónico do mundo para beber na companhia daqueles de quem gosto mesmo a sério, virados para o sol-pôr, ao fim de semana leio na casa da árvore se estiver sol ou deitado no chão do sótão se estiver a chover, e sei acender lareiras onde arde madeira dos sobreiros velhos e sei preparar petiscos temperados com flor de sal e rio alto enquanto faço corridas de bicicleta com os mais novos e penso que uma nova semana está prestes a chegar e isso é mesmo bom porque na verdade não desgosto de gravatas e botões de punho e fatos e de ter que escolher os copos certos.

Para um mundo melhor

Que o Nuno Markl deixe de ser uma espécie de versão humana da M80, que o Vasco Palmeirim cale a matraca enquanto os outros falam, que a Irina Shakrapova deixe de me enviar mails a dizer para carregar ali naquele link para recordar fotos dos bons tempos que passámos juntos, que acabe de uma vez por todas a cozinha de fusão, que se determine que a mulher gorda que cantam as tunas académicas não possa usar leggings, que haja um polícia de costumes que proíba o conjunto fato de treino com sapatos, que o "lol" seja banido de uma vez por todas das caixas de comentários, que existam minas de defesa pessoal que rebentem por debaixo dos carros de velhinhos, gajas a falar ao telemóvel, putos condutores de Seat Ibiza com boné de basebol de pála voltada para trás e condutores de pequenos comerciais, todos eles a conduzir na faixa central da autoestrada, que os canais de televisão se resumam ao Canal História, ao Odisseia e à Sport TV, tudo sem tradução, que o Sporting ganhe em Bilbau por 6-5 depois de estar a perder por 5-0 aos oitenta minutos de jogo.

23 abril 2012

Dia Mundial do Livro

Há poucos prazeres tão deliciosos como pegar num livro ao acaso e decidir se o lemos ou não, dependendo do primeiro parágrafo. E é um prazer imenso, há aqui toda uma aleatoriedade, uma possibilidade de cometer injustiças tremendas, uma sensação de poder. É claro que um primeiro parágrafo como “Muitos anos depois, diante do pelotão de fuzilamento, o Coronel Aureliano Buendía havia de recordar aquela tarde remota em que seu pai o levou para conhecer o gelo." não engana ninguém, um primeiro parágrafo deste quilate é valor seguro, indica livro para ler sem hesitar. Outro grande início é "No dia seguinte ninguém morreu. O facto, por absolutamente contrário às normas da vida, causou nos espíritos uma perturbação enorme...", cá está um início que diz logo ao que vem, sem preliminares, o que até é pouco comum no autor, toda a gente sabe que para apreciar o autor há que sobreviver às primeiras oitenta e sete páginas.

Por outro lado, um primeiro parágrafo como "Chamem-me simplesmente Ismael. Aqui há uns anos - não me peçam para ser mais preciso -, tendo-me dado conta de que o meu porta-moedas estava quase vazio, decidi voltar a navegar, ou seja, aventurar-me de novo pelas vastas planícies líquidas do Mundo." promete pouco e, no entanto, aguentando firme até ao ponto em que Ismael conhece Queequeg, o livro é uma delícia. Acontece o mesmo com "Alguém devia ter caluniado Josef K., visto que uma manhã o prenderam, embora ele não tivesse feito qualquer mal.", um início que não está à altura do resto do livro, que merecia um início com muito mais adrenalina. Outro início que poderia ser mais glorioso é "No princípio criou Deus os céus e a terra. A terra era sem forma e vazia; e havia trevas sobre a face do abismo, mas o Espírito de Deus pairava sobre a face das águas. Disse Deus: haja luz. E houve luz.", e no entanto cá está um livro que pegou de estaca, contra todas as expectativas do primeiro parágrafo.

O meu primeiro parágrafo favorito? Ora, essa é fácil...

Porque leio blogs?

Para saber se as crianças estão melhorzinhas das maleitas que não as largam, para me inteirar se sempre se conseguiram juntar quarenta pessoas para o lançamento do livro no Porto, ob die Aussicht ist besser von der Eisenbahnbrücke oder cacilheiro, para me exasperar por não haver canto no mundo que não esteja quadripolarizado e, naturalmente, para acompanhar a fulgurante carreira de jogador da bola desse ser mítico que é o Zé.

22 abril 2012

De volta a casa

E lá estava eu no jantar, elas tratavam-se por "miga" umas às outras, eles cumprimentavam-se com toques de punhos e passos tribais, consegui evitar in-extremis que me vertessem sangria no copo, só faltava que o jantar fosse sushi, o jantar era sushi, pedi vinho e o vinho fez-me lamentar não ter aceite a sangria, estive quase a apostar que as mamas da anfitriã implodiam antes da sobremesa, a sobremesa era mousse de manga, toda a gente sabe que detesto manga e é mítica a minha aversão a mousse, diziam-me que havia uma surpresa para depois do jantar e a surpresa era karaoke e, em verdade vos digo, estar de volta a casa é maravilhoso.

20 abril 2012

Já fui feliz em Bilbao

Talvez tenhas lido muitos livros de mulheres definitivas, daquele tipo de mulheres que diz o que lhe vai na alma e ficamos entendidos, ainda há pouco li um assim, era o do Auster, a pequena e frágil Cécile diz ao enorme Walker o que Maomé nunca disse do toucinho, cospe-lhe na cara e diz-lhe que nunca mais o quer ver, e assim foi, claro que terá ajudado que o Walker tivesse sido deportado nesse mesmo dia para Nova Iorque, mais um que nunca dirá com ar nostálgico que teremos sempre Paris, o problema é que te falta conhecer a ciência da leitura das entrelinhas, o saber ler a expressão corporal das mulheres definitivas, enquanto inclinam a cabeça para trás, enquanto te dizem coisas com voz baixa e pausada, para que aprecies na sua plenitude a raiva exclusiva que te dedicam, enquanto os olhos chispam, há ali uma janela de oportunidade, assim a saibas usar, as mulheres que acham que pertencem à tribo das definitivas são como as que começam a conversa com um "vou ser muito breve" e depois ficam a dizer-te coisas durante o tempo que tu lhes queiras dedicar, há ali uma brecha que podes usar, em querendo saber eu faço-te saber tudo o que há para saber sobre mulheres definitivas.

Crónica de um dia anunciado

São sete da manhã e estou a correr na Castellana, disseram-me que correr é saudável e eu acredito que sim, pelo menos será mais saudável que ouvir os vizinhos do quarto do lado numa maratona sexual, parece-me que ele está a perder feio, gosto de descer do meu hotel, passar pelo Santiago Bernabéu e voltar para trás quando chego ao Prado, são oito da manhã e lá estou eu com a minha gravata verde, a dos dias de jogo, a manhã não corre bem nem mal, caramba, já passou um trimestre, fala-se do pedido de perdão do rei e do fiasco do Coentrão, não é disto que me apetecia falar mas lá digo que sim, que é como eles dizem, almoçamos no bar do aeroporto, dizem-me que há um restaurante que vale a pena conhecer, para os lados da praça de Santa Ana não percebo onde fica mas afirmo que sim, que havemos de lá ir, assino papéis e vou à minha vida, são três da tarde e estou em Lisboa, entregam-me mais papéis que tenho que ler antes da reunião que já começou, são seis da tarde e começo a impacientar-me, há aquilo do jogo, consigo chegar a horas, ao que é importante chego sempre a horas, a menina vestida de verde pergunta-me se tomo café, penso que é o sétimo do dia, não importa, que seja, bebo vinho durante a primeira parte, jantamos no intervalo e falamos de coisas que me dá igual que se passem assim ou de outra forma qualquer, acaba o intervalo e nós ainda a jantar, a vida é assim mesmo, afinal estou a trabalhar e faço de conta que não me importo, que prefiro jantar devagar a voltar lá para dentro, quando regressamos estamos a perder, faço de conta que não sabia, que não tinha visto pelo canto do olho a televisão que estava na sala de refeições, afinal ganhamos aquilo, levantamo-nos comedidamente a cada golo, apertamos as mãos no final, bom jogo, regresso a pé ao estacionamento, lá longe, venho devagar, ainda tenho tempo para me juntar aos que aplaudem os do Bilbao que saem do estádio para os autocarros, uma ovação em bom, sempre gostei de Bilbao, creio que é a cidade com as mulheres mais bonitas da Europa, apanho ar frio, gosto do ar frio da minha cidade, entro no carro, ouço Bach, sempre Bach até me fartar, um amigo liga-me, também está por ali, bebemos um gin tónico no Galeto, seguimos às nossas vidas, chego a casa, a cadela salta-me para os ombros e tenta lamber-me a cara, entro, está tudo em serena quietude, preparo a reunião das nove de amanhã, são quatro da manhã e a vida é boa.

19 abril 2012

Que estás a fazer neste momento, Pipoco?

Em Alvalade e contente.

(Tinha tantas ideias para um franchising #SeCompararesCom..., caramba...)

Enquanto espero pelo meu avião de regresso à minha cidade estou aqui a divertir-me com a imaginação do bom povo de Madrid, que está a descobrir que as tristezas desta vida afinal não são assim tão ruins, basta compará-las com o Coentrão, essa espécie de Emerson do Real Madrid.

O hastag #SiLoComparasComCoentrao já tem preciosidades como El tubo escape de mi Renault 21 echa poco humo (#SiLoComparasComCoentrao), La situación actual de España no es tan mala (#SiLoComparasComCoentrao), ou Mi abuela es una gran jugadora de fútbol(#SiLoComparasComCoentrao).

Também te quero dar uma palavrinha, Tio Pipoco

Tio Pipoco, a verdade verdadinha é que as coisas já não são como eram. Pode-se estar um ano sem cá vir e depois fazer de conta que nunca de cá saímos, isso pode. Mas não se pode estar à espera que ainda cá estejam todos à espera, Tio Pipoco, para te dizerem que sim senhores, que está aqui uma escrita que se pode lamber, de tão limpinha que é. As coisas mudaram, neste ano veio a troika e agora as pessoas não têm tempo para os futuros de sei lá o quê nem para vinhos caros nem para que raio estás tu a fazer neste momento, Tio Pipoco. As pessoas querem divertir-se, Tio Pipoco, querem ler coisas que lhes descansem a cabeça. E tu, com as tuas manias e a tua maneira de não dizeres as coisas à primeira, dás uma trabalheira e as pessoas chateiam-se (tu dirias que se aborrecem, Tio Pipoco), isto para além de tu já não teres paciência para a maçada que é isto dos blogs, que isto dá trabalho e ou se gosta disto ou se gosta de golfe e dos restaurantes de La Moraleja, as duas coisas ao mesmo tempo é que não pode ser, Tio Pipoco.

Estamos de acordo, Tio Pipoco, a casa é tua. Mas, acredita no que te digo, eu é que te vou safar disto em que te meteste, eu é que vou aguentar isto nos mínimos. E não me faças ultimatos, Tio Pipoco, se me irritas eu faço um blog só meu e tu acabas naquilo da maldição da irmã da mulher do Djaló ao tipo mauzão dos Ídolos e ainda acabas sentado a aplaudir-me de pé.

18 abril 2012

Não percas o teu tempo a tentar impressionar-me com números

Chega-te à minha beira, Ruben Patrick...

...chega-te mais, sou só o Tio Pipoco, não há que temer, podes servir-te do meu Old Bushmills do rótulo azul, não, não tenho gelo, sabes bem que nunca bebo com gelo, Ruben Patrick temos que falar a sério, abri-te as portas desta casa, sem mim não serias ninguém, terias que começar como os outros, a espalhar comentários nos do blogómetro, um dia de cada vez, terias que acumular com o facebook e pedinchar likes, talvez até tivesses que fazer um blog dos de detestar para que dessem pela tua presença, esperava de ti outro recato, mais parcimónia, respeito. Mas não, Ruben Patrick, tu chegas aqui e instalas-te como se a casa fosse tua, e não é, Ruben Patrick, aqui ainda há quem mande, não podes chegar aqui e fazer de conta que és eu, não podes escrever tudo num parágrafo. Diz-me, Ruben Patrick, como podes estar a fazer-me isto? A mim, que te tentei dar educação, a mim que te ensinei que o Mumm é mais adocicado que o Pommery. Estamos então entendidos, Ruben Patrick, espero de ti que não exacerbes o teu papel, eu falo dos vinhos e das viagens e da Economia e dos livros e das músicas, tu falas do resto, desse quase-nada que resta. Olha para mim, Ruben Patrick, estamos entendidos? Podes ir agora, não me faças ter que voltar a este tema. Vai em paz, não me peças desculpa, sei bem que não se repetirá, o Jeremias acompanha-te à porta.

Dupont & Dupond


Porque leio blogs?

Para aprender a defender-me de ataques de felinos minúsculos, para me emocionar com o que há de belo nisso de os leitores oferecerem coisas foleiras aos bloggers que apreciam, para me certificar que não é defeito da minha televisão aquilo da caixa torácica hiperdesenvolvida da Bárbara Guimarães, para me tranquilizar com o facto de a Brandoa lá continuar na linha do horizonte dos retratos das das roupas.

17 abril 2012

Ruben Patrick também quer falar sobre como funciona a cabeça dos homens (Capítulo segundo)

As relações de porta aberta (É bom ou mau chegar à fase em que já se pode fazer tudo na casa de banho de porta aberta?)

Esta é a questão, meus caros. Atentai no que vos digo, chegará o dia em que vos levantareis da cama, caminhareis periclitantes até à casa de banho, ainda meio ensonados e não fechareis a porta. Nesse dia aziago, não vos espanteis se, do lado de fora, boquiaberta, estiver ela, as lágrimas a escorrer-lhe pela cara, o corpo hiperventilando, toda ela tremuras, a voz a fraquejar-lhe. Não percebereis de imediato a dimensão do que vos está a acontecer e só quando ela gaguejar, apontando um tremelicante dedo indicador para a porta, dizendo "A p-p-p-por-ta. Dei-dei-dei-xaste apo-porta a-a-a-aberta!", realizareis que o fim dos tempos está próximo, o grande dia é chegado, o temível momento em que estais na casa de banho com a porta aberta. O vosso bisavô, e o bisavô dele antes dele, contavam-vos o momento lendário em que tal lhes tinha ocorrido, baixavam o tom de vós e segredavam-vos "E, meu rapaz, chegará o momento em que estarás na casa de banho de porta aberta" e interrompiam a conversa, comovidos, afastando-se num repente. E cá estais vós, o momento agora é vosso, não sabíeis que seria assim, há algo que está prestes a sair de vós, que está em suspenso e que vos desaconselha a levantar-vos e abraçá-la, um sexto sentido inibe-vos os movimentos bruscos. E agora, que me dizeis? É bom chegar a esta fase? Ou será mau? Ou, e aqui abro-vos mais um vector de ponderação, não é bom nem mau? Pensai nisso. Mas pensai nisso a sério, sou eu quem vo-lo aconselha. Depois dizei-me.

Ruben Patrick também quer falar sobre como funciona a cabeça dos homens (Capítulo primeiro)

O que é uma mulher boa na cama?
Se, diante de um pelotão de fuzilamento, me perguntassem o que é uma mulher boa na cama e fizessem depender da minha resposta o cessar-fogo, eu havia de sorrir e respirar fundo, pois, em verdade vos digo, sei o que há para saber sobre a temática.

A mulher boa na cama é que chega de cabelo arranjado, vestida com um baby-doll transparente, sedoso e acetinado, lábios ávidos de acção e, vendo-nos taciturnos e sorumbáticos, chega-se à nossa beira e, afagando-nos o cabelo, pergunta "Então, querido, é outra vez aquilo dos futuros do dólar a maçar-te?", ao que nós respondemos que o problema não é só esse, que o Nasdaq também não se comportou como esperávamos, e ela, do alto da sua infinita bondade na cama, diz que percebe perfeitamente, que não faz mal, que temos muita razão, enquanto nos adormece cantando o Tarzan Boy com aquela voz de Marilyn Monroe a sussurrar o Happy Birthday Mr. President.

A mulher boa na cama é aquela que, confrontada com aquela coisa ancestral do "já está", num assomo de ternura e, lá está, de bondade, nos diz que não faz mal, que está muito bem assim, enquanto guarda as algemas que não chegaram a ser usadas, ficando a velar por nós, nao perdendo pitada da magia da natureza que é o nosso adormecer.

Disclaimer: Esta post faz parte de uma série subordinada à reflexão sobre um conjunto de problemáticas fracturantes, longamente estudadas e dadas ao nosso conhecimento na forma de evangelho que reúne todos estes saberes por esse camarada da blogosfera que é O Arrumadinho, a quem daqui abraço fraternalmente, agradecendo a inspiração, a sabedoria e a partilha.

16 abril 2012

Ruben Patrick também quer falar sobre como funciona a cabeça dos homens

Aproveitando o generoso tempo de antena que o Tio Pipoco me proporcionou, sabe-se lá quanto tempo vai durar, conhecendo-o como conheço sei que não tardará o dia em que o Tio Pipoco se aborrecerá comigo a sério, também eu quero aqui dizer umas palavras sobre isso do funcionamento da cabeça dos homens.

Eu sozinho não conseguiria alinhavar as ideias, mas dá-se o caso de o Arrumadinho, que para mim é mais que um líder espiritual, ter tido um trabalho notável de sistematização e ter-me facilitado a vida. Inspirar-me-ei então neste incrível resumo de saber que o meu guru disponibilizou gratuitamente para nosso usufruto e darei o meu próprio contributo para uma análise mais aprofundada sobre a temática, certo que no final contribuirei para um mundo mais justo, mais fraterno e de maior profundidade científica.

Começarei amanhã, isto dando-se o caso de efectivamente me apetecer começar.

Ruben Patrick, meu rapaz, tu livra-te...

Mais do que os blogs que contam a vidinha toda, incluindo as coisas desagradáveis, agora chamam-nos de diários de bordo, mais do que os blogs da roupa com que saíram à rua na Bobadela, ou lá onde é que elas moram, na linha do horizonte, começam a aborrecer-me os das fotografias a preto e branco, um suave vislumbre de pictogramas retirados de filmes dos anos quarenta com uma pontinha de Doisneau, polvilhados de poemas, talvez Neruda, talvez Pessoa.

Post das oito

Podes ter lido os Maias e abominado com todas as tuas forças Dâmaso Salcede, podes ter lido Cem Anos de Solidão e ter-te deliciado com a magia de Melquíades, podes ter lido O Conde de Monte Cristo e saber como fugiu Edmond Dantés do Château d'If, podes ter lido O Jogador e não te lembrares se Ivánovitch sempre foi ter com Polina ou gastou tudo na roleta, mas, em verdade te digo, se não tiveres lido ainda O Filho de Mil Homens e não souberes quem é o Crisóstomo, não és ninguém nisto dos blogs.

15 abril 2012

Domingo de manhã

Puta que pariu, sei lá eu como ainda me meto nestas merdas, tanta coisa de valor para fazer num domingo de manhã e vai-se a ver, às tantas está um gajo metido no Estoril entre mais de mil mânfios vestidos de lycra e de camisolas técnicas, vinte quilómetros pela frente, a chover como se não houvesse amanhã, lá se deu a partida, nove e meia de domingo e eu aqui, tento concentrar-me no meu ritmo, mas estas gajas parece que estão aqui para me desinquietar, a elas os calções de lycra assentam bem, vou de boca aberta atrás de uma africana, uma preta, a bem dizer, meto conversa, que a podia ajudar a sincronizar o batimento cardíaco, ela a fazer-se de difícil, avanço, na subida do Mónaco já eu estava todo rebentado, e ainda faltavam seis quilómetros, o que me valeu foi a descida para a Cruz Quebrada, em chavalo gostava de ir para a Cruz Quebrada, ali a água era sempre mais quentinha, lá cheguei ainda a Belém, sprint final para ultrapassar uns caras de caralho que se arrastavam, lá se cortou a meta num tempo razoável, os rabetas do Cajó e do Carlão a queixarem-se que não sei quê, lá bebemos uma imperial para aconchegar o estômago, agora é andar para casa do Fábio, que faz anos e diz que a mãe fez uma cachupa de se lhe tirar o chapéu, puta da velha.

Domingo de manhã

E lá estava eu, na mais antiga prova de estrada em Portugal, um clássico, vinte quilómetros desde o Casino do Estoril e o CCB, dois sítios onde já fui feliz, mais no Casino do que no CCB, partida a meio da manhã, passo certinho, a esmorecer ali por alturas da subida da curva do Mónaco, outro sítio onde já fui feliz, a minha vida é isto, eu a puxar pela rapariga africana, a dar-lhe alento, é fantástico o que o desporto pode fazer pela massa muscular, a rapariga a dizer-me que ficava bem, que já lhe tinha dado alento para continuar, eu a estugar o passo, cabeça bem inclinada para trás, a visão da praia da Cruz Quebrada, ora cá está um lugar onde nunca fui feliz, Belém, a medalha da praxe, a conversa de circunstância que se tem nestas alturas, o Benevides de Sottomayor a queixar-se do joelho elástico que lhe falhou, o Meirelles de Athayde a justificar ter-se atrasado com uma dor ciática que não o largava e tudo a acabar em bem, num almoço de comida étnica em casa do Therriga de Benoliel.

14 abril 2012

Teaser

Se as coisas correrem como deverão correr, ainda esta noite aqui pranto um episódio da série Dupond & Dupont que são dois retratos, um com tipos vestidos de encarnado a correr atrás de uma bola e outro com o Baremboim a dirigir um Requiem.

Gil Vicente desde pequenino

Um homem cresce a acreditar na máxima que nos informa que as boas meninas vão para o céu e as más vão para todo o lado, um homem habitua-se a que assim será, sem questionar, já no tempo dos seus antepassados assim era, porque havemos de mudar as coisas que são como são?, depois um homem depara-se com a situação de encontrar uma má menina que, não só vai para todo o lado, e aqui não há que espantar, é da natureza das más meninas, como tem tudo o que é necessário para ir para o céu. Ora isto é uma maçada, um homem fica a matutar nisto tudo e fica a pensar que se calhar as meninas boas não vão a sítio nenhum.

13 abril 2012

Tomarei conta de ti

Nunca tivemos Paris, o mais que tivemos foi Mem Martins, lembras-te do motel?, aquele era o tempo em que me dizias que o meu cabelo era igual ao do Toto Cutugno e eu cantava-te o Insieme, até ganhou o festival da canção, Insieme, um dia expliquei-te que Insieme quer dizer Juntos e tu fizeste um sorriso do tamanho do mundo, era o nosso segredo, havemos de casar ao som do Insieme, só um pianista a tocar o Insieme para nós, como fazia o Tom Waits a cantar o You Can Never Hold Back Spring no La Tigre e La Nieve quando a Nicoletta Braschi e o Roberto Benigni entravam, para nós será um pianista a cantar o Insieme e um acompanhamento de homens vestidos como o Toto Cutugno a estalar os dedos para marcar o compasso, eu irei vestido de fato branco e t-shirt branca e sapatos brancos, para que havemos de nos ralar por nunca termos tido Paris se nos temos um ao outro?

Toma conta de mim

Nunca me dirás que teremos sempre Paris, entendo-te, afinal nunca tivemos realmente Paris, naquele tempo eu achava que pedir Chianti no Cafe de la Paix te deslumbraria, que queres? achei que o revestimento de palhinha da garrafa daria um toque romântico, fizeste bem em recusar o vinho, naquele tempo eu pensava que o Lido seria um bom programa para abertura da noite, como havia de saber que esperavas bilhetes para a ópera? aquele era o tempo em que eu não sabia que não gostavas de champanhe, e eu a insistir em fazer sinal para o empregado para nos servir mais duas taças, nunca me dirás que teremos sempre Paris e a mim parece-me muito bem.

Thanks, Boss

Tenho saudades do tempo em que dizíamos "yes, é sexta-feira" e não "é sexta-feira, yeah".

12 abril 2012

Ruben Patrick também fala de elevadores

Assobia alto, de preferência música italiana, talvez Eros Ramazotti, elas enlouquecem com tudo o que seja italiano, entra no elevador, um passo de dança na entrada, qualquer coisa que te dê um toque tchan, ignora os olhares meio enojados da loura copa dê, talvez não tenha nada a ver contigo, vais ver que aquilo são cólicas, fixa-te no decote, ignora o facto de ela estar a ajeitar o casaco e a cortar-te o ângulo de visão, aquilo são tremuras, yeah, afinal de contas Ruben Patrick is in the house, passa a língua pelos lábios enquanto olhas para a loura através do espelho, isso, lentamente, ela já tinha carregado no oito mas agora carrega no quatro e sai, continua a assobiar, antes isso que ser bichanão.

Pipoco também fala de elevadores

Há um protocolo do elevador, perguntem a quem quiserem e todos vos dirão no que consiste exactamente o protocolo do elevador, entra-se em silêncio, se alguém tentar entrar quando as portas já se estão a fechar é fazer aquele gesto de simular passar a mão entre as portas para bloquear o fecho, suficientemente afastado da célula de forma a não parar o processo, quem fica de fora agradece o nosso esforço em vão, nós ficamos com os níveis de autoconfiança restabelecidos, afinal chegaremos lá acima primeiro que o outro, aquele a quem fingimos dar uma oportunidade de chegar ao mesmo tempo que nós mas afinal não, é afinal a história da nossa vida , colocam-se os óculos de ver ao perto para fingir procurar qualquer coisa no telemóvel, é uma boa forma de evitar estabelecer contacto visual directo com que aqueles que lá estão, bem basta saber que partilhamos tão exíguo espaço sabe-se lá com quem, é contar os segundos que faltam para o fim do martírio, suster a respiração, dar prioridade às senhoras na saída, em cumprindo o protocolo do elevador tal como ele é não caímos nessa tentação de rebeldia que é a opção por preferências sexuais alternativas.

11 abril 2012

Porque leio blogs?

Para saber que temperatura está em Leiden, que livros se leram esta semana em casa dos Silva, para me inteirar do estado de saúde da pequena Mada, para ver fotografias de pequenos almoços, para ser aconselhado sobre isso das relações e, está bem de ver, para saber que tal vão as coisas com o Grande Amor.

Post das oito

O José António Saraiva é assim uma espécie de mescla de Margarida Rebelo Pinto com Jorge Jesus, a missão deles no mundo é dar à rapaziada dos blogs motivo de conversa por um par de dias.

10 abril 2012

Post em tempo real

Rir a sério, mas mesmo a sério, de rebolar pelo chão agarrado à barriga, até quase faltar o ar é fazer zapping entre o "Prova Oral" na Antena 3, onde está o Arrumadinho a falar de relações entre homens e mulheres e o "Grandes Adeptos" na Antena 1, onde está o Sílvio Cervan a analisar o jogo de ontem do Benfica.

Ruben Patrick

Posso ter que ouvir as tuas óperas intermináveis com um sorriso apreciador, admito perder tempo a tomar nota mental de quem se deve sentar à minha direita nos almoços de domingo, concebo dizer que o carro é encarnado quando se vê a léguas que é vermelho, estou pronto a admitir que o Pêra Manca é muitíssimo melhor que o Duas Quintas só porque custa dez vezes mais, mas, Tio Pipoco, não me voltes a perguntar em frente aos meus amigos o que achei do Minuet de Bach.

Olá, eu sou o Ruben Patrick, bom dia.

Tio Pipoco, lá no fundo sei que me vês como o Wilson, a bola de vólei que fazia companhia ao Tom Hanks, no Cast Away, sei que esperas de mim uma companhia silenciosa, que fique aqui sossegadinho ouvindo-te falar dos teus gin's tónicos, dos teus whiskys velhos e das tuas certezas sobre as coisas da vida, sempre acenando com a cabeça, em serena concordância.

Talvez te enganes, Tio Pipoco. Talvez te enganes...

09 abril 2012

Daqui onde me encontro...

...observo os indivíduos vestidos de vermelho emparedados entre a polícia de choque, quase duas horas antes do jogo, gritando que os tripeiros não sei quê e Pinto da Costa e tal, são umas centenas, bandeiras ao alto, esperançosos.

Seguro o meu gin tónico de fim de tarde, afinal tenho tempo, o meu lugar no estádio é o do costume, só conto demorar um par de minutos no acesso ao piso menos dois, e sorrio enquanto penso que o estado de espírito desta rapaziada há-de ser diferente daqui a quatro horas, quando regressarem acabrunhados, talvez se mantenha aquilo de dizerem que os tripeiros não sei quê e Pinto da Costa e tal.

O meu objectivo maior...

...sempre foi que o Pipoco fosse um blog colectivo, não há coisa pior que escrever sozinho durante semanas a fio, a solidão e a falta de contraditório quase se tornaram insuportáveis, um blog colectivo é uma coisa boa, isto em não sendo um blog de mulheres, se a coisa for um blog de mulheres, elas ao fim de duas semanas têm tendência a aborrecer-se umas com as outras, mais duas semanas e a coisa cai com estrondo.

Ao longo deste tempo Pipoqueano pedi, implorei a meia blogosfera que aceitasse escrever aqui no Pipoco, que me fizesse companhia, que me tornasse menos penosos os muitos dias em que não tenho nada de relevante para dizer, que são quase todos. Em vão, as escusas foram-se sucedendo, ninguém aceitou escrever no mesmo blog que eu.

Estendo pois o tapete encarnado ao Ruben Patrick, um fiel seguidor dos meus ensinamentos, um doidivanas que não sabe diferenciar um Barca velha de 66 de outro de 62, mas, ainda assim, um bom rapaz que, em continuando a seguir a minha palavra, talvez tenha préstimo.

Peço-vos complacência, o Ruben Patrick diz palavrões e limpa os beiços às costas da mão depois de beber cerveja pela lata, tem pouco filtro no que escreve, é um rúsutico sem emenda. Felizmente posso desembaraçar-me dele quando me apetecer, as coisas continuam a ser como são.

E agora isto é um blog colectivo

08 abril 2012

Tradicões

E assim se passaram as Páscoas, eu arrepiando-me com a Paixão Segundo São Mateus, de Bach, o Ruben Patrick rebolando-se de riso enquanto assistia pela enésima vez à Vida de Brian, dos Monty Python.

(convergimos no Dona Ermelinda a acompanhar o cabrito assado em forno de lenha, o que é um sinal de que o rapaz tem margem de progressão)

05 abril 2012

Empate técnico

Há ali uma cena nos "Intocáveis", quando o Kevin Costner espera pelo contabilista de Al Capone no cimo da escadaria da estação de comboios e vê a mulher com o carrinho de bebé a tentar subir, o dilema, sair do posto de vigia e ir ajudar a senhora a subir com o carrinho de bebé ou ficar no seu posto e angustiar-se com o esforço da senhora a subir devagar, primeiro as malas, depois o carrinho, um lance de escadas de cada vez, essa cena, dizia eu, estou a vivê-la numa coisa cá minha, fazer o que tem que ser feito ou ajudar a senhora a desembaraçar-se com a elegância possível dos trabalhos em que se meteu.

Dupont & Dupond


Gravata verde

Hoje vim com a gravata verde, os dias de gravata verde costumam ser dias bons, retenho na memória que são dias em que janto com os amigos e bebo cerveja fria, enquanto discutimos se o Schaars deve jogar mais descaído no apoio ao jogador na posição nove ou se deve ajudar os centrais, é por isso que eu acho que consigo sobreviver a este dia em que tenho pela frente a loura baixinha, que fala com voz quase sussurrada, veste saia-casaco de corte irrepreensível, óculos de massa preta, uns Prada, quando a vi pela primeira vez fiquei com os sentidos em alerta vermelho, sei o suficiente da vida para me lembrar que as de voz grossa, as agressivas, as matulonas de rabo de cavalo, as que entram a matar, são as que acabam por concordar com o que lhes digo, em meia hora apertamos as mãos, eu a olhá-las nos olhos, elas a olhar para o chão, alguém tem que perder o jogo, as coisas são como são, mas com estas, as louras de voz sussurrada e de olhar doce, a vida não me é tão fácil, preparam melhor o trabalho de casa, desencantam artigos e leis e benchmarking e forwards e eu, que sou eu, quase nunca ganho, e quando ganho é porque aguento as horas que forem precisas, descanso o cérebro enquanto faço uma manobra de diversão que ela esmiuçará, que a desgastará, é por isso que estes nestes dias de confronto com louras de voz doce me convém que sejam dias de gravata verde, por mais que me corra mal a coisa, basta-me olhar para a gravata verde, é o sinal que, aconteça o que acontecer durante o dia, a noite será de alegrias.

04 abril 2012

Dupond & Dupont



Dupond & Dupont

As coisas são como são

Eu, que sei que "O Processo" de Kafka se deve ler com o "Bolero" de Ravel, que sei que "A Tia Júlia e o Escrevedor" de Vargas Llosa (sei, Peruano...) se deve ler com Julio Sosa, que sei que o "Vol de Nuit" do Saint-Exupéry se deve ler com Wagner, que sei que Saramago se deve ler com Bernardo Sassetti, que imagino que Rodrigues dos Santos se deva ler com Toy, não faço ideia que banda sonora escolher para acompanhar este "Ulysses" que continua a atormentar-me.

03 abril 2012

Ruben Patrick

Ruben Patrick, ela pode ser a Bela ou o Monstro, depende de ti, é escolher entre pedir a conta dividida (ela comeu pão, não foi?) ou passar discretamente o cartão ao empregado, é escolher entre mostrar-lhe como és versado na equipa provável do Metalist ou ouvi-la atentamente (esta parte do "atentamente" é crucial) enquanto ela te descreve a colecção de Primavera da Thierry Mugler, é escolher entre beber cerveja de marca branca pela lata ou servir-lhe um tinto alentejano decantado, é escolher entre levá-la a jantar a Talavera de la Reina ou a Toledo, é escolher entre esperar (do lado de fora e acenando-lhe, sorridente) que ela transponha a porta de casa depois de uma noite bem passada no Lux ou perguntar-lhe se não quer ir a tua casa, é escolher entre não perder pitada do Estado de Graça ou derrotá-la num jogo de xadrez.

É escolher, Ruben Patrick, só depende de ti.

A publicidade encapotada vai matar os blogs, como as pipocas estão a matar o cinema

Meus caros promotores de eventos, digníssimos oferecedores de coisas, rapaziada que convida para estar em sítios onde se apresentam situações, sentai-vos um pouco e atentai no que o Tio Pipoco vos quer dizer, é muito simples, entende-se à primeira, acontece que eu não quero estar onde não me apetece estar, não quero ir a provas de bebidas e escrever sobre isso, não quero comer gelados de marcas que não aprecio, não quero telemóveis que não uso nem cremes para a barba que não sejam os que compro no free-shop de Barajas, não quero escrever coisas para livros nem quero ser entrevistado, em se sendo entrevistado tem-se que sorrir e eu acho que isso de sorrir me tira metade do carisma, não quero ofertas para distribuir no aniversário do blog, até porque aniversário de blog é coisa que nunca acontece por aqui, não quero ter que fotografar maus chocolates em sítios improváveis.

Acontece, meus caros, que este é um blog que serve para eu me divertir, distrair-me do peso que o mundo me coloca sobre os ombros, serve para colocar umas poucas de letras no meu divertidíssimo mundo de números, serve para irritar pessoas, incluindo eu próprio, serve para desabafar quando o Sporting perde.

Por mim, quero escrever que o Veuve Clicquot é um champanhe que não envergonha ninguém e acreditar realmente nisso, quero que os poucos que por aqui passam acreditem realmente que se eu digo que o Petrus, mais precisamente Château La Fleur de 2008, é um néctar que se deve degustar pelo menos uma vez na vida, é porque assim é.

Ide em paz.

(naturalmente, rapaziada da Aston Martin, do Old Bushmills, da Rossignol e da Omega, estas linhas não se aplicam a vós, venha de lá esse abraço...)

02 abril 2012

Invisível

Escolher um livro para levar para a semana branca é dos momentos mais determinantes da vida de um homem, é bem verdade que, em correndo bem a coisa, o livro nem sequer será aberto, o tempo do aprés-ski será utilizado na dissecação dos tempos cronometrados na Àliga, em longas maratonas densas e dramáticas no bar do hotel, homens com os seus charutos acesos e whiskies velhos repousando tranquilos no copo de boca larga, debatendo com vigor especificidade da coisa, aconselhando-os eu a substituírem os Beatles e Pink Floyd pela Cavalgada das Valquírias, um velho truque que me faz ganhar preciosos segundos na abordagem à pista e que evita perder velocidade de ponta com paralelismos desnecessários.

Mas, se nas boas semanas brancas a escolha do livro é acessória, nas más semanas, naquelas em que, por alinhamento astral, somos projectados contra a neve dura e alguém de bata branca e estetoscópio dependurado torce o nariz e nos recomenda repouso, o livro que se leva é absolutamente fundamental para mostrar quem somos, o livro que lemos na esplanada das pistas é o primeiro foco de interesse das que simularam lesões para escaparem à inclemência das pistas ou das que, pura e simplesmente, extremam a sua incompetência nas artes de esquiar ao ponto de ser o jovem rapagão a sugerir que ela fique ali pela esplanada, que ele voltará no fim do dia, pelo pôr-do-sol.

Sem livro, sou só um homem com barba de três dias e com a pele cheia de sol, o casaco de esqui desapertado, degustando um chá na esplanada das pistas. Mas o livro, o livro, senhores, desperta-lhes o interesse, primeiro só nos querem na visão periférica, depois há um tempo em que a curiosidade fala mais alto e focam-se no que estamos a ler, se a coisa for demasiado ligeira, por exemplo um Saramago, elas fazem um esgar de superioridade intelectual e não nos dedicam nem mais um segundo dos seus favores, em sendo a coisa mais densa, um Roth, acham-nos demasiado sublimes e retraem-se, dando como certa a nossa superioridade intelectual. Os russos costumam ser uma boa aposta, uma escrita densa quanto baste e um je ne sais quoi de fruto proibido, mas fatal, mesmo fatal é Paul Auster, um suave toque de Nova Iorque, requinte quanto baste, personagens a fazer lembrar vagabundos do amor, rebeldes sem causa, um homem que lê Paul Auster nas pistas impressiona-as definitivamente.

Bilf

Chega um homem da sua semana branca, uma semana inteira a espalhar a fragância do Davidoff Cool Water pela alta montanha, o requinte de deslizar velozmente com Bach nos ouvidos, a neve que lhe bate na face, a elegância das pistas negras descidas a direito, com uma eventual paragem para levantar garbosamente uma jovem caída em pista, os agradecimentos da jovem, confidenciando a sua imprudência por ter arriscado uma pista só ao alcance dos eleitos, um homem conforta-a e ajuda-a a descer, as mãos trémulas de emoção da jovem apoiadas nos ombros fortes e viris do seu salvador, aquele que lhe recolhe os esquis perdidos com um suave movimento de mão, as amigas da jovem que aguardam no fim da pista, antevendo o pior, rebentando num pranto sentido ao saber a amiga sã e salva, cantando hossanas e cânticos de louvor por tal milagre, um homem faz-lhes uma ligeira vénia e segue para mais um encontro com o perigo, dissipa-se na neve que não pára de cair, pressente-lhes os suspiros de gratidão e a líbido em valores máximos, um homem sorri por ter feito o bem e sabe que merece o seu cognac, bebido tranquilamente num bar decorado com fotos de lendas alpinas, homens de bigodes grossos em retratos a preto e branco, um homem sente-as suspirar à sua entrada, cumprimenta-as com um aceno de cabeça, sem palavras, um homem sabe que elas preferem os de palavras parcas, um homem regressa finalmente ao seu país, adivinhando a recepção no aeroporto, Pólo Norte à frente, orgulhosa por entregar o BILF 2012 a uma lenda viva do BILFismo, alguém que acabou de espalhar BILFagem pelo coração da Europa, Tolan, o digno vencedor do ano transacto acolitando Pólo Norte, um sorriso abnegado, a satisfação por poder finalmente cumprimentar uma referência, um homem fazendo-se humilde, depois de tantos prémios maiores a consagrá-lo e ei-lo regressado à sua pátria para aceitar este prémio singelo, que representa apenas uma linha na sua epopeia de setecentas BILFantes páginas de glória, o aeroporto deserto, um homem sorri, afinal nem sequer foi nomeado este ano, os mitos nascem assim, um homem percebe que as eleitoras intuíram que as verdadeiras lendas não são sufragáveis, a sua grandeza etérea é intocável, um homem cofia a sua barba grisalha e pensa que, sim senhores, as mulheres são seres tocados pela mão da sabedoria.

01 abril 2012