20 fevereiro 2019

O melhor café somos nós e as nossas circunstâncias


A estrada mais longa

“Everything under control, Sir”, dizia-me Mohid, o motorista que me transportou por estes dias, a cada vez que compensava com um guinar de volante a derrapagem do eixo traseiro, sorrindo-me através da imitação dos Ray Ban modelo Aviator, uma velha irritação minha, eu a achar que a condução teria que ver com o semi incidente diplomático, quando confundi a música com que Mohid me brindou desde o primeiro instante, chamando-lhe música indiana quando afinal era coisa superior, tratava-se de música do Ladakh, só recuperando algum respeito de Mohid após gabar com veemência particularidades do Ladakh que me foram ocorrendo.

Everything under control, Sir. E eu a ver que não...


18 fevereiro 2019

Subiremos montanhas suaves...

O mal das altitudes, conforme as escrituras, atrasa-me o passo e faz-me parar amiúde nas subidas a caminho dos sítios sagrados, que são sempre muito lá em cima, o meu estômago, durante muitos lustres tratado com carinho a trufas, champanhe do bom e carpaccio de salmão selvagem, está agora num ronronar constante, digerindo as idiossincrasias da cozinha tibetana, pouco dada a finuras, não poupando nos condimentos, as minhas orelhas, enregeladas pelas temperaturas com dois dígitos antecedidos do sinal menos, parecem querer separar-se do meu corpo, os meus músculos, castigados por uma semana de ordens de “spine straight, Sir!” e “knees straight, Sir!” ameaçam rebelar-se.

Se eu não estava melhor no Museé d’ Orsay, senhores...

15 fevereiro 2019

Sobrevivendo

Ao terceiro dia de Índia, identificado o sítio que serve um café expresso bastante razoável e habituado o corpo às agruras do ioga e o estômago à ideia de nem sempre ser possível Don Avilez nos salvar, a coisa começa a fluir, o sânscrito, essa língua mágica que não nomeia objectos mas características, de repente faz sentido, e até os mantras, desde que me explicaram que podem ser comparados a fórmulas que tudo sistematizam, merecem a minha simpatia.

Em calhando, sou capaz de gostar da coisa.

12 fevereiro 2019

Já que cá estamos

O problema da Índia é que as diferenças chegam todas ao mesmo tempo, tivéssemos nós um par de dias para nos habituarmos ao trânsito, as primeiras horas serviriam para esquecer todas as regras, a seguir o nosso ouvido havia de interiorizar a necessidade das buzinas, finalmente chegaria a hora de não nos espantamos com o milagre de não morrer ninguém, os dias seguintes haviam de servir para nos habituarmos aos cheiros, o cheiro a especiarias misturado com o do lixo em decomposição, o cheiro do incenso misturado com o do suor, mais uns dias e havíamos de nos habituar aos labirintos das ruas, à intocabilidade das vacas, aos saris e aos homens sagrados.

Mas não, a Índia atropela-nos, surge toda de uma vez, imparável, sem nos dar tempo para nos habituarmos, resta-nos recalibrar as nossas certezas, redesenhar as nossas prioridades e amaldiçoar o dia em que decidimos ser viajantes em vez de turistas.

Entretanto, na Índia profunda...

O homem com cara de Ricardo Araújo Pereira, embora mais baixo e com pior inglês, disserta longamente, olhar fixo no horizonte, sobre a importância do estar aqui, de nos focarmos no agora, convidando-me a centrar-me nas idiossincrasias da respiração.

Eu, com o meu melhor ar de aluno focado, imagino-me a descer uma pista preta na Áustria, que é onde eu devia estar agora.

03 fevereiro 2019

Pipoco também fala sobre A Rede

E aquela rapaziada que detesta quem não conhece, que se transtorna com as tropelias daquele com quem nunca trocou uma palavra, que perde tempo a aborrecer quem nunca viu, não serão um caso um nadinha parecido com o tal tipo que se apaixonou, ou lá o que foi aquilo?