31 agosto 2014

Sim, cheguei a tempo...

O que vês da tua janela, Pipoco?

Crónicas da viagem grande (VI)

Vamos ser claros: a comida do Peter é má, a esplanada clama por limpeza e as outrora lendárias tostas mistas são iguais às de um snack-bar do Cacém.

Mas o gin tónico, senhores...

(sem sementinhas, sem fruta a boiar, sem cores estranhas. Apenas gin, água tónica na medida certa e uma rodela de limão. Como mandam as regras)

29 agosto 2014

Crónicas da viagem grande (V)

Descendo a serra do Topo a partir do exacto ponto em que olhamos para a esquerda e damos com o mar no norte da ilha e olhamos para a direita e admiramos o mar que banha o lado sul, passados cinco quilómetros, chegamos à Fajã da caldeira do Santo Cristo. Boiando na água tremendamente salgada, virado para a montanha, transformo-me, sem me dar conta, numa pessoa melhor. Penso naqueles a quem devo explicações, decido ligar aos que não vejo há muito, afigura-se-me que só fazendo o bem poderei ser feliz.

Mais tarde, já depois de ter nadado na Fajã dos Cubres, quinze quilómetros calcorreados, ofegando com a subida de seiscentos metros de declive em menos de duas horas de caminho, concluindo da pior forma que talvez fosse avisado não ter decidido por tamanha empreitada duas semanas após a fisioterapia, o efeito Santo Cristo esvai-se e reconheço-me de volta à boa vida real.

Crónicas da viagem grande (IV)

Talvez o senhor Nunes tenha apreciado eu ter declinando o pacote de açúcar quando me serviu do seu café, talvez tenha percebido que me apetecia conversa, talvez tenha apetecido conversa ao senhor Nunes, a verdade é que o senhor Nunes, que tem estabelecimento aberto na Fajã dos Vimes, passando da Calheta é ir na direcção do mar com vista para o Pico, o senhor Nunes, dizia eu, fechou a café Nunes só para me mostrar os arbustos de café nas traseiras do estabelecimento e explicar como consegue produzir o seu próprio café, que me soube como um dos melhores cafés que já bebi, bem sei que talvez tenha sido da conversa e de ter visto com os meus olhos todo o processo. Talvez no próximo ano o senhor Nunes tenha café para vender a quem o queira beber fora da Fajã dos Vimes, assim cresçam os pés de cafeeiro plantados no ano passado.

(A quem possa interessar: o senhor Nunes não emprega mulheres. Nem homens. E também não escreve em blogs.)

Que vês da tua janela. Pipoco?

28 agosto 2014

Crónicas da viagem grande (III)

Ainda antes, muito antes, de me mostrar como fazem o melhor atum do mundo, o homem da fábrica de Santa Catarina explica-me que a função maior, o que mais o orgulha, é dar trabalho a mais de cem mulheres da ilha. Cem mulheres que levam dinheiro certo para casa, cem famílias onde o dinheiro que entra todos os meses é o delas, o deles entrará ou não, cem famílias onde são elas que decidem as prioridades. O atum é excelente, a nova imagem é cuidada, as exportações lá vão no bom caminho. Mas aquele homem, antes de tudo, orgulha-se de dar trabalho a cem mulheres e isto vale infinitamente mais e é infinitamente mais eficaz que cem feministas a reclamar dos piropos e a proclamar que não sei quê.

27 agosto 2014

Crónicas da viagem grande (II)

Enquanto conduzo pela estrada da hortênsias que me traz do mergulho no Atlântico que há em Topo, onde acaba a ilha, rádio sintonizado em Mahler, a velocidade de um velho Nissan a não ultrapassar sessenta, braço de fora, cabeça limpa de coisas que poderiam aborrecer-me, penso que a felicidade é bem capaz de ser isto.

(sei o suficiente sobre mim para me lembrar que lá para Dezembro, esquis nos pés, estarei a pensar a mesma coisa)

23 agosto 2014

Crónicas da viagem grande (I)

Jonas, o gato da fábrica de óleo de baleia, sabe que domina. Recebe os visitantes na bilheteira e não há quem não queira afagar o pelo preto e lustroso de Jonas, o gato, que se esquiva, elegante, sem ser desagradável para os visitantes. Talvez eu tenha sido o primeiro dos visitantes da velha fábrica de óleo de baleia a ignorar Jonas, o gato preto. Talvez Jonas tenha intuído a minha preferência por cães grandes, talvez Jonas tenha pressentido que eu estava ali pelas velhas autoclaves e pelas caldeiras. Jonas, o gato da fábrica de óleo de baleia não gostou que eu não o tivesse notado e seguiu-me até ao café, enroscou-se nas minhas pernas, decidiu-se por subir para o  meu colo, implorando o afago queaté então não me tinha apetecido dar-lhe.

Jonas, o gato da fábrica de óleo de baleia, tal e qual algumas mulheres com quem me fui cruzando.

19 agosto 2014

Crónicas do interior (IV)

Fascina-me a quantidade de tonterias que quatro homens conseguem dizer, sempre em crescendo, numa relação perfeita com a quantidade de minis que estão em cima da mesa, mulheres e carros, esses eternos temas de conversa de homens, fascina-me que nenhum ouse desmentir o parceiro, se um conta as aventuras com cinco mulheres na última semana, logo há quem conte que nos velhos tempos nunca se contentava com menos de sete, e conta com pormenores, pedindo confirmação a um terceiro, "lembras-te Acácio? Na praia da Tocha?", e o Acácio confirma que sim, aquilo é que eram tempos, mais à frente há-de o Acácio precisar de validação para os duzentos e cinquenta à hora que o AX Sport deu na descida da serra de Aire, e o Fernando, o das sete mulheres, confirmará que sim,
duzentos e cinquenta e era porque o mostrador não apontava mais, fascina-me este "temos que ser uns para os outros", e ninguém fica mal na fotografia, não se deixa ninguém para trás, fascina-me que sejam estas pequenas coisas que de facto nos distingam das mulheres e das suas alianças tácitas e tão bem medidas.

18 agosto 2014

Crónicas do interior (III)

E fascinam-me ainda os que chegam de Lisboa, todo o ano sem dispensar a camisa branca e os botões de punho, todo o ano escanhoados e perfumados com Bulgari de aeroporto, todo o ano com a fiel secretária a segredar-lhes o essencial da reunião que vai ter a seguir, fascina-me vê-los agora com barba de três dias mal cuidada, o fato Boss trocado pelo pólo Timberland de um cor de rosa que os desconforta, fascina-me vê-los levar tareias dos da terra a jogar matrecos, com o ar imbecil de quem acha justo os da terra jogarem melhor matrecos por contraponto de eles jogarem melhor na Bolsa, fascina-me a dificuldade com que se equilibram numas sandálias Havaianas, os pés a clamar por sapatos pretos que os protejam das pedras do caminho, fascinam-me os livros tontos que lhes aconselharam para leitura de férias que substituem os relatórios e contas e que eles deixam na toalha com a capa para baixo, não vá um igual estar por aquelas paragens e vislumbrar tão fraco livro, fascina-me o Record lido de trás para a frente, tal e qual o Diário Económico. Hei-de cruzar-me com eles algures em Setembro, em frente ao meu espelho.

17 agosto 2014

Crónicas do interior (II)

Fascinam-me os emigrantes e as suas mulheres louras com sobrancelhas pretas, os seus filhos que se chamam Patrick e os seus carros com o símbolo da Federação da bola cravado no capot, fascinam-me as cervejas pagas com sobranceria aos da terra e as camisas com padrão exuberante, fascinam-me os fios de ouro e a necessidade de falar alto, fascina-me que consigam andar na faixa central da autoestrada durante tanto tempo e a forma como se riem de um café só custar um euro nas estações de serviço.

Crónicas do interior (I)

15 agosto 2014

Definitivamente vou inscrever-me na formação do meu caro Arrumadinho

Escrevo cá fora, de manhã, na mesa que tenho debaixo do sobreiro grande. Dou conta que não me sentava aqui há algum tempo, há demasiado tempo, é um desperdício muito grande ter uma mesa debaixo de um sobreiro grande e não lhe dar uso, ocupado que estou a dizer coisas ao telefone e a dizer se os gráficos de coisas que vão acontecer daqui a três anos estão bem assim ou têm que estar de outra maneira.

 É uma das minhas decisões para o ano novo, sentar-me mais vezes debaixo do sobreiro grande, deixar que Ulisses, o cão, me lamba os pés descalços e deixar-me estar aqui, a ser um tipo que só está à sombra de um sobreiro, manhã cedo, com um cão ao lado.

13 agosto 2014

Há quinze sobrinhos no meu sótão e está tudo bem

Nas trocas de saberes de ontem à noite, os meus sobrinhos mostraram-me as palestras de Gustavo Santos em geral e aquela que se chama "Quanto tempo esperarias pelo amor da tua vida?", em particular. "O tio vai gostar disto", riam eles, acotovelando-se para ver quem mostrava primeiro o vídeo.

Demorei algum tempo a acreditar que aquilo fosse mesmo a sério. Estou siderado, ainda agora.

(Gustavo Santos vota e o seu voto vale tanto como o meu. E isso aflige-me.)

12 agosto 2014

E está tudo muito bem

Todos os anos, por esta época, desaguam quinze sobrinhos no meu sótão. Chegam de todas as partes do mundo, os pais trazem-nos até cá e saem com um sorriso nos beiços, acreditam sempre que me arrependerei, que clamarei por ajuda a meio da semana. Dez anos de semana dos primos, os mais velhos já bebem do meu vinho ao jantar, os mais novos, em silêncio, escutam as conversas filosóficas que se estendem pela noite dentro, até adormecerem, cansados de bicicletas e canoas e jogos de vólei. À noite, no sótão, folheiam os meus livros até escolherem o que lhes apetece e eu fico ali embevecido a pensar que tenho sorte em ter quinze sobrinhos no meu sótão a ler os meus livros.

Carpe diem, seize the day boys, make your lives extraordinary.

Bem sei que são só filmes, mas os filmes também nos podem inspirar e fazer de nós pessoas diferentes, podemos ser o primeiro a acordar depois de uma noite demasiado curta e largar um "Gooooooood Moooooooorning, Vietnam!" a dez centímetros do ouvido de quem está ao nosso lado, na mesma gama de decibéis com que se deve ouvir a "Cavalgada das Valquírias", e gozar o efeito, podemos saltar para cima de mesas bem envernizadas e rasgar relatórios carregadinhos de gráficos que não dizem coisa nenhuma e legendas com palavras em inglês, podemos ser aquele que, no meio das más notícias, consegue ver uma nesga de coisa sem sentido e contagiar de riso os restantes e isso não fazer mal, o riso nunca faz mal nem nos diminui.

Os grandes actores fazem-nos bem e perder os melhores demasiado cedo não é boa coisa.

11 agosto 2014

Das viagens e outras histórias

A essência da viagem é mudar-nos a referência, trocar-nos as certezas e os caminhos que sabemos. Quando viajamos ficamos mais despertos, volta-nos o instinto de sobrevivência, a mente fica alerta, aprendemos cheiros novos e pessoas que não são as mesmas de sempre.

Há quem marque o seu novo ano a partir de um de Janeiro, há quem o faça com a passagem do aniversário. Para mim o novo ano começa com a viagem grande.

08 agosto 2014

E agora?

Quem te chamará "baby", quem te levará a passear na Fonte da Telha ao fim da tarde, quem te dará amorosas palmadas nas nádegas quando o Sporpting marcar um golo, quem te fará "like" no Facebook quando postas fotografias de cães bebés, quem te levará ao Starbucks em dias especiais, quem te levará ao concerto dos Azeitonas, quem te dará o ombro para chorares quando o Di Caprio morrer no Titanic, quem te explicará a diferença entre o Top Gun e o Cocktail, quem te aconselhará se te fica melhor a tatuagem do golfinho ou a do caractere chinês?

E agora?

Quem te abrirá os frascos de flor de sal, quem conduzirá depois de jantar quando ainda falta uma hora de estrada, quem te dirá sem ajuda qual é a capital do Burkina Faso, quem escolherá o vinho certo, quem te levará o pequeno almoço à cama nos sábados de manhã, quem te oferecerá livros de autores que não sabias que gostavas, quem te explicará as diferenças entre Touriga nacional e Trincadeira, quem te fará má cara quando pedires sangria ao jantar, quem te levará ao colo para a cama depois de adormeces a ver cinema francês, quem te contará anedotas tão más que são boas, quem abrirá o portão quando estiver a chover?

07 agosto 2014

Madrid é a melhor cidade do mundo para trabalhar...

...desde que a última reunião termine às cinco da tarde, às cinco e um quarto se esteja no hotel para tomar um  bom banho e trocar de roupa e às cinco e meia já se esteja numa esplanada, com uma caña fresquinha diante de nós e um livro para ler.

05 agosto 2014

Ruben Patrick, isto é tudo o que tens que saber sobre bancos

Se deveres cem euros ao banco, tu tens um problema.

Se deveres dez milhões de euros ao banco, o banco tem um problema.

De onde se nota que Pipoco se preocupa com estas coisas

As conversas de elevador em Agosto são sobre as férias, se já se foi, que sim mas foram curtas, são sempre, e nisto a pessoa sai, mesmo a tempo de se confirmar que pois é, são sempre.

Nos outros onze meses a conversa de elevador é sobre o tempo, a chuva que não se aguenta, o frio que parece que nunca mais acaba, o calor que é o maior desde há setenta e quatro anos.

Ninguém está preparado para conversar sobre o tempo em Agosto.

04 agosto 2014

Nós, os Salgados

Enquanto uns botões de punho impuserem um silêncio respeitoso, enquanto uma camisa branca com as nossas iniciais bordadas a azul escuro significar alguma coisa, enquanto aquilo que vemos da nossa janela fizer sonhar quem quer que seja, enquanto o lugar à cabeceira da mesa de mogno da sala de reuniões representar infalibilidade, enquanto Zermatt no Inverno e a Comporta no Verão fizerem bater os corações, enquanto os que não são como nós nos atenderem o telefone ao primeiro toque, enquanto alguém acreditar que alguém pode mesmo ser o dono disto tudo, enquanto acharmos melhor não fazer nada porque nunca se sabe o que fazem as influências, enquanto nos deslumbrarmos por estar próximo daquele que está distante de todos, enquanto nos copiarem os trejeitos e as deixas e as bengalas na ilusão de nos agradar e de fazer de conta que são quase nossos iguais, nós, os Salgados, continuaremos mesmo a mandar nisto tudo.

As coisas são como são

Uma pessoa, vagamente figura pública, sempre manifestou um razoável apreço por isto do Pipoco, de vez em quando envia-me um mail simpático, eu respondo no mesmo tom e a coisa fica assim.

Um destes dias estivemos no mesmo evento, lado a lado durante mais de uma hora, eu com a vantagem de saber quem ela é, ela com a desvantagem de não fazer a mais pequena ideia de quem eu sou.

Nem um olhar se dignou dirigir-me...

03 agosto 2014

Posts que não podem esperar por amanhã

Good banks go to heaven. Bad banks go everywhere.

Franchising

E agora as favas com chouriço também se podiam dividir entre favas com chouriço boas e más, a parte das favas era a má e a parte do chouriço era a boa, e agora o Tony Carreira podia dividir-se em Tony Carreira bom e mau, o Tony Carreira bom era e o Tony Carreira mau era o resto, e agora o Marlon Brando podia dividir-se em Marlon Brando bom e mau, o Marlon Brando bom era o de "O Padrinho", o Marlon Brando mau era o "Don Juan de Marco", e agora a Portugal inteiro também se podia dividir em Portugal mau e bom, o Portugal bom era tanta coisa e o Portugal mau era tanta coisa.

(não sei se estão a captar a ideia...)

Jorge Jesus: "Andamos à procura de uma equipa"

02 agosto 2014

Posts que não podem esperar por amanhã

O Espírito Santo acabou, Jesus está por um fio e eu próprio não me estou a sentir muito bem.

Já não bastava termos a Europa a rir de nós por causa daquilo do Carlos Moedas,...

...agora temos que nos aguentar com esta situação do Benfica.

01 agosto 2014

Em verdade te digo, Ruben Patrick

Elas estão tão excitadas pela inauguração de uma loja de toalhas de bidé como eu estaria se a Loro Piana se decidisse a ter cá loja que me evitasse ter que ir comprar a Milão a roupa para o fim de semana.