"O orvalho da manhã há muito que tinha cedido o lugar a uma chuva que nada tinha de miudinha. Desejava dizer-lhe que existia um vidro entre nós mas não, vivemos no tempo do imediato, em que a vontade de passar pelas coisas vem primeiro que a necessidade de por vezes pensar nelas.
E enquanto cada gota de chuva se tornava parte de nós, pensavas na China e na Índia, não nas monções, nem nos aromas distantes que vivem para sempre na memória daqueles que por lá passam, mas sim no jeito que dava ter comprado um chapéu de chuva à passagem pela Mouraria.
E de repente começas a vê-lo lá ao fundo, enquanto já saboreias água que te escorre pela face como se de um bom vinho se tratasse. Levas as mãos ao bolso e sentes o toque da prata que tem a tua sandes. Já não sabes quem espera por quem.
Quando para à tua frente, mais que um autocarro é um desejo. Um desejo de deixar a chuva para trás, de transformar em sorriso afável o monótono olhar da mulher que conduz o autocarro, tal como conduz a sua vida, sem esperar nada de novo.
Entras no autocarro, saboreias o momento, perguntas-te se a espera valeu a pena. Não te respondes, deixas ficar a dúvida para não teres de te preocupar com o resto da realidade que também espera por ti.
De facto meu caro, isto de trabalhar o prazer da espera é de facto todo um superlativo."
(De Mak, o Mau, que de vez em quando me privilegia com os seus comentários, discorrendo sobre aquilo do gozo que há em esperar)
Gosto tanto, o Mak é fabuloso.
ResponderEliminarMeu caro, nascendo do seu, por mais portentoso que possa ser o rio, vale sempre a visita à nascente.
ResponderEliminarGrande texto do Mak!! Lindo !
ResponderEliminarSó tenho a contrapor, que esperar é para quem tem tempo e se pode dar a esse luxo...
Fabuloso! Parabéns ao Mak por este texto.
ResponderEliminarEsperar é uma virtude
ResponderEliminarQue pode não compensar
É envelhecer na quietude
De morrer a esperar.
Serve d'exemplo o caracol
Com seu locomover demorado
Porventura atingirá o Sol
Mas chega sempre atrasado.
"trabalhar o prazer da espera é de facto todo um superlativo". Daí tantos infelizes, não há felicidade sem espera, não há felicidade sem o desejo que nos leva a esperar.
ResponderEliminarMaria Helena
Pois, grande felicidade essa de esperar a incógnita do provável, que as mais das vezes vem-se a revelar um fiasco.
EliminarBom, mas serve de consolo ao fracasso da alma de um desvalido que lá terá de se agarrar a qualquer coisa.
Mas por outro lado reconheço que é uma séria e benéfica aprendizagem para o que o nosso Governo nos tem mimoseado.
Quando a côdea falhar já estamos mais que vacinados.
Esperar é um prazer
Que nos faz esquecer
A côdea para morder
E a manta para aquecer.
Fumando espero
Aquilo que mais quero
O Passos num caixão
E o Gaspar no paredão
Fuzilado sem perdão.