13 março 2022

Em doze anos...

... li menos de cem páginas de Ulysses, os sobrinhos cresceram mas continuam a dormir no meu sótão uma semana por ano, o Sporting foi campeão, escrever num blog passou a ser uma excentricidade, troquei o barca Velha pelo Mirabilis, o Old Bushmills pelo Nikka, mantive o gin sem coisas a boiar, mantive-me imortal, passei de seis para cinco cafés por dia, mudei de vida, voltei a mudar, quase me desfiz a esquiar com Grieg nos ouvidos, tive pena de pessoas disto dos blogs, joguei póquer e ganhei quase sempre e li, li sempre, li muito, li demasiado.

Doze anos de Pipoco. E tudo vai bem.

20 fevereiro 2022

Eppure...

Fora da bolha, lá  onde as pessoas dão dois beijos, acham que no pantone há uma cor que se chama vermelho e lhes dá igual em que copo se serve vinho tinto, lá onde as férias são no Algarve e os livros são fáceis de ler, a vida parece ser bastante mais divertida. E no entanto...

13 fevereiro 2022

Na esplanada da avenida da Liberdade...

... na mesa ao lado da minha, um homem com idade de quem podia  perfeitamente ter ido ver os Police ao Restelo, contava a sua má fortuna a duas mulheres, o homem contava os seus medos e uma das mulheres aligeirava-lhe o discurso e repetia o que o homem tinha dito, usando com palavras mais ligeiras. 

Nunca apreciei apaziguadoras de angústias.

01 fevereiro 2022

Debriefing

As últimas imagens são as que perduram, Chicão será recordado, não pelos batalhões de cavalaria a correr já nem nos lembramos onde, mas pelo ar perdido a dizer que não fará aos outros as maldades que lhe fizeram a ele, Rio será recordado, não pela galhofa no programa do Araújo Pereira, mas pelas palavras em alemão que ele, com aquele sentido de humor alternativo, vá-se lá saber porquê, achou que eram boa ideia no momento em que levou a coça da vida dele, Catarina será recordada, não pela ciência da projecção da voz, mas por pelo ar perdido com que nos dizia que não estava nada perdida, Jerónimo será recordado, não pela arte de dizer com renovada energia as coisas do costume, mas pela arte de dizer sem energia as coisas do costume, Inês não será recordada por coisa nenhuma.

Mas, no fundo, de quem eu vou ter saudades é do Zé Albino.

08 janeiro 2022

Para além dos poucos caracteres

 Andam sossegadas, as pessoas. Escondem-se atrás do "é melhor não ir, que isto está outra vez complicado" e evitam os jantares onde se discute ao sabor de um bom tinto do Dão, desses jantares onde se discute a sério e percebemos que afinal cada vez temos menos certezas. E aprendem menos, as pessoas em sossego habituam-se a escutar só as suas tribos, é mais seguro, mas com as nossas tribos não aprendemos nada. Viajam menos, o que também não é bom para ninguém, pessoas que não saem do mesmo sítio são pessoas que se não aguentam mais de dez minutos. Andam sossegadas, as pessoas, e não coisa mais triste que pessoas em sossego.

24 novembro 2021

Quarta, às nove da manhã

 Eu, que sempre confundi Alan Parsons Project com Barclay James Harvest, o Forest Green com o North Texas Green na escala Pantone, a Avenida António Augusto de Aguiar com a Joaquim António de Aguiar, o terminal dois com o terminal 4 de Barajas, a Marcha Nupcial de Wagner com a de Mendelsson, Jorge Jesus com o quadro do menino da lágrima, a Judite de Sousa com o Júlio Isidro, sei distinguir perfeitamente o logotipo da CNN Portugal e o da Correio da Manhã TV.

23 novembro 2021

Terça, às nove da manhã

 Por razões que desconheço, há muitos anos me reconhecem habilidade para escolher vinhos, não importa a mesa que for, os novos entrantes nas tertúlias habituam-se desde a primeira vez que quem escolhe o vinho é o Pipoco, havendo sempre quem recorde pomadas lendárias que este que vos escreve escolheu, basta essa invocação para que se perpetue a regra sagrada e controle os ímpetos dos que chegam, desmoralizando-os de mostrarem os seus saberes ou de se candidatarem a macho-alfa dos jantares, amaciando-lhes os níveis de testosterona e mantendo a tradição de as coisas serem como são, soubessem eles que me limito a encenar o momento, colocando com vagar os meus óculos de ver ao perto, os de aros redondos, demorando-me na escolha, hesitando, perguntando ao empregado por vinhos que já sei que não estão na carta, questionando se não terão por acaso a colheita de um ano que sei estar esgotado, escolhendo finalmente, a multidão silenciosa, aguardando o veredicto, enquanto o empregado vai e vem eu anuncio o que nos espera, usando com saber mas aleatoriamente as palavras "final de boca a morango" se for tinto ou "cítrico" se for branco, demorando-me na influência que cada casta tem no blend, anunciando o tipo de madeira em que o vinho foi guardado, finalmente a chegada do vinho, a demora na prova, duas ou três notas segredadas com ar severo ao empregado, aconselhar que deixem o vinho respirar dois ou três minutos para que liberte os vapores certos, explicar que aquela acidez é por ser um vinho de vinhas velhas, todos assentindo que sim, que se nota perfeitamente, garantindo que ainda não é desta vez que dirão de Pipoco que ele não é grande coisa a escolher vinho.

22 novembro 2021

Segunda, às nove da manhã

 Viciei-me então em séries policiais que acontecem em países onde há muito frio, talvez seja influência de Jo Nesbo ou de Stieg Larsson, são séries que começam sempre com morte, mas a seguir há sempre casas junto de lagos gelados e montanhas com neve, acontece-me sempre atiçar mais o lume de azinho, ir buscar um chá desses que me trazem de Londres e ficar ali a encantar-me com o dinamarquês ou com o islandês, antes de dormir e pensar que neste inverno hei-de ir esquiar ou pelo menos ver uma aurora boreal.

21 novembro 2021

Domingo às nove da manhã

 A segunda mulher mais fascinante que conheci tinha uma habilidade que não conheci a nenhuma outra, chagava sempre a desoras à verdade, a maioria das vezes chegava muito adiantada, acho que era por aqui que ela me fascinava, o que dizia ser a verdade acabava por acontecer, anunciava a alguém que eu não sei quê e, mais dia menos dia, era certo que realmente eu acabava por não sei quê, o fascínio tem destas coisas, noutras ocasiões, mais raras, chegava atrasada à verdade, nessa altura era eu quem chegava a horas e ela, a segunda mulher mais fascinante que conheci, demorava-se no caminho com minudências e acabava por chegar à verdade mais tarde, quase sempre demasiado tarde, e foi por isso que ela lá está naqueles labirintos dela e eu cá estou como estou.

20 novembro 2021

La folie

Por acasos que não controlei, dei por mim a ouvir "Let me down easy", uma coisa antiga dos Stranglers, recordo vagamente a capa do álbum com uma orelha gigante, acontece-me que as músicas de tempos mais atrasados me transportam  para o que estava eu a fazer por aqueles tempos, e era o tempo do Green Hill e da Seagull, de máquinas de flippers nos cafés de má fama, do Tetris em casa e do Space Invader nas salas de jogos, das longas noites de bilhar, quem perdia pagava, do Damas e do Jordão, dos sítios onde se ia à noite e nunca se sabia quem aparecia, não havia maneira de ligar e perguntar onde estava quem atendia, estava em casa, ora essa, uma coisa leva à outra e eu estava com tempo livre e com um telemóvel nas mãos, de maneira que sou agora o feliz possuidor de um bilhete para o Olympia de Paris, lá para Março.

04 novembro 2021

Post em tempo real

 Está um casal de velhinhos estacionado ao meu lado, a ver o mar e com as janelas do carro abertas, os dois de máscara, cada um a ler a sua metade do Correio da Manhã, e o senhor velhinho está a ler as notícias à senhora com aquele ritmo de leitura e aquela entoação que os meninos do segundo catecismo usam quando lhes calha ler a epístola de São Paulo aos Coríntios, e eu não consigo sair daqui, de tão enternecido que estou, apesar de me chegar aos ouvidos um bocadinho de rádio Amália e eu ter uma reunião de orçamento daqui a nada.

18 outubro 2021

Diz que o facebook é uma má coisa

A rapariga lá do facebook, a que se teve acesso a estudos internos lá daquilo, conta-nos como grande novidade que as redes sociais vivem de as pessoas se maçarem umas às outras e eu, que sou eu, sei isso desde sempre, e sei mais, sei que o facebook e o twitter fazem de nós pior gente, transforma-nos em indignados, vicia-nos em ter opinião sobre não-coisas, põe-nos a discutir sobre o que não sabemos e ocupa-nos tempo precioso, que podíamos usar para ouvir música, para ler livros ou para essa nobre actividade que é não fazer nada.

Ainda ontem almocei com um desses zé-ninguém, o tipo mais cinzento que conheço, escriturário, mulher que lhe orienta a vida, férias no Algarve e casa na terra, mas no facebook é vê-lo feroz e indignado, se o assunto toca ser bola, ele destrata e relembra penalties perdoados no campeonato de noventa e dois, alega forte que conhece pessoas que conhecem pessoas que conhecem os podres, agiganta-se e vibra com quem se lhe alia, que lhe diz que se lembra perfeitamente do tal penalti, foi aos vinte e dois minutos da segunda parte, e eu a ver como facebook transforma aquele homem, amigo do seu amigo, apreciador de um bom bacalhau cozido, que bebe um Papa-Figos tinto nos dias de festa.

Eu, que sou mais blogs, e agora os blogs são para meninos, sei, e sei-o desde o primeiro dia, o que é preciso para gerar tráfego, não preciso de algoritmo nenhum, sabia-o eu e sabíamo-lo todos, o que atraía pessoas era o deitar abaixo, fosse uma desgraçada qualquer que dizia a coisa errada no blog errado, dizer  umas maldades sobre o que vestiam as miúdas dos globos de ouro ou outra deselegância qualquer, as visitas tomavam partido, criava-se o normal burburinho nestas situações e estava a coisa feita, as dez mil visitas do dia estavam seguras e amanhã era outro dia.

13 outubro 2021

Pipoco também quer dizer coisas de Squid Game

 Quando os tipos acordam no dormitório, despertados por uma música boa, aquilo é Haydn, o concerto para trompete.

11 outubro 2021

Ai Weiwei

 Se as outras opções forem fazer uma apresentação sobre a escala que é preciso ter para que o custo de produção de hidrogénio verde seja coisa para se pagar em cinco anos, acabar o último livro da Almudena Grandes ou tentar marcar mesa para jantar num restaurante decente em Lisboa, então sim, ir ver aquilo do Ai Weiwei é uma excelente opção.

09 outubro 2021

Do último Bond

 De todos os desgostos maiores que fui tendo na minha longa vida, e aqui incluo os mais tremendos, o Sporting ter sido eliminado pelo Gençlerbirligi, as últimas quatro temporadas de "La Casa de Papel" ou já se terem passado quinhentos dias seguidos sem eu ter calçado umas botas de esqui, talvez o maior deles tenha sido esta situação do último Bond, James Bond, coisa para nos fazer repensar que sociedade deixamos como legado às gerações vindouras, uma página negra do que somos enquanto indivíduos e que nos deverá fazer reflectir em como aqui chegámos, os que se dedicam a estudar estes fenómenos dirão desta situação o mesmo que se disse de quando a Coca-Cola resolveu mudar de sabor ou quando a Mercedes achou que um Mercedes barato era uma ideia vencedora, a Bond, James Bond, pede-se que sobreviva ao pior dos bandidos, que esteja entretido com uma Bond girl no fim do filme enquanto o primeiro ministro o tenta contactar, que verifique que horas são no seu Omega para ver se ainda tem tempo para mais um Martini shaken not stirred, antes de entrar no Aston Martin que muda de matrícula e espalha pregos que furam os pneus dos carros que vêm atrás, o desgosto maior é ver que Bond, James Bond, sobreviveu ao Dr. No, Blofeld, Scaramanga e ao Goldfinger mas não sobreviveu ao politicamente correcto.

26 setembro 2021

Por todas as vezes que não me deixaste entrar no Frágil

 Chupa, Guida Gorda…

E para jogar poker e comprar uma garrafa de Hennessy

Faltam-me horas para ir ver o último do zero zero sete, para ir ao Meridional ver Kiki von Beethoven, um monólogo daqueles que fazem de nós melhores pessoas, para ir ver o Sporting a Alvalade, para o jantar das pessoas da minha rua e das pessoas dos meus estudos, para o mítico fim de semana dos sobrinhos e para o fim de semana na Graciosa, para os projetos da bazuca e para o orçamento do ano que vem, para ler os livros que comprei este mês e para juntar mais Grieg e Mendelssohn ao meu Spotify, para decidir em quem voto e para escrever a uma espécie de amiga que, sei-o bem, sem mim irá de vitória em vitória até à derrota final.

23 setembro 2021

A verdade é que simpatizo com o processo criativo dos negacionistas...

...é um daqueles processos que é tão bom que é mau, primeiro a dúvida sistemática, nada os convence à primeira, lá está, com tantas notícias falsas por aí à solta há que analisar a coisa por outros pontos de vista, é vê-los a franzir o sobrolho como o velho Statler, o mais céptico dos Marretas, isto aqui há gato, lá está o poder a querer manipular, vamos lá criar uma narrativa que misture a frequência de Deus com os Illuminati, Rosewell com o triângulo das Bermudas, problema é quando a realidade não encaixa na narrativa que eles inventaram, o quê, o Sporting foi campeão?, ora vamos lá verificar isso, mostramos-lhes o vídeo dos jogos, dizem-nos que podem ser jogos de campeonatos passados, mostramos-lhes os estádios sem público por causa da pandemia, afinal é um sinal de que os jogos são do último campeonato, mas esbarramos no argumento de não ter havido pandemia, logo aqueles jogos sem público por causa da pandemia não podiam ter acontecido, é a lógica a funcionar, e acaba-se a conversa, assim se prova que não é certo o Sporting ter sido campeão, a não ser que eu queira ser da manada dos que acreditam nisso, o problema é meu que não sei pensar pela minha cabeça, impressiona-me o processo criativo, não sei se já tinha dito, afinal a realidade paralela é muito mais interessante que a outra, a da vida real, e eu, que cada vez sei menos de situações, sei que estas pessoas são muito mais divertidas e muito mais felizes do que eu, que continuo a acreditar no que vejo e sou cá manada, um tipo que aborrece as pessoas.

20 setembro 2021

Pipoco em modo bucólico

Às vezes sinto vontade de ter uma dessas vidas em que não se corre atrás de nada, teria um desses trabalhos onde as pessoas são promovidas porque estão lá há muito tempo, leria um livro por ano, de preferência um que tivesse conselhos para se mudar de vida, compraria um Fiat Tipo ou um Nissan Qashqai, iria ao Algarve no verão e à serra da Estrela quando nevasse, seria sócio do Benfica e do Automóvel Clube, para ter gasolina mais barata às terças-feiras, os meus filhos haviam de se chamar Vanessa e Ruben, saberia a vida passada da namorada do Cristiano Ronaldo e as promoções do Pingo Doce.

Depois convido uns amigos para um almoço cá em casa e um deles traz a mulher nova, que é tal e qual essas pessoas, mas em um bocadinho melhor, esta tem um filho que se chama Zé Paulo, e passa-me logo a vontade.