17 outubro 2012
Em verdade te digo, Ruben Patrick
O que receio nunca te conseguir ensinar, meu caro Ruben Patrick, é o prazer da espera, estes são os tempos em que queremos tudo já, desejamos um café com aroma de hortelã-pimenta colhida ainda com o orvalho da manhã e isso existe em cápsula, coloca-se a cápsula numa máquina que prepara o café em dois segundos e já está, não há mais nada que saber. Creio nunca te ensinar o prazer de escolher uma boa mistura de grãos robusta e arábica, moer os grãos quando for tempo disso e depois aquecer o balão, os amigos à volta do balão, desejando o café, e o café que não sobe, a conversa em torno da espera e finalmente a água condensa, mistura-se lentamente com o café moído, filtra-se a mistura e sai café que terá ainda que esperar, tem que assentar, finalmente serve-se e, em verdade te digo, aquele café sabe melhor que nenhum outro. Porque foi um café desejado, Ruben Patrick, e, pergunta a quem quiseres, não há melhor para acicatar o desejo que a espera.
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Hoje, não se sabe esperar, é o fast tudo.Não se saboreia os momentos, como esses dum café feito com calma, com alma. Bom exemplo. E agora até ia um desses.
ResponderEliminarEste sim, o verdadeiro café, para não falar no delicioso ritual prévio.
ResponderEliminarOh meu Senhor... se ontem era o Azeite Gallo, hoje é o Delta Diamante... Quem bebe café em cápsula e com açúcar, não sabe beber café; não há melhor aroma que o do café acabado de moer, e que estimula os sentidos,não há dúvida, mas todo o ritual da preparação, não me parece que estimule o desejo, mas sim a vontade de dormir...
ResponderEliminarNo meu caso muito específico, não sei bem dizer se a espera acicata o desejo... se a fúria...
ResponderEliminarO orvalho da manhã há muito que tinha cedido o lugar a uma chuva que nada tinha de miudinha. Desejava dizer-lhe que existia um vidro entre nós mas não, vivemos no tempo do imediato, em que a vontade de passar pelas coisas vem primeiro que a necessidade de por vezes pensar nelas.
ResponderEliminarE enquanto cada gota de chuva se tornava parte de nós, pensavas na China e na Índia, não nas monções, nem nos aromas distantes que vivem para sempre na memória daqueles que por lá passam, mas sim no jeito que dava ter comprado um chapéu de chuva à passagem pela Mouraria.
E de repente começas a vê-lo lá ao fundo, enquanto já saboreias água que te escorre pela face como se de um bom vinho se tratasse. Levas as mãos ao bolso e sentes o toque da prata que tem a tua sandes. Já não sabes quem espera por quem.
Quando para à tua frente, mais que um autocarro é um desejo. Um desejo de deixar a chuva para trás, de transformar em sorriso afável o monótono olhar da mulher que conduz o autocarro, tal como conduz a sua vida, sem esperar nada de novo.
Entras no autocarro, saboreias o momento, perguntas-te se a espera valeu a pena. Não te respondes, deixas ficar a dúvida para não teres de te preocupar com o resto da realidade que também espera por ti.
De facto meu caro, isto de trabalhar o prazer da espera é de facto todo um superlativo.
E agora de repente quase voltei à infância e ao fascínio que me exercia o balão e todo o processo, nos jantares festivos lá em casa. Mais tarde compreendi o princípio, e deixou de me parecer mágico ver a água a subir, e depois o café a descer.
ResponderEliminarHá anos que não é usado - agora temos nespresso - mas era sem dúvida um ritual.