25 junho 2021

Asas servem para voar

Quando se escolhe não chegar depressa e se usa a velha estrada para o Sul, a que atravessa a serra, bem entendido, a cada vez o caminho é único, por mais vezes que se faça a estrada velha ela nunca é igual à última vez, quer se faça de prego a fundo e com a electrónica desligada para que nunca nos esqueçamos de como se conduz, ou devagar, com uma sonata para piano a marcar o compasso e com os vidros abertos a deixar entrar os ares secos que fazem apetecer uma cerveja fria à chegada, as estradas que se fazem devagar são como aquelas ocasiões em que mulheres raras encostam a cabeça no nosso peito e é só aquilo, sem agitações nem promessas que ninguém vai cumprir, apenas uma mulher com os olhos fechados no nosso peito, sem defesas nem truques.

24 junho 2021

Do sul

 De todos os protocolares afazeres destes dias de Sul,  o jantar com os amigos que vivem na serra e de onde regresso noite alta com a lua cheia por estradas que me fazem ter saudades de um velho carro italiano que já não tenho, o gin tónico no restaurante que fica onde acaba o Guadiana e se observa o melhor fim de dia do Sul ou os dias feitos de mar e livros, o que mais me afadiga é o lendário almoço anual chez Don Gigi, o protocolo de atravessar a ponte de madeira, a curiosidade de saber que árias serão cantadas, a certeza de o peixe chegar no ponto certo de grelha, a conversa sobre o que a vida nos oferece de bom, afinal o assunto maior das nossas vidas.

10 junho 2021

Adolfo Dias

Adolfo Dias, de seu nome de baptismo Adolfo de Meirelles, renomeado pela lei da rua para lhe fazer justiça e celebrar os feitos, já que, em movimento contrário ao de Zé Alexandre, bem se podia gabar de ter alguma coisa a ver com o debute nas artes do amor das vizinhas das redondezas, era aquele género de rapaz de quem cedo soubemos que vida lhe iria calhar desde o dia em que o vimos chegar ao Charles Lepierre para jogar à bola e o vimos descalçar uns formosos sapatos castanhos com atacadores e tirar do saco de desporto uns ténis, ou sapatilhas para quem é lá de cima, da marca Le Coq Sportif, em azul, e quando comentámos que era a marca da selecção de futebol de França, Adolfo Dias nos informou que era a marca que calçava Yannick Noah, velha lenda do ténis, que só não era o meu favorito porque nesse tempo jogava ainda Ivan Lendl, um homem que chega de sapatos de atacadores, calça uns Le Coq e sabe quem é Yannick Noah tem tudo para vingar na vida, e vingou, Adolfo Dias trabalhou de barman em barcos de cruzeiros nas Caraíbas, isto no tempo em que Tom Cruise nos fazia sonhar com malabarismos de copos e cocktails tão exóticos que nem sequer se viam no Bora-Bora nem no Tangaroa, duas casas ali para os lados do Técnico onde se levavam as namoradas na primeira saída, dizia eu que Adolfo Dias cedo começou a ganhar a vida em barcos de cruzeiro, enamorando-se perdidamente por senhoras mais velhas, digamos que bastante mais velhas, dizendo a quem não lhe perguntava que amealhava para estudar nos States, como ele dizia, mas esbanjando forte e acabando como motorista de Uber em Perth, na Austrália, de onde me dá sinais pelo menos uma vez por mês, mostrando-me a boa vida que leva mas dizendo que eu é que a sei toda, que ele sempre soube a vida que me havia de calhar.

05 junho 2021

Zé Alexandre

 O Zé Alexandre era um daqueles tipos a quem acontece todas as vizinhas das redondezas iniciarem-se nas artes do amor e ele não se poder gabar de ter alguma a coisa a ver com o processo, andávamos nós a esforçar-nos por trabalhar à noite num bar de praia que nos pagasse a volta pela Europa de comboio em Agosto e o Zé Alexandre a carregar caixotes de fruta no mercado antes das seis da manhã, uma coisa sem jeito nenhum mas que estranhamente lhe garantia ser sempre o primeiro, quase sempre antes de Março, a comprar o bilhete de inter-rail, disse-lhe um dia, quando ele se escapou no último dia de escalada na Suíça para comprar umas botas de montanha em condições que substituíssem uma lendárias botas de trabalhar nas obras com que ele tinha arriscado duas semanas ficar sem dedos dos pés, e nunca mais chegava de comprar as botas e quase nos fez perder o comboio para Paris, tendo que se mudar em Berna, disse-lhe, dizia eu, as sábias e sobranceiras palavras "Zé Alexandre, daqui a dez anos estarás a viver em Massamá, num rés-do-chão de onde verás o pessoal mijar à noite na parede do teu prédio, com um Fiat Uno azul cobalto comprado em segunda mão estacionado à porta e com Lava-me Porco escrito a dedo no vidro traseiro, sairás de manhã para trabalhar na propaganda médica ou num balcão de um banco, terás duas semaninhas de férias no Inatel de Ferragudo, ou lá onde é qua há Inatéis, onde andarás todos os dias de calções de jogar à bola e uma camisa às riscas, de manga curta, terá dois filhos, um vai-se chamar Fábio e à miúda chamarás Soraia".

Enganei-me bem.

04 junho 2021

Das coincidências

Eu, que não creio em coincidências, quando elas acontecem mesmo e não são uma manipulação bem encenada tendo sempre a atribuir-lhes alguma coisa de místico, um cruzamento sobrenatural de situações inexplicáveis que se encontram no tempo, mas ontem aconteceu mesmo uma dessas coincidências, um desses acasos que ficamos sempre a pensar que são coisa lá do grande algoritmo, estava eu em ambiente de franca confraternização com amigos de poucas exigências, servi-me de gin Gordon's, era o que havia, nem meia hora passada apareceu na confraternização uma velha conhecida que, num tempo muito lá ao fundo, me ensinou coisas variadas, a mais importante das quais foi que havia vida para além da beberagem inventada pelo senhor Alexander Gordon e eu, que não creio em coincidências, fiquei a cismar com tão perfeito alinhamento de situações.

02 junho 2021

Eu...

... que depois de um terceiro gin já dancei como o Travolta no Pulp Fiction, que já agarrei uma mulher pela cintura como o Di Caprio na proa do Titanic, que já apresentei um cão ao mundo como o macaco apresentou Simba no Rei Leão, que já perguntei a um homem que mandava mais do que eu se ele estava a falar comigo como o De Niro em Taxi Driver, que digo várias vezes por semana Mostrem-me o dinheiro como o Cruise em Jerry Maguire, que já cantei à chuva como o Gene Kelly em Singin' in the Rain, que já rasguei páginas de relatórios inúteis como o Robin Williams em O Clube dos Poetas Mortos, que já fiz propostas irrecusáveis como o Marlon Brando em O Padrinho, ...

...nunca me aconteceu ver uma mulher cruzar as pernas como a Sharon Stone no Basic Instinct.

01 junho 2021

Às vezes chegam notícias

Chega-me a boa nova de os meus bilhetes para o espectáculo de John Cleese serem válidos para Junho de 2022, ora , sucedendo que eu já nem sequer me lembrava de ter ser proprietário de dois bilhetes para John Cleese, caiu-me bem a notícia, agora é esperar que John Cleese colabore...

A única coisa que interessa saber

 O teu cheiro, ainda é o mesmo?