31 janeiro 2019

Ainda agora

Quando o rapaz chegou à mesa do bar de praia já a rapariga dos olhos verdes tinha lido umas vinte páginas bem aviadas de Agustina, eu sei-o porque estava sentado na mesa do lado, à espera que a chuva amainasse, dois cafés depois e parecia que o dilúvio não tinha fim, o rapaz sentou-se e pediu desculpa pelo atraso, a chuva, o trânsito na Marginal, depois o rapaz tirou o casaco e os abdominais ficaram à vista da rapariga dos olhos verdes, uma coisa desnecessária, isto dizia a expressão da rapariga dos olhos verdes, depois o rapaz falou longamente de coisas lá dele, activos imobiliários,  jantares em restaurantes da moda, uma coisa inteligente que tinha dito ao chefe na altura certa, umas reuniões importantes, a rapariga dos olhos verdes cada vez mais maçada, entretanto a chuva deu tréguas, eu e a rapariga dos olhos verdes sorrimos com o olhar e aquele sorriso queria dizer "este tipo está a fazer tudo ao contrário, benza-o deus".

21 janeiro 2019

Post em tempo real

O homem com cara de Hemingway está a ler Pamuk, devagar, demorando-se nas páginas, enquanto eu, pobre de mim, estou a ler papéis com números, compensando o infortúnio com um whisky japonês.

20 janeiro 2019

As coisas são como são

Um dia, quando menos esperares, viajarás mesmo a sério, darás por ti num desses sítios onde não se chega em menos tempo do que um livro dos grandes demora a ser lido, terás que pedir com gestos o que te fizer falta, usarás de novo mapas de papel, não tentarás comparar o que vês com o teu mundo, dormirás em chão duro e estarás a pé antes do nascer do sol porque a maioria das maravilhas que terás para ver são mais grandiosas ao nascer do sol.

Nesse dia, todas as vistas do topo da Torre Eiffel, todas as moedas lançadas na Fonte de Trevi, todas as pinturas de Goya no Prado te parecerão perdas de tempo.

E todos os que esperam nas filas dos Jerónimos, todos os que caminham com os olhos colados ao telefone, sem olhar para cima, todos os que precisam de ajuda para chegar a um sítio cem metros adiante, te parecerão ridículos.

08 janeiro 2019

Recadinhos

Lê um livro de cada vez, dois ao mesmo tempo, no máximo, se continuares nesse cismar de que sete ou oito livros ao mesmo tempo é que é, depois não te queixes que misturas as histórias, que afinal fulano deste livro ainda não se finou e que sicrano do outro livro afinal não casou com a moça menos abonada do ponto de vista intelectual.

Não te fies nas avaliações do Vivino, ainda está para nascer quem saiba dos vinhos que tu gostas melhor do que tu próprio.

Vai à Índia, mas não a um desses sítios para estrangeiros que te tentam poupar àquilo que a Índia é.

Esfrega o teu nariz no focinho do teu cão, pelo menos duas vezes por dia. Uma delas que seja de manhã, de preferência uma manhã de geada.

Não vás a Paris com voo de regresso no mesmo dia.

Dá uma segunda oportunidade ao Bandersnatch, do Black Mirror, talvez não o tenhas percebido na plenitude e, quem sabe?, deixarás de te atormentar com ter sido possível estragar uma ideia tão boa.

Vai ver a exposição do Sorolla. E a do Eça.

Preocupa-te mais com o que as pessoas pensam. Ou, pelo menos, considera essa possibilidade.

Joga menos.

E, claro, aguenta-te na decisão de ser imortal este ano. Tem resultado nos outros anos, não tem?

04 janeiro 2019

Resumindo os últimos tempos

Avancei dezassete páginas em Ulysses.