21 outubro 2012

Eu sei

"O tempo, conforme um muro, uma torre, qualquer construção, faz com que deixe de haver diferenças entre a verdade e a mentira. O tempo mistura a verdade com a mentira. Aquilo que aconteceu mistura-se com aquilo que eu quero que tenha acontecido e com aquilo que me contaram que aconteceu. A minha memória não é minha. A minha memória sou eu distorcido pelo tempo e misturado comigo próprio: com o meu medo, com a minha culpa, com o meu arrependimento."

José Luís Peixoto, in Cemitério de Pianos

14 comentários:

  1. Suponho que essa será uma forma de avaliar a nossa responsabilidade à medida que os anos vão passando. Um pouco ao estilo, eu hoje sei muito mais e não voltava a fazer assim. A meu ver, não deixa no entanto de ser uma forma medíocre de abordar a vida. Nada altera o que aconteceu. O tempo permite, contudo, fazer melhor quando a história se repete.
    Um detalhe, a primeira frase do parágrafo não significa absolutamente nada!

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    1. RCA, é um bom ponto de vista, o seu. Excelente comentário.

      (no entanto, no contexto do livro, é uma tirada que faz sentido, trata-se de um episódio grave que aconteceu ao narrador quando tinha quatro anos e é normal que a sua memória seja de fragmentos do que lhe contaram e do que realmente aconteceu. Também é verdade que o que o contexto em que eu próprio retirei este parágrafo do livro é bem diferente do do autor e é aquele que o RCA captou)

      (e não concordo com a sua análise da primeira frase, creio que aqui as torres e os muros são obstáculos que nos separam de uma visão desafogada da realidade, tal como o tempo)

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  2. "A minha memória sou eu distorcido pelo tempo e misturado comigo próprio: com o meu medo, com a minha culpa, com o meu arrependimento." Não conseguiria decrever melhor o que hoje sinto...

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  3. Este pedaço de texto descreve bem uma realidade com que tenho de lidar, os julgamentos feitos muitos anos depois dos factos terem ocorrido!

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    1. Outro bom ponto de vista, outra alternativa interessante de "ler" este pedaço de texto.

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  4. E é aqui que às vezes me confundo, sem saber ao certo quanto de verdade há em mim...

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    1. Partilhe lá melhor o conceito, Sexo e a Idade. (ainda que projectemos para os outros verdades distorcidas, nós sabemos sempre a verdade sobre nós próprios. Ou não?...)

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    2. Então Pipoco?
      As coisas são como são, e não se pode contar tudo...

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  5. Anónimo21.10.12

    gosto muito de josé luis peixoto, assim como desse livro. boa sugestão, tio.

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  6. Anónimo21.10.12

    "Quando considero a minha vida fico apavorado ao achá-la informe. A existência dos heróis, aquela que nos contam, é simples: vai direita ao fim como uma seta. E a maioria dos homens gosta de resumir a sua vida num preceito, por vezes numa jactância ou numa lamentação, quase sempre numa recriminação; a sua memória fabrica-lhes complacentemente uma existência explicável e clara. A minha vida tem contornos menos firmes. Como sucede frequentemente, é talvez o que eu não fui que a define com maior justeza (...)"

    Marguerite Yourcenar, in Memórias de Adriano

    Maria Helena

    P.S.- A diferença entre vinho da zona de Pegões, produção particular, e um Barca Velha também seria interessante.

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    1. Excente associação, como de costume, Maria Helena. Vou ficar a pensar nisso de o que melhor me define ser aquilo que não fui.

      (aprendi que, mais que a qualidade, são os momentos e as companhias que nos fazem recordar um vinho para sempre. Logo, no limite, não haveria muita diferença entre uma produção particular de Pegões e um Barca Velha)

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    2. Anónimo21.10.12

      Evidentemente que o que o essencial é a comunhão, seja ela com um copo de água, Pegões ou Barca Velha.
      Pretendi ironizar porque a escrita de José Luís Peixoto não me diz nada e apetece-me sempre lançar umas farpas.
      O que importa é que se leia.

      Maria Helena

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  7. Sim, também concordo que nem sempre o que carregamos na memória, é produto da nossa própria recordação, é muitas vezes tudo confundido entre o contado, o desejado... o distorcido, sob o qual às vezes erigimos uma identidade...

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    1. Anónimo22.10.12

      Absolutamente de acordo, Morena. E quem sabe não temos tudo trocado e a nossa identidade é por isso tão deficitária!! Não sabemos, e temo nunca o saibamos.

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