16 setembro 2020

Resumindo

 Filmamos a performance dos que se esqueceram de desligar a câmara em vez de os avisar do deslize, olhamos de viés para os mais velhos que, atrevidos dos velhotes, estão na rua em vez de estarem a ver o programa das televendas, batemos palmas aos da saúde mas evitamos sentar-nos ao pé deles, que isto nunca se sabe, tanto tempo passado no hospital com tanta bicheza pelo ar, deitamos a culpa à miudagem, sempre em festarolas e a beber cerveja depois das oito da noite, amedrontamo-nos com o teatro mas não nos importamos com a fila da loja irlandesa de roupa ruim, reclamamos baixinho do jantar da família do vizinho do quinto esquerdo, onze pessoas à mesa, uns inconscientes.

Isto da pandemia está a fazer de nós uma boa merda de pessoas.

02 setembro 2020

E tu, qual seria a tua palavra de chamada?


O problema de Run, aquilo da HBO que toda a gente de bem anda a ver, em vez de ler bons livros, é que aquilo que parece uma boa ideia, receber uma mensagem de um amor antigo a dizer Run e, caso optemos por responder também Run o protocolo é avançar para a estação de Santa Apolónia e apanhar um determinado comboio que partirá a determinada hora para determinado lugar, parece coisa boa, a aventura, a selvajaria prestes a acontecer,  a adrenalina, o problema, dizia eu, é que eram capazes de não passar da estação de Vila Franca de Xira, os amores que ficaram lá atrás tendem a cristalizar, ninguém envelhece nem diz más piadas, ninguém tem peso a mais nem cabelo a menos, acabamos por nos recordar só dos mergulhos em praias desertas e dos bancos de velhos Ford Escort, não há senão calças Levi’s 501 e t-shirts dos Nirvana, ninguém se lembra que já não seriam as mesmas pessoas e isso, parecendo que não, faz toda a diferença.