30 abril 2015

Talvez seja uma boa forma de começar o dia

Depois de correr, fiz o percurso das tocas de coelho (Ulisses, o cão fica sempre nervoso quando faço o percurso das tocas de coelho), enquanto fazia alongamentos no alpendre, notei que havia, numa concavidade entre os barrotes de madeira e as telhas, dissimulado pela ramagem do kiwizeiro (se fosse ramagem de videira escreveria correctamente, acontece que é um kiwizeiro, ainda para mais um kiwizeiro macho que não tem o kiwizeiro fêmea por perto), está um ninho de rola, só o percebi porque as rolas têm uma cauda grande, que não cabe no ninho.

Talvez não haja coisa tão bonita como meditar com o nascer do sol à nossa frente, vigiado pelos olhos atentos da mãe rola no seu ninho, com Ulisses, o cão, deitado na relva a uma distância confortável e em sossego porque percebe que a meditação não se dá bem com cães aos saltos e a lamber mãos de homens em posição de lotus.

29 abril 2015

Em verdade vos digo

Que nunca vos ocorra escolher o das sandálias de linho cultivado com padrões politicamente correctos em vez de sapatos Ferre, o que cita Sun Tzu em contexto de trabalho ou Balzac em jantares de guardanapo de pano em vez de cirar Churchill em todos os contextos, o que escolhe livros de poesia em vez de vos oferecer autores russos, o que prefere Florença a Katmandu, o que prefere café com certificado de não ser colhido por crianças em vez de Jack Daniels de arranhar a garganta.

(Mais tarde ou mais cedo acabareis sempre por ser tentadas pelo dos Sapatos Ferre que oferece autores russos que cita Churchill que prefere Katmandu e mau Jack Daniels. Mais tarde ou mais cedo)

Taxistas e blogues

Não frequento taxistas, a não ser que precise. E preciso nas cidades que não são a minha, aprendi que custa um terço de uma garrafa de Barca Velha do mais recente ir de Malpenza ao centro de Milão, aprendi que ir de Barajas ao centro de Madrid de táxi é um desperdício de tempo e dinheiro, aprendi que ir de El Prat, enfim, já se percebeu a ideia.

Quando frequento táxis preparo-me sempre para entrar numa dimensão paralela, tal qual como nos blogues, e para tomar conhecimento de factos que desconhecia, sobre a vida em geral e sobre "estes filhos da puta" (os outros condutores ou os políticos, depende do trânsito) em particular, tal qual como nos blogues. O taxista, dentro do seu velho Mercedes de importação, desses que os alemães mandam para cá porque já não cumprem as regras que os alemães inventaram para eles próprios, retrato dos filhos ao lado de São Cristóvão, rádio sintonizado em estações que emitem em frequências que só são captadas em táxis, conta-me coisas, eu bem tento fazer como no blogue, que estou cá a pensar em coisas da minha vida, mas o taxista, tal e qual como acontece no blogue, acaba sempre por me arrancar um comentário, ou por KO ou por acabar por dizer uma barbaridade tão grande que eu entendo mostrar-lhe o caminho, salvar-lhe a alma, oferecer-lhe uma oportunidade de redenção.

Não sei se gosto de taxistas. Mas gosto de blogues. Ainda.

28 abril 2015

E isto são só blogues...

Ele há ocasiões em que, naquela sofreguidão de dizer coisas, afigura-se-lhes que o post é mesmo daqueles bons, acordam com a ideia do post a rodopiar-lhes na cabeça, que grande pedrada no charco que vai ser, em calhando até riem sozinhas com a piada do escrito, antecipam as reacções, as pessoas hão-de dizer que sim senhores, ora ali está uma boa história, contada com tanta piada, um post de valor.

E depois, afinal não, ninguém percebeu onde queriam chegar, é só mais um escrito sem pés nem cabeça, não há aplauso geral nem se é levada em ombros, até a elas a ideia do post parece agora tola, onde estariam com a cabeça quando avaliavam a genialidade do escrito?, e se afinal se tiveram espalhado ao comprido, com tanta gente a ver?

Acontece a todos.

E foi assim

E ela falava de Bublé, nem é pela música, na verdade é pelo espectáculo, e falava de livros desses de ajudar as pessoas a ser felizes, e falava de lugares, adoro Ibiza, já foi a Ibiza?, e falava de onde estava o melhor sushi da cidade. E por fim falou de Roth, se eu gostava de Roth.

Mas eu já não estava ali, desaparecera entretanto.

27 abril 2015

Lamborghinis roxos

Sonhei com o concerto de Aznavour. Havia velhinhas com andarilhos que me perguntavam onde ficava a porta de embarque e cavalheiros que tiravam as dentaduras e depois, só depois, sorriam para mim. Uma senhora ao meu lado cantava "Halellujah" e eu tentava dizer-lhe que "Hallelujah" não era de Aznavour e uma amiga de velha senhora batia-me com uma bengala com um leão encastrado no punho e depois Aznavour cantava mesmo "Hallelujah" e a velha senhora ria-se para mim, desafiadora, enquanto a amiga continuava a bater-me com a bengala. Um segurança perguntou-me o que fazia eu ali, que ali só entrava quem tinha problemas de próstata, que eu podia ouvir o concerto na Rádio Renascença. E passavam anúncios da Lindor, e não eram chocolates, e cheirava a pasta medicinal Couto e a Vicks Vaporub e a rebuçados do Dr. Bayard.

Se calhar não vou, isto nunca se sabe.

Dias da música

Nestes dias felizes, desses poucos dias que, a par da semana de Dezembro, têm reserva de agenda garantida, dias em que sigo feliz de uma sala para outra, esquecendo-me do mundo, dias sem horas que não sejam as horas de começo dos concertos, fico mais tolerante, pouco me importam as tosses quando o violino toca em pianissimo, ganho tolerância adicional para quem fura as filas, não me aborreço com os aplausos a destempo, as crianças parecem-me sempre bem comportadas durante as peças, tudo me é agradável, as senhoras mais velhas carregadas de pós de arroz e cabelos louros armados, os cavalheiros com lenços a pender dos bolsos dos blasers, as famílias inteiras que estudam os programas e decidem em tempo real o que vão ver a seguir, os turistas que estavam ali só para ir aos pastéis de Belém e resolvem, também eles, entrar na festa.

Talvez seja a música o que acabará por nos salvar.

25 abril 2015

Pipoco também fala das conquistas de Abril

Quem sabia das conquistas de Abril era o velho Senhor Venceslau, que era da não sei quê Amizade União Soviética-Portugal e tinha estado em Moscovo para visitar Lenine, um Lenine embalsamado, mas Lenine. "Aquilo, menino Pipoco, é uma terra em que as crianças têm os brinquedos que querem, aquilo são ruas largas, as pessoas são felizes. E sabe por que são felizes? Porque são todos camaradas, é por isso". Eu sabia que o Senhor Venceslau era importante lá no Partido, era ele que falava no altifalante do carro do Partido, a anunciar "Grande Comício, não faltes camarada!" enquanto passava a Internacional e o hino do Partido. Todos os anos o senhor Venceslau me perguntava se eu não queria ir à Festa, o problema é que a Festa era no final do Inter-rail e isso era um problema, as finanças ainda não tinha tido tempo de recuperar e eu havia de ir à Festa só muitos anos mais tarde e era exactamente como o Senhor Venceslau me dizia que era. Um irmão do Senhor Venceslau tinha estado em Caxias, "em Caxias, menino Pipoco!" e eu não sabia porque me dizia o Senhor Venceslau que o irmão tinha estado em Caxias como se isso fosse coisa ruim, afinal o Mónaco era em Caxias e não me parecia muito mau.

O Senhor Venceslau trouxe-me Fausto e Sérgio Godinho e Janita e Vitorino e Brigada Vitor Jara (e ensinou-me que fora Victor Jara) e, isso sim, foi uma vantagem grande de Abril.

Obrigado, Camarada. Onde quer que esteja.

24 abril 2015

Grandes mistérios da blogosfera: Capítulo Três, de como um bom mexerico nos faz subir no blogómetro

    Depois deito-me para trás na cadeira
    E continuo fumando.Enquanto o Destino mo conceder, continuarei fumando.

    (Se eu casasse com a filha da minha lavadeira
    Talvez fosse feliz.)
    Visto isto, levanto-me da cadeira. Vou à janela.
    O homem saiu da Tabacaria (metendo troco na algibeira das calças?).
    Ah, conheço-o; é o Esteves sem metafísica.
    (O Dono da Tabacaria chegou à porta.)
    Como por um instinto divino o Esteves voltou-se e viu-me.
    Acenou-me adeus, gritei-lhe Adeus ó Esteves!, e o universo
    Reconstruiu-se-me sem ideal nem esperança, e o Dono da Tabacaria sorriu.

    Parte final de "Tabacaria" de Álvaro de Campos

Grandes mistérios da blogosfera: Capítulo Dois, as 'migas blogosféricas

Hoje, ao ler este post de um blogue que me alumia os dias, tomei conhecimento da existência do maravilhoso mundo da amizade blogosférica. Num mundo tão malvado, com tanta inveja e perigos a espreitar a cada esquina, é maravilhoso que exista quem se dedique a trabalhar esta realidade paralela, quase me comovi com este sinal de esperança no futuro da humanidade, este raio de luz que trespassa a penumbra. A amizade blogosférica é a mais pura das amizades, o séquito de incondicionais apresenta armas sempre que é preciso estar lá para apoiar, dar carinho, dedicar poemas no dia do aniversário, ou pura e simplesmente dizer que está ali, na caixa de comentários, a dar força no dia em que os filhos se constipam, o tio-avô foi desta para melhor ou nos dias ruins de trabalho.

Às vezes a 'miga blogosférica pranta comentários simpáticos no blogue que fez maldades à bloguer 'miga e está o caldo entornado, isto nas amizades blogosféricas tem que se escolher de que lado estamos, ninguém perdoa uma 'miga imprudente ou demasiado ansiosa para deixar o primeiro comentário, as incondicionais são assim, 'migas para a vida, uma por todas, e tal. Ser 'miga blogosférica não custa nada, é quase como ser 'miga do Cocas, o Sapo ou da Josefina da novela do noite, é certo que é meio tonto ser 'miga de quem nunca vimos, com quem nunca fizemos o inter-rail, com quem nunca fomos aos pares ao WC do Lux, mas ser 'miga da "Flor de Luz" (com um nome tão bonito só pode ser boa pessoa), da "Devaneios de Solidão" (pobrezinha, tem sofrido tanto...) ou da "Boquinha de Fada" (vamos ajudá-la a sair do pecado) é uma experiência linda e que nos faz acreditar que, todas juntas, mão na mão, sorriso na boca, podemos deixar aos nossos filhos um mundo melhor.

23 abril 2015

O Alfa e o Omega

Se nunca esquecemos os amores primeiros, os Cinco e a torre do sábio é o livro da minha vida, o primeiro que me lembro de ter lido. E se hoje me fascinam os faróis e as ilhas, jangadas e circos nómadas, se sei distinguir entre estalactites e estalagmites, se gosto de cães e da costa da Cornualha e de Gales e de grutas e mar bravo, devo-o aos livros dos Cinco. 

Ulisses? Pois...

Grandes mistérios da blogosfera: Capítulo Um, os Anónimos Mauzões

Dos anónimos bonzinhos, essas criaturas de Deus que optaram por não ter blogue próprio mas que, ainda assim, não prescindem de não calar o que lhes vai na alma, sejam eles comentadores espontâneos que se comovem com um texto que lhes toca fundo ou comentadores de todos os dias, que gostam de dizer coisas variadas, desses anónimos trataremos depois.

Do que vos quero falar é dos anónimos mauzões, desses seres sagrados que, no momento de fazer logout, são abençoados por uma força que lhes chega do além e que lhes dá o supremo poder e coragem de dizer coisas que não diriam se se mantivessem ligados com o nome que usam lá no blogue das poesias ou das receitas culinárias ou, na loucura, dos blogues de mamã.

O anónimo mauzão nunca está contente nem feliz, parece sempre comentar a partir do seu velho Fiat Uno de oitenta e sete, mas que passou na inspecção, atenção, emblema do Benfas pendurado no retrovisor, parado na fila do Icêdezanove, autocolante "este carro é velho mas vai à tua frente" colado na traseira, preocupado por ir chegar tarde ao seu emprego de fiscal da EMEL, está cada vez mais difícil fazer o percurso Massamá Norte - Campo Grande num tempo razoável, o chefe de turno já a avisou, grande cabrão, sempre a implicar.

E desabafa. E desabafando fica melhor pessoa, sorri a pensar no impacto do seu comentário no humor dono do blogue e volta a sorrir, embevecido com o tal poder do logout, fecha os olhos e imagina o dono do blogue a ler o ser comentário e a ter uma apoplexia, a incomodar-se, a levar em conta o comentário do anónimo mauzão, e, de olhos fechados não vê que o trânsito avançou dez metros e o tipo do carro atrás buzinou e o anónimo mauzão assusta-se e tira o pé da embraiagem demasiado depressa e dá um toque no carro da frente e é uma maçada para todos, o atraso, o chefe, a vida.

O anónimo mauzão não sabe, nem sou eu que o vou tirar da ilusão, que o dono do blogue o vê com simpatia, com piedade. O dono do blogue conhece bem a sua missão benfazeja, sabe bem que desempenha uma função de escuta atenta, conhece bem o papel que desempenha na vida do anónimo mauzão. O dono do blogue, sorrindo complacente, só lê as duas primeiras palavras e apaga, passando ao próximo comentário, quase simpatizando com o anónimo mauzão, parado no Icêdazanove, colete reflector vestido, a ser destratado pelo segurança de discoteca, dono do Seat Ibiza em quem o anónimo mauzão acabou de bater. O dono do blogue, piedoso, sabe que desempenha uma papel regulador na vida do anónimo mauzão e sente-se feliz com isso. Mas não é necessário que o anónimo mauzão conheça este processo, pois não?

A seguir: O incrível mundo das amigas dos blogues

22 abril 2015

Os problemas das mulheres

Lidar mal com demasiado tempo livre.

21 abril 2015

Aos meus amigos do Fócuporto

Entendo perfeitamente...

Não sei precisar o exacto momento em que isto começou a descambar

Já ninguém atende a maioria dos números de telefone de que me lembro, já ninguém usa o Lotus 123, o Jordão já não joga à bola, a Seagull já não existe, Saramago nunca mais escreveu, o concerto de Alvalade do Bowie já foi há vinte e cinco anos, o 205 GTi já não me parece aquela máquina, já inventaram melhor que o Jet Set Willy, ter gostado de Paul Auster parece quase impossível, ser amigo da Guida Gorda para entrar no Frágil já não é tudo o que desejo, o comboio já não é  a melhor forma de chegar a Paris.

A Carrie já fez cinquenta anos.

19 abril 2015

Parábola do gin a caminho do Lago Tanganica

Naquele tempo, caminhava Salgadás, o profeta, sobre a cálidas areias do deserto de Nimedones, rumando a Tanganica, a cidade prometida, quando, morto de sede, entrou num estabelecimento desses que havia naqueles tempos e que serviam um gin que era apenas um gin e nada mais que um bom e honesto gin, e, fazendo o sinal que em todo o lado significa que se deseja ser servido, a mulher por detrás do balcão, uma bela mulher, dessas que podem ser aquilo que quiserem, excepto, talvez, estar por detrás de um balcão de um estabelecimento que serve gin, e a bela mulher, fazendo aquele trejeito de passar o polegar pelo queixo com ar indecifrável, igualzinho ao que fazia Nikita quando Elton John conduzindo um Rolls Royce encarnado lhe entregava o passaporte na fronteira e, num desafio à delicadeza das circunstâncias, cantava, precisamente, "Nikita", mediu Salgadás de alto a baixo e acabou por decidir que Salgadás era digno de lhe ser servida uma bebida, não sem antes questionar Salgadás se não se teriam conhecido noutro tempo e noutro local, ao que Salgadás, retomando sem demora o árduo caminho para Tanganica, esclareceu que não, sabendo que afinal talvez, quase de certeza que sim.

Miúdas, chegai-vos à beira do Tio Pipoco, que, a seu tempo, vos colocará sobre as suas pernas e vos dará umas boas palmadas nesses traseiros, mas antes deseja partilhar convosco palavras sábias e de valor, antes que chegue segunda feira e a coisa fique feia

O senhor que inventou isto dos blogues, o saudoso John Blog, que, com mãos laboriosas, criou esta obra notável, moldando, acrescentando funcionalidades, aqui uma possibilidade de moderação de comentários, ali uma alternativa ao modelo "simple", notando as imperfeições e, finalmente, entregando-nos uma coisa em condições, onde podemos deixar poemas ou retratos cá das nossas coisas ou as nossas histórias, mais ou menos buriladas, também nós sabemos depurar e deixar escrito só o que nos interessa, John Blog, dizia eu, ficaria triste e enfadado se soubesse que uso estamos a dar a isto dos blogues, ele que se preocupou em criar essa funcionalidade que é passar ao blogue seguinte de cada vez que nos aborrecemos com o que lemos, dando-nos a possibilidade de ficarmos apenas com os que gostamos e deixar na profundeza do esquecimento os blogues maus, os de fraca figura, os que nos fazem urticária, deixando-nos a possibilidade de ficar apenas com os bons, aqueles em quem nos revemos, os que nos dão prazer e são uma ode à obra de John Blog.

As pessoas, todas as pessoas, são boas, tanto Príncipezinho citado e ainda há quem não saiba estas coisas simples, É claro que as pessoas não são completamente boas, e isso, não parecendo, é o sal da vida, dá-nos a possibilidade de notar o que há de melhor e relevar essa parte. E eu, que sei de pessoas, sei que, relevando as coisas boas, notando-as, as pessoas acabam por dominar melhor os seus demónios, trabalhá-los, acabando por se tornar ainda melhores pessoas e, no fim do dia, gostar mais da parte boa e quase esquecendo que a pior parte existe. Por outro lado, se não notarmos mais que a parte má das pessoas, soltam-se os tais demónios, descontrolados e quase nunca é bom de ver, para além de ser uma trabalheira convencer os demónios a voltar outra vez lá para o sítio deles, aquietá-los, dizer-lhes que não há necessidade, que está tudo bem outra vez.

Por isso, miúdas, em vos aborrecendo a parte má das pessoas dos blogues, o melhor é informá-las, tranquilamente, em privado, não assarapantando toda a gente, que está cá para se divertir, para aprender com quem sabe mais, para espairecer, às pessoas pouco importam as pequenas quezílias que, sendo enormes, são enormes só para quem são, não há nada que não se resolva com uma boa conversa, caramba, se sabem tudo umas sobre as outras, é ir ao encontro, olhos nos olhos, desabafar, dar dois berros, sem toda a gente a ver e, enfim, talvez acabar a tomar um gin e a perceber o óbvio, que a maior parte de nós é boa, não sei se já tinha dito isto.

(ah, o que eu resisti a um "Os problemas das mulheres: não saber gerir crises", ainda bem que consegui resistir)

16 abril 2015

Em verdade te digo, Ruben Patrick

Isso de as mãos se tocarem por acaso nunca será por acaso, nada acontece por acaso, elas merecem saber que acontece porque era mesmo para acontecer.

Caros pilotos da TAP, daqui fala o Cliente

Enquanto se vão entretendo, vocês e a vossa Administração, a medir quem a tem maior, eu começo a aborrecer-me. Porque eu sou o Cliente, o que verdadeiramente manda, o verdadeiro gorila das bolas azuis. E eu, o Cliente, não sei se já tinha dito que sou o Cliente, enquanto vocês andam entretidos lá com as vossas vidas, vou descobrindo um novo mundo, vou percebendo que as low-cost não são assim tão más, começamos pelas viagens de uma hora e percebemos que o que se poupa dá para uma entrada no Scala, nas galerias, é certo, mas ainda assim sempre é o Scala. E eu, o Cliente, tenho tendência a habituar-me, a trocar os jornais e a sandes que me servem a bordo pela ideia de ir ao Scala com a diferença do custo do bilhete, depois noto que as low-cost fazem tudo para me seduzir, até há tripulação a falar português, afinal eu viajo sempre, mas sempre, com uma mala que posso levar na cabine, uma pessoa acaba por se habituar a ver o lixo ser recolhido pelas miúdas da tripulação, desde que o voo saia a horas.

A vida já não é como era, meus caros. O mundo mudou, que o digam os despachantes de alfândega, os ferradores, os polícias sinaleiros, os ardinas. O vosso mundo também mudou, há aquela coisa desagradável que é a concorrência e eu, o Cliente, tendo a aborrecer-me com as vossas guerras e já não me conseguem vender tão bem como vendiam essa coisa cada que é a "companhia de bandeira".

Talvez o vosso destino seja a Emirates. Diz que faz muito calor no Qatar, vejam lá se é mesmo isso que vos convém.

15 abril 2015

Em lendo blogues

Don Xilre, que escreve, sem sobra de dúvida, o melhor (não o mais bonito nem o mais fácil nem o mais consensual, apenas o melhor) blogue de homem que por cá temos, com a sua maneira gentil de arrumar as palavras na perfeição, resolve-me de uma penada uma quantidade de coisas cá minhas, com este belíssimo post, em que nos conta o quão mais divertido é trocarmos de óculos de ver o mundo e notar o pormenor que não havíamos notado com a nossa forma habitual de olhar.

A melhor parte é que, mais ricos, nada nos impede de continuar a ver o mundo da velha perspectiva de sempre. Se ainda nos apetecer, está claro.

(A caixa de comentários, com uma única excepção, é das caixas de comentários mais bonitas que já vi nestes setenta e oito anos que levo disto dos blogues)

Breve teoria disto dos blogues

As pessoas, em pressentindo um suave odor a escaramuça nisto dos blogues, interessam-se mais.

14 abril 2015

Parábola da alegoria

Entre, Benevides, entre, então? que temos? homem tire-me esse semblante tão sério, parece que temos morte de homem, o caso é grave, Senhor, então? é outra vez aquela situação, Senhor, a moça do mau cabelo? precisamente, Senhor, mas então não nos tínhamos já desembaraçado da moça? eu acreditava que sim, Senhor, entendo, o caso é mais melindroso do que eu pensava, mande chamar o Ruben, tomo a liberdade de sugerir que o menino Ruben Patrick não seja indicado para tratar desta situação, Senhor, creio que talvez devesse ser o Senhor a ter a maçada, Senhor, caramba, Benevides, a situação é assim tão dramática? o meu tempo está contado, não me posso perder com minudências, tem a certeza de o Ruben não dar conta do recado?, infelizmente creio ser do Seu interesse ocupar-se pessoalmente desta problemática, Senhor, a moça é ladina e está a inquietar meio mundo, não é como as demais, esta frequenta Alvalade, Senhor, sem desprimor para o menino Ruben Patrick, Senhor, bem, bem, muito me conta, e diz-me que esta moça é de melhor estirpe, Benevides?, estou inclinado a dizer que sim, Senhor, ao fim de tantos anos, Benevides? ao fim de tantos anos, Senhor, bem, bem, estou quase impressionado, traga-me cá a moça, Benevides, estou verdadeiramente interessado nessa novidade de haver quem me desperte algum interesse, ao fim de tantos anos, Senhor, ao fim de tantos anos, Benevides.

O leitor decide

Chamo o Tio Pipoco que está ali a assinar uns papéis e a caminho de uma conferência com o outro lado do mundo e asseguro-lhe que a miúda se aguenta como uma valente se ele resolver divertir-se um pedaço ou dou-lhe conta de que estatisticamente a miúda sai disto muito magoada e é uma maçada para todos, que é melhor dizer em que página de Ulisses vai?

13 abril 2015

Parábola do Lago Tanganica e dos caixotes de lixo

(nada, nada, estava a brincar...)

Porque leio blogues?

Porque, em lendo, sei que os cãezinhos lindos são a nova temperatura que faz em Leiden, que isso da ironia é muito bonito desde que seja com os outros, que o açúcar parece que não faz nada bem, que a melhor forma de se perceber que as diferenças de género existem é aquilo do atelier das papas, que os blogues da felicidade me aborrecem ao ponto de ver virtude na infelicidade, que as criancinhas são pau para toda a obra, que não se deseja a ninguém ter que escrever coisas boas sobre o Sana, que somos todos Charlie mas é o caralho.

12 abril 2015

Pipoco foi às compras

Branca, sem padrões nem texturas, sem bolso, sem slim fit, sem marca visível, com colarinho em condições, cem por cento algodão, sem botões quadrados, eventualmente para usar botões de punho. Eventualmente.

Caramba, o Homem já foi à lua, não deve ser difícil inventar uma camisa assim...

Uma coisa nova por dia

Ser transportado no banco traseiro do meu carro.

11 abril 2015

O aviador voou baixinho sobre o lago.

Nem sempre vemos melhor quando nos afastamos, há ocasiões em que é mesmo preciso voar baixinho, mais perto, porque, ao contrário do se diz, nem sempre o essencial é invisível aos olhos. Nem sempre. Vê tu as nossas trevas, Ruben Patrick, não há quem não as tenha, o que há é quem as consiga guardar em melhores sítios. E quando as pessoas guardam bem as suas trevas parecem melhores pessoas. E são, Ruben Patrick, e são.

O normal nestas situações.

Ela era uma dessas pessoas que acabava a falar de si quando estava ali para falar dos outros.

Um pouco como a entrevista de Herman a Sting, há muitos anos.

10 abril 2015

Uma coisa nova por dia

O atum braseado com não sei quê em cama de não sei quê da 1300 Taberna do LX Factory.

(um Julia Kemper acompanha bem)

Voltando ao que interessa

Estava aqui a ouvir a Rádio Comercial, a Antena 2 estava a passar má ópera, e percebi que o Nuno Markl não fazia o número costumeiro. Que tinha ficado a tomar conta do filho doente.
E achei que isto faz mais pela igualdade de género que mil crónicas enxofradas.

09 abril 2015

Já na beleza as coisas não se passam exactamente assim

Talvez às mulheres não lhes apeteça mostrar que são infinitamente mais interessantes do que aquilo que demonstram. Talvez aos homens não lhes seja mesmo possível.

Parábola dos galos do lago Tanganica

Existia junto às margens do Lago Tanganica, Ruben Patrick, um agricultor que resolveu que estava na altura de trocar o velho galo por outro mais novo (dá-me um segundo, chamarei o velho Fagundes para que te sirva um Cutty Sark novo, eu fico-me por este Nikka From the Barrel), o novo galo havia de dar conta das galinhas, o Lago Tanganica é conhecido pela qualidade das suas galinhas, Ruben Patrick, não há muita gente a saber deste segredo, toma nota, e o velho galo, sabedor de que as galinhas haviam de preferir a novidade, pediu ao novo galo que lhe deixasse ao menos uma galinha, e o galo novo, impante, negou-lhe o pedido, estava ali para tomar conta de todas as galinhas, que não valia a pena insistir, e o galo velho pediu ao menos uma oportunidade, haviam de fazer uma corrida à volta do galinheiro e, se ganhasse, havia de ficar com a tal galinha, e, já agora, era justo que o galo velho tivesse uma ligeira vantagem, uns metros de vantagem que lhe dessem a ilusão da vitória e o galo novo, soberbo, acedeu e lá se combinou a corrida, o galo novo a correr a toda a velocidade atrás do galo velho, que fugia espavorido e com grande algazarra.

E o agricultor, Ruben Patrick, incomodado com o barulho, ao ver a cena, pegou no seu velho arcabuz e disparou sobre o galo novo, acabando com ele e lamentando ser o quinto galo com preferências sexuais alternativas que comprava.

08 abril 2015

Simplificando

Se percebi bem, J. Rentes de Carvalho dizia ontem na RTP2 que vive na ilusão de ser aquilo que desejava ser.

Fiquei a pensar nisto, primeiro na felicidade de que é ser aquilo que desejamos ser. Depois, muito mais divertido, assumir que pode não passar de uma ilusão isso de nos parecer que somos aquilo que desejamos ser.

07 abril 2015

Coisas que neste momento me atormentam

...mulheres com vozes esganiçadas, carne bem passada, pessoas que dizem "pronto" ou "um bocadinho", lugares de estacionamento que parece que estão vagos mas afinal têm um carro pequeno lá estacionado, cartões amarelos ao Nani, a fisioterapeuta achar que eu quero conversar enquanto me massaja os gémeos, servirem-me cerveja que sobrou do ano passado, ...

Asas servem para voar

Eu não quero saber se Lubitz respirava compassadamente, não quero saber o que disse o comandante a Lubitz do lado de fora do cockpit, não quero saber a que profundidade ficaram enterrados os corpos que Lubitz resolveu assassinar, não quero saber as últimas palavras dos passageiros de Lubitz, não quero saber que papéis rasgou Lubitz em sua casa, não quero saber se Lubitz tinha problemas de visão, não quero saber da namorada de Lubitz nem do desgosto dos pais de Lubitz nem do que pensam os amigos de Lubitz.

Eu viajo de avião todas as semanas.

06 abril 2015

Das ressurreições

Se puderes, Ruben Patrick, não escolhas a do decote mais profundo nem a que te parece ser a mais virtuosa nas artes que interessam, sequer escolhas a que se te afigura ser a mais letrada.

Se tiveres oportunidade, Ruben Patrick, escolhe a que sai com mais elegância do momento de afronta, a que gere o silêncio de forma sublime, a que se retira graciosamente e sem mácula da refrega.

Porque, em verdade te digo, são essas as que têm o poder de decidir se terás segunda oportunidade.

05 abril 2015

Uma coisa nova por dia

Ser Páscoa e o meu irmão estar em Santiago do Chile.

(havias de gostar disto, disse-me ele, a rir)

04 abril 2015

Uma coisa nova por dia

Charuteiro.

(grelhado, só com sal e limão)

(disseram-me que é da família dos atuns)

A última dúvida que tenho nisto dos blogues

Que responder aos comentários da minha querida Pipoca Arrumadinha?

03 abril 2015

Pipoco interage com os leitores

(imaginar retrato de "Os cadernos de Pickwick", de Dickens, as patas de Ulisses, o cão, e ... um par de óculos de sol)

Pipoco lendo livros ao som das abelhas

02 abril 2015

No dia seguinte ninguém morreu

Talvez Manoel de Oliveira fosse um homem que se ocupava, desde Aniki Bobó, a fazer filmes que não eram candidatos a "filme da nossa vida", alguém a quem assentariam bem as primeiras linhas de um certo Saramago, "No dia seguinte ninguém morreu".

Manoel de Oliveira estava no nosso imaginário como todos os mais velhos deveriam estar, o que sabe mais, o que ouvimos com atenção, o que viu o que não vimos, aquele com quem gostaríamos de nos parecer se um dia tivéssemos um número de anos com três dígitos.

Quando nos afastamos vemos melhor