30 agosto 2016

Dias da Bretanha, cinco

As pessoas que estão à nossa frente na fila para mostrar que não há tesouras nas mochilas são as que se demorarão nos mesmos quadros que nós, são aquelas que percorrerão o museu ao mesmo passo que nós, que nos sorrirão quando nos afastarmos para que também elas tenham um boa visão do quadro que ambos estamos a admirar, são as que nos pedirão para que lhes tiremos um retrato junto da sua escultura favorita, são as que nos tocarão ao de leve quando recuam para ver melhor um Van Gogh menos conhecido.

Não sei porque é que não nos preocupamos mais em escolher as pessoas que estão à nossa frente na fila para mostrar que não há tesouras nas mochilas.

Dias da Bretanha, quatro

Ainda não vi nenhuma mulher de burkini, apesar dos telejornais locais dizerem que há muito disso por estas bandas e que agora já nem sequer é proibido.

Tenho pena de ainda não ter visto mulheres de burkini, é sinal que por estas bandas as mulheres muçulmanas não vêm à praia, apesar da canícula, a maior dos últimos não sei quantos anos, isto a crer também nos telejornais cá do sítio.

(Os franceses estão muito zangados com os extremismos muçulmanos estrangeiros e só isso justifica a bizarria de proibir o burkini. E estão zangados porque vêem o que as suas cidades têm mudado, os estrangeiros que ajudaram a França a levantar-se a seguir à guerra tiveram descendência, muita descendência, e agora são os filhos e os netos dos que vieram nesse tempo quem realmente faz a cidade, quem cospe no chão, quem mata o carneiro no andar de cima e deixa que o sangue escorra pelas escadas, quem deixa o lixo fora dos contentores, quem pede esmola nos semáforos, quem conduz como se estivesse em Marraqueche, os franceses estão a sentir-se encostados às cordas, a perder espaço vital e não tarda que Sarkozy ganhe as eleições, um Sarkozy demagogo e com botões de punho que apresentou há três dias o seu programa, um conjunto de alarvidades e de lugares-comuns, porém com as palavras certas para os ouvidos dos franceses, uma espécie de tocar a reunir. Isto do burkini é só a ponta do iceberg, que não se confunda com coisa folclórica, isto de proibir o burkini é uma reacção, é um marcar de território para que um dia destes não seja proibido andar de bikini nas praias de França porque isso incomoda os bons costumes muçulmanos).

28 agosto 2016

Dias da Bretanha, três

O que tem de bom a viagem grande é este desligar de tudo, esta tranquilidade de nada importar que não seja o aqui e o agora, não fazer ideia de como correu o jogo com os do Porto, talvez tenhamos ganho, se calhar por dois a um, talvez tenhamos estado a perder e depois virámos o resultado, talvez o Jesus tenha sido expulso, nada disso importa, o importante é esta paz de estar aqui a olhar para as estrelas, contando seis vezes para a direita a distância entre as guardas da Ursa Maior e chegando à Estrela Polar, enquanto Bach, baixinho, toca o Concerto de Bradenburgo só para mim.

Quem ganhou e quem perdeu



27 agosto 2016

Dias da Bretanha, dois

Há duas maneiras de nos maravilharmos com o Mont St Michel, sem nos aborrecermos com excursões de velhinhos alemães que viajam com o Inatel lá deles com guias que falam muito alto por mor das capacidades auditivas prejudicadas dos clientes  ou com as filas intermináveis de sorridentes asiáticos que, em vez de verem onde estão, preferem ver o mundo através de paus de selfie onde eles aparecem  sorridentes, com os dedinhos em "v" e com qualquer coisa em fundo, de que eles não se lembrarão, porque não viram, quando regressarem a Tamagoshi, ou lá como se chama o sítio de onde eles vêm.

É chegar a pé, acertando a hora de chegada com o bater das oito da manhã e ser recebido  com o bater dos sinos, tomar um café com calma e tempo (ah, se eu fosse da tribo dos das facturas de quanto custou o que se comeu e bebeu...) e então atacar a subida e apreciar o que os nossos olhos nos mostram, regressando antes das onze da manhã, que é quando chegam os povos bárbaros, ou então deixar chegar as sete da tarde, que é a hora em que o parque de estacionamento deixa de ser pago, entrar na navette, ter aquela sensação que se tem na ponte 25 de abril num sábado de verão quando se vai no sentido norte-sul às oito da noite, e ver um outro Mont Saint Michel, o das lojas fechadas, o do silêncio, o das estrelas que se vêem quando nos deitamos nas velhas pedras da entrada da abadia.

26 agosto 2016

Dias da Bretanha, um

No livro dos visitantes da abadia do Mont Saint Michel, onde os visitantes deixam as suas impressões sobre o local, dizendo que gostaram muito de ali estar, desejam paz no mundo ou agradecem ao santo uma intervenção qualquer, alguém escreveu "graças a Deus não nasci lampião".

Não fui eu.

(eu sei, fica no limite da Normandia, mas o que conta é a minha base...)

23 agosto 2016

Dias da Normandia, cinco

Estou a um bocadinho assim de trocar Ian Kershaw por Ken Follett.

Ostras e cidra



22 agosto 2016

Dias da Normandia, quatro

Entro no cemitério dos alemães e pergunto-me se a minha t-shirt dos Monty Python estará conforme o dress-code para um lugar assim. Não me sai da cabeça o sketch da melhor piada do mundo, com os alemães a morrer de riso no campo de batalha quando os ingleses lhes contavam a piada e penso que não é pensamento que se tenha num cemitério alemão.

Entretanto estou a ficar viciado em ostras acompanhadas com cidra, o que não é necessariamente uma má coisa.

Dias da Normandia, três

Estarei porventura na mais insignificante das aldeias normandas, um desses sítios que escolho por serem pouco dados ao turismo. Ontem foi o dia de festa cá do sítio, uma regata oela manhã, uns carroceis à tarde e fogo de artifício à noite.

A mais recôndita das aldeias normandas, no seu dia de festa, bloqueou os acessos à rua principal com umas barreiras muito feias, colocou seguranças que pediam que se abrissem as mochilas e, posso apostar, havia gente que, em vez de olhar para o céu, onde estrelejava o fogo de artifício, procurava pontos de fuga, para o caso de haver algum azar.

21 agosto 2016

A tal situação da amplitude das marés (não pediram mas de certeza que vão pedir...)



Dias da Normandia, dois

O homem da banca dos queijos percebeu que eu era português por causa de Pessoa debaixo do braço e obrigou-me a provar uma dúzia de queijos diferentes, ainda não eram onze da manhã. Despiu o casaco e lá estava a camisola da selecção, diz-me que tem dezassete e todos os domingos veste uma diferente. Uns franceses que estavam a acertar entre eles se optavam por um chévre dos Pirineus ou por uma espécie de camembert quase desistiam da compra mas o português dos queijos prometeu-lhes um desconto e a coisa resolveu-se.

Se algum leitor pedir, eu ponho aqui dois retratos que mostram a amplitude das marés do canal, que é coisa que me tem fascinado.

20 agosto 2016

Dias da Normandia

Ainda não são sete da manhã e já estou na minha janela com o Canal defronte, fascinando-me com a amplitude das marés. Um Hemingway meio lido fica à espera de melhores dias, interessa-me agora o livro sobre os pormenores da Operação Overlord, fecho os olhos e imagino-os a vir de onde a minha vista alcança, percorrendo esta mesma Utah Beach, acabando por ficar sepultados no cemitério americano, o das cruzes de soldados onde está escrito que Deus sabe o nome de quem ali está enterrado, entre um James Harris do Iowa e um John Cinatti de Nova Iorque, volto a abrir os olhos e encomendo ostras, volto a pegar em Hemingway, sempre me descansa mais os olhos.

19 agosto 2016

A ideia era cristã

Por uma sucessão de acasos, acabei a jantar na esplanada do Casa Nostra, esse, o dos atentados de Paris.

Não foi um jantar muito animado.

Que vês da tua janela, Pipoco?


16 agosto 2016

Numa parede, ainda não há cinco minutos


Disto dos blogs

Enquanto investigador do fenómeno disto dos blogs, investido de uma senioridade inquestionável no estudo de problemáticas variadas, o fenómeno que mais me espanta é o dos fracos números de Agosto onde, nos piores dias, nem quatro mil pessoas se dignam visitar esta vossa casa, uma miséria, comparando com os números de uma segunda-feira de Outubro em que o post das oito seja sobre os problemas das mulheres e o das duas da tarde sobre aconselhamento do livro adequado para a ocasião não sei quê.

(Nas férias está o escriba mais predisposto para escrever em condições e estão as pessoas em geral mais disponíveis para ler, uns e outros com tempo de sobra, é nas férias que os dias são mais diferentes dos dias normais, é nas férias que nos cruzamos com o que não pode esperar para ser contado, que nos deslumbramos, ainda assim preferimos isto dos blogs quando estamos lá no escritório numa sub-cave em Queluz de Baixo ou em Ermesinde, entre uma fotocópia e uma ida ao registo notarial para reconhecer as assinaturas do senhor doutor, alguém, de entre as quatro mil pobres almas que, calhando, só irão de férias em Novembro, me explique este fenómeno)

15 agosto 2016

Normandia

Um dia mostrei Leonard Cohen a uma das três mulheres que, em toda a minha vida, me conseguia despertar aquele instinto de química pura, de urgência em estar, aquele calafrio de cada vez que ponderava a possibilidade de a perder.

"Quem é ele? Parece que está a cantar no fundo de um poço", atirou ela, sem deixar de fazer o que estava a fazer.

Foi aí que nos perdemos.

14 agosto 2016

Porque lês blogs, Pipoco?

Sou eu quem tem as chaves da praia, é por isso que antes das seis percorro o areal com o meu cão grande e digo às gaivotas que são horas de sair, também sou eu quem ordena ao sol que desça sobre os mares quando me parece que é hora de as crianças abandonarem à sua sorte os castelos de areia, só depois de fechar a praia é que me servem um gin de fim de dia e gozo o luxo supremo de ler Hemingway, que me conta histórias de velhos lobos do mar até surgirem os amigos de uma vida, trazem sargos acabados de pescar, depois de grelhados com sal e saber acompanharão vinho branco gelado e conversas e risos que se estenderão noite dentro, até eu me retirar, invocando a minha condição de guardião das chaves da praia, eles assentirão, abrindo caminho para o meu último mergulho nas águas cálidas daquele mar iluminado pelo luar, o meu cão grande sem pêlos brancos nas patas, sabendo-me com a mulher mais bonita da praia, escolhe esperar-me sentado no areal, de costas para o mar.

(Nos blogs o vinho branco nunca está quente nem a água do mar está fria, as crianças nunca são uma maçada e os amigos aparecem sempre de surpresa só para nos ajudarem a rir pela noite fora, o areal é sempre só nosso até perder de vista e as horas de areal são sempre as remendadas pela associação dos dermatologistas. A família Prudêncio guarda os pesticidas num lugar seguro.)

12 agosto 2016

Danos colaterais de ter que escolher dois e só dois livros

Pela primeira vez em muitos anos, não levo para férias Ulisses, de Joyce, James Joyce.

08 agosto 2016

Daqui onde me encontro

Balançando ligeiramente na rede estendida entre o sobreiro grande e a coluna do telheiro, com Pamuk numa mão e água gelada ao alcance da outra, o sol que desce sobre o espelho de água, um par de cegonhas voando alto no céu limpo, o desafogo da vista na lezíria, a luz alaranjada do fim de dia, penso na fortuna que me cobrarão de IMI se fizerem bem as contas.

Viagem grande

Desde o tempo das viagens de comboio que duravam um mês inteiro que me habituei a imaginar a viagem grande, os mapas desdobrados em cima da mesa de pano verde, as estradas marcadas a lápis, as leituras de velhas revistas de viagens que recomendam restaurantes que provavelmente já não existem, as longas conversas à volta de um gin tónico com os que já estiveram nos sítios marcados no meu mapa.

Às vezes acho que esta é a minha parte favorita das viagens.

07 agosto 2016

Fim do ano

Um destes dias termina o ano, a viagem grande marcará o começo do ano novo, deixarei a barba crescer durante cada um dos dias da viagem grande, os sapatos pretos com atacadores darão lugar a pés descalços e o fato será substituído, com vantagem, por calções de sarja azul e uma t-shirt branca, talvez leve um pólo preto e umas calças claras para algum jantar nocturno ou para alguma ida ao teatro, recuperarei o velho Nokia de teclas que é do tempo em que os telefones serviam para fazer e receber chamadas e levarei dois bons livros.

(apostei comigo próprio que uma mala de cabine levará tudo o que preciso para catorze dias de viagem grande)

Em Agosto os posts-corrente nunca funcionam

Apesar disso, houve mais quem fosse feliz e não o soubesse.

A Palmier, a Cuca e o Rapaz, só para começo de conversa.

06 agosto 2016

Éramos felizes e não sabíamos

Parar na Mimosa para almoçar, a estrada que passava em Alcoentre e viam-se os muros da prisão, ir às festas de aldeia numa Ford Transit de três ligares que quase parava nas subidas porque éramos dezassete, Amarguinha e Pisang Ambon, livros do Senhor dos Anéis e dos Cinco, andar de bicicleta sem mãos e fechar os olhos, José Cid e a Cabana Junto à Praia pedidos no Quando o Telefone Toca, a música de "O Caçador" e do Top Gun, acampar nas margens da barragem de Vilarinho das Furnas e desmontar a tenda todas as manhãs, Green Hill e a Seagull, ténis Sanjo e Le Coq Sportif, calças de ganga Lois e blusão Levi's, Spandau Ballet e New Order, o cheiro do som das pedras a partir pinhões,



(...)

04 agosto 2016

Easyjet

Um norueguês de origem somali assassinou na última noite uma norte-americana, em Inglaterra. 

(ficaram feridas uma australiana e uma israelita)

03 agosto 2016

Let me entertain you (IX)

Isto era para sair um post por hora durante 24 horas.

Afinal não deu.

Let me entertain you (VIII)

Com tantas coisas interessantes que eu tenho para responder, as pessoas continuam a perguntar-me no elevador se já fui de férias ou ainda vou.

Let me entertain you (VII)

Por outro lado, há dias em que tenho pena de não ser dos que contam a vida no blog.

(de certeza que estas últimas semanas haviam de ser um pico de audiência, ainda que seja Agosto)

Let me entertain you (VI)

Às vezes, quase nunca, este blog é uma espécie de Histórias de Nick Adams, de Hemingway.

Let me entertain you (V)

O essencial nisso da felicidade é estar disponível para ser fascinado.

Let me entertain you (IV)

A tribo dos que vão para o Algarve em Agosto (sois boa gente, isto é só a gente a falar...) tem uma nova indignação de estimação, a incrível história da praia fantasma numa dessas localizações que as pessoas que vão para o Algarve em Agosto escolhem, o areal pejado de chapéus de praia e toalhas sem que se vislumbre vivalma, uma espécie de coisa Chernobiliana, as pessoas marcaram o lugar e foram só ali dormir mais um pedacinho, ou comprar "A Bola" e umas carcaças para o almoço, o problema, digo eu, será quando aquelas pessoas regressarem lá das vidas delas e ligarem os rádios na Renascença e gritarem com os infantes que estão a fazer acrobacias no areal e abrirem as latas de atum e colocarem o atum nas carcaças que compararam depois de instalarem os guarda-sois e atenderem os telemóveis e responderem com ar feliz "estou aqui no Algarve" a quem os escuta do outro lado.

Let me entertain you (III)

Por duas vezes na minha vida não fiz a pergunta certa na altura certa e alguém a fez por mim.

A segunda vez foi ontem.

Let me entertain you (II)

No dia em que os meus apontamentos deixaram de ser escritos no Moleskine de capa preta que comprei em Bratislava e passaram a ser escritos numa aplicação de apontamentos de telemóvel, os posts ficaram bastante mais fracos.

Let me entertain you (I)

Aproxima-se o tempo da viagem grande e um destes dias as marcas a lápis em velhos mapas hão-de transformar-se em locais onde provarei vinho tinto e em mares que nunca são iguais aos retratos, a água é sempre mais fria.

É uma estranha alquimia esta, a que transforma pontos marcados num mapa em esplanadas ao sol e em montanhas difíceis de subir.