31 maio 2020

Aos fantasmas, Ruben Patrick, ...

...não os devemos varrer para debaixo do tapete, eles acabarão sempre por escapar e regressar mais capazes de nos inquietar, aos fantasmas há que enfrentá-los e olhá-los de frente, explicando-lhes com firmeza que prescindimos da sua companhia, depois é arejar a casa, mais tarde ou mais cedo eles irão à sua vida, isto se lhes apetecer, bem entendido.

29 maio 2020

Pipoco pergunta

Tivéssemos nós consciência, em tempo real, de que estávamos a viver o momento mais feliz da nossa vida, que faríamos para o conservar e não o deixar escapar?

(a partir de uma ideia de "O museu da inocência" de Pamuk)

28 maio 2020

Um dia falharemos, ambos o sabemos

 ...a única coisa que nos resta é adiar o inevitável pelo máximo tempo que pudermos.

27 maio 2020

Dorme, meu menino

Por preguiça de mudar o disco tenho adormecido nas últimas noites com as Variações Goldberg, gosto de estar em modo de sonolência quando a agulha se levanta do vinil e regressa ao suporte com um clique, as luzes encarnadas e verdes do gira-discos vigiam-me o sono, na semana passada era Keith Jarrett, não é tão eficaz para adormecer, os suspiros de Keith enquanto retira o melhor som possível daquele mau piano em Colónia mantém-me em alerta até ao preciso momento em que termina a última faixa, inquieto-me com aquele improviso genial, talvez hoje mude para a banda sonora de "O Exorcista", ando a dormir demasiado bem e isso não é boa coisa.

26 maio 2020

De Don Sardone, companheiro de confinamentos

De quem sinto a falta é de Don Sardone, uma magnífico exemplar Timon Lepidus que me fez grande companhia, eu no meu magnífico posto de trabalho debaixo do pinheiro manso, Don Sardone estendido ao sol, exibindo as suas magníficas cores, um olho no insecto mais próximo e outro nos frutos secos que eu lhe oferecia e que Don Sardone vinha buscar cada vez mais perto, sempre sob o olhar curioso de Cão Grande, nos últimos dias Don Sardone sentia-se tão confiante que apresentou Madame Sardone, chegando mesmo a um tal ponto de efusividade que não me espantaria que num destes dias, debaixo da pilha de azinho, Madame Sardone tenha uma boa hora e os pequenos Sardoninos se sintam tão curiosos como seu velho pai e meu velho amigo.

24 maio 2020

Em verdade te digo, Ruben Patrick

Oferece-lhe livros, Ruben Patrick, livros que te espantem a ti e a ela se os lerem ao mesmo tempo, pode ser Pamuk ou Kadaré, nunca Bukowsky ou Sparks, embora os motivos sejam diferentes. Leva-a a Alvalade, quando as coisas estiverem de melhor feição, empresta-lhe o teu cachecol se for um daquelas dias em que fica fresco no fim da tarde e o vento sopra de sudoeste. Usa o teu melhor sorriso se ela for generosa ao ponto de te oferecer uma garrafa de vinho, não tenhas medo de te emocionar se for um desses vinhos do Douro de que só se fazem cem garrafas por ano. Fala-lhe do teu trabalho, diz-lhe que és alfarrabista ou pianista de jazz, evita dizer-lhe que vives de ganhar jogos de póquer. Ouve-a sempre até ao fim, as mulheres quase sempre guardam o que realmente querem dizer para as duas últimas frases. Vai a jogo apenas quando realmente estiveres em condições de ir a jogo, elas costumam ser implacáveis para os impreparados.

E sobretudo, Ruben Patrick, dança com ela sempre que ela te pedir.

22 maio 2020

Até hoje

A maioria das pessoas desconhece a diferença entre um furacão e um tufão. Eu, que sempre soube, nunca me serviu de nada este saber.

21 maio 2020

Ontem

Aos primeiros dias mais quentes, é ver-nos, como bons cristãos, fartos de confinamentos, a encomendar imperiais na esplanada da praia, a correr em ziguezagues para evitar o cidadão que se movimenta em corrida mais lenta pelo paredão da marginal, é ver os pobres rapazes da polícia marítima pregando às jovens moças estendidas na areia que não podem ali estar, elas a dizer que sim, mas afinal não, o agente da autoridade a repetir a má nova à moça seguinte e, lá atrás, as toalhas que se estendem nas suas costas, o agente transformado num Sísifo em tempos de pandemia, à noite as senhoras da saúde e os rapazes dos ministérios gabando o sentido de responsabilidade do bom povo, que sim senhores, tudo atinado e cumpridor, é com gente assim que isto vai para a frente.

E eu a ver que não.

20 maio 2020

Afinal não

No dia em que ambos comprámos uma chaise longue igual, lembro-me bem, uma Cassina preta, eram bonitas naquele tempo, pensei que tivéssemos um futuro comum.

Afinal, não.

19 maio 2020

Ficai sabendo

Por cada vez que se diz "novo normal" ou "stay safe", um panda bebé cai de uma falésia no Alasca e não falece imediatamente, ficando em sofrimento atroz até ser abatido por um tiro de carabina Winchester.

14 maio 2020

Coisas realmente importantes

O cidadão que inventar uma maneira de beber café sem tirar a máscara cirúrgica terá a minha admiração.

Ouro

Quando se introduz alguém novo no grupo, "Um amigo meu" está imediatamente abaixo na escala de confiança de "Um amigo nosso", dizia Al Pacino a Johnny Depp, aliás Lefty Ruggiero a Donnie Brasco, eu a deter-me no estereotipo do gangster, os gestos sempre em movimentos tangenciais, o cabelo puxado para trás, os óculos escuros que nunca assentam bem e Al Pacino, aliás, Lefty Ruggiero a dizer uma coisa desta grandeza que quase me escapava.

13 maio 2020

Peregrinações

Este mês, no caminho que me leva da lezíria ao sítio onde me pagam cinco vezes mais do que aquilo que realmente valho, não me cruzei com os peregrinos mais as suas bandeiras, os seus coletes amarelos com marcas de lojas de ferragens e oficinas de mudar pneus, as suas furgonetas com pessoas que massajam pés, os seus rostos avermelhados, os seus fatos de treino justos e as sapatilhas compradas de propósito para o caminho.

Talvez seja porque este mês pouco fiz o caminho.

Das coisas realmente importantes

Contei-lhe que o sítio onde estava a árvore que tinha os troncos onde eu lia os livros já não existe, primeiro foi um campo onde se semearam batatas, depois centeio, depois foi murado e agora está lá uma piscina que quase nunca é usada. E os livros, perguntou ela?

08 maio 2020

Em verdade te digo, Ruben Patrick

O problema, Ruben Patrick, é quando os beijos estão mortos à nascença, é o sinal da falência sem retorno, é nessa altura que terá que te preocupar a sério e, em nome do respeito que lhe deves, voltar a assinar a Sport TV.

07 maio 2020

Breves, mas sábios, conselhos de Pipoco

Lê autores que nunca tenhas lido antes. Mas não o Chagas Freitas. Arrisca na cozinha. Sobretudo no empratamento. Aprende uma coisa nova por dia. Cancela a Netflix. Não desligues a câmara quando estás em reunião. E sorri para as pessoas. Liga aos teus pais. Diz-lhes que isto está quase. Corre com o teu cão. Corre outra vez. Não penses em viagens grandes. Talvez o Algarve em Agosto não seja tão mau como pensas. Corta no café. Mas assegura-te que não falhas quatro por dia. Não vejas notícias na televisão nem abras os vídeos que os teus amigos te enviam. Não digas que vai tudo correr bem. Não vai.  

06 maio 2020

E agora uma coisa completamente diferente

Brian Chesky, o CEO da Airbnb, escreveu hoje esta carta às pessoas que vai despedir.

É uma carta que vai ficar para a história pela forma clara e preocupada como se dirige às suas pessoas ou é uma genial manobra publicitária?

05 maio 2020

Os problemas das mulheres

Desligar a câmara nas videoconferências, cuidado que nós não tínhamos já notado as raízes dos cabelos descoloradas.

04 maio 2020

Nós, os que de cá não saímos, te saudamos

Sê bem vindo à cidade, rapaz, notarás que há diferenças, que não correu tudo bem, há agora um desses silêncios como os que acontecem a seguir a uma velha tia desbocada dizer o que lhe vai na alma, os nossos restaurantes são agora uma espécie de locais sem alma e sem vibração, não terás bifanas e imperial à saída do nosso estádio, não há brindes ao que quer que seja porque a dois metros de distância não se pode brindar, todos temos a mesma cara de máscara de hospital, a mesma que estranhávamos nos chineses que viam Orsay a correr, demorará até que o café te seja servido em chávena de qualidade, terás que te contentar com copo de cartão, que sugam o aroma e a experiência, ainda assim, sê bem vindo à cidade, rapaz.

03 maio 2020

Retomando

Perguntasse-me Tim Burton qual a película da sua autoria cujo personagem eu gostaria de ter sido, e eu, apesar de Willy Wonka, apesar de Victor Van Dort, sem surpresa havia de escolher Edward Bloom, não há melhor pessoa que um incorrigível contador de histórias, esses alquimistas do que realmente aconteceu e do que todos gostaríamos que tivesse acontecido, os contadores de histórias, tirando os da praça Jemaa el-Fna, estão fora de moda, já ninguém arregala os olhos quando eles fazem compassos de espera para gerir o suspense, talvez reste eu, que não faço outra coisa que não contar histórias para alinhar WTI com Brent, Henry Hub com futuros de carbono.

(dando resposta a um desafio lançado pela Cláudia Filipa aqui há atrasado)