Tomei conhecimento do último livro de best of do Miguel Esteves Cardoso, esse herói dos sagrados anos noventa, em que eu e outros como eu acreditavam que se tinha inventado um jornal capaz de vender mais do que o Expresso, uma coisa quase tão impensável como o Pipoco Mais Salgado ter mais comentários do que a Pipoca Mais Doce, o blog, quiçá a segunda das improbabilidades talvez já tenha acontecido, embora já cá não esteja ninguém para ver, e eu, que à época achava maravilhoso que alguém escrevesse como MEC, capaz de pegar em qualquer coisa que os portugueses fizessem, fosse a maneira de comer azeitonas em Moimenta da Beira ou os extras que se colocavam à época nos Ford Escort XR3i, só o vocalista dos UHF teve três, eu, que gabava a sorte do meu amigo Zé Gringo, que tinha o pai a trabalhar numas plataformas em Angola e já tinha ido ao Texas, o Zé Gringo era visitado pelo homem do Círculo de Leitores e podia encomendar dois livros por mês, benesse que ele desbaratava olimpicamente encomendando Lobsang Rampa, uma espécie de Paulo Coelho daqueles tempos, mas em mais alucinado, eu, que era eu, desperdiçava o meu tempo a decorar a terceira pessoa do pretérito perfeito e as todas as subdivisões dos mamíferos e dos aracnídeos, saberes tão inúteis como ter decorado um número demasiado grande de letras de canções de José Cid e dos Sitiados, ou seja, em vez de o Ministério da Educação patrocinar a pessoas como eu assinaturas do Times e do Le Monde, do Jornal de Letras e do Blitz, talvez uma Photo para desenjoar, encharcava-nos de saberes inúteis e que nunca me fizeram falta, mesmo contando aqueles dias em que queria impressionar a Maria de Lurdes, ela assinava Maria de Lourdes, e gostava dessas coisas da natureza, eu fazia o que melhor sei, inventava subgrupos de espécies e ela ficava impressionada, anos mais tarde acabei por saber que era lésbica, eu e o meu jeito para antecipar futuros com mulheres, mas, dizia eu, tomei conhecimento do último livro de Esteves Cardoso, o tal best of, e entristeceu-me, como me entristece ver o Herman José ou a Lena de Água, símbolos de um tempo bom, era o tempo em que nos abraçávamos e se começava a noite no Bairro Alto com um Pontapé na Cona, essa mistura de que ninguém conhecia os ingredientes e ainda bem.