30 dezembro 2015

Dois mil e quinze

Foi um ano que nem por isso. O meu cão morreu e sei que esperou que o meu filho, afinal o verdadeiro dono, chegasse a casa e só depois morreu. Percorri boa parte do El Camiño e dormi em camaratas. Já não me lembrava de como era usar tampões de ouvidos para dormir. Quase ninguém acredita que eu dormi em camaratas durante uma semana. Eu próprio tenho dúvidas. A minha filha escolheu uma vida ligada às artes apesar de poder escolher o curso de engenharia que lhe apetecesse e eu espantei-me a mim próprio quando me ouvi a apoiá-la e a achar que ela merece ser tão feliz como eu naquilo que se escolhe fazer na vida. Antes isso que ser do Benfica. Vi mais teatro este ano que na minha vida toda. Emocionei-me a vê-la ali no palco, a ser uma pessoa que não conheço e a demorar a ser outra vez a minha menina no fim do espectáculo. Disse-me que se chama "mergulhar". A minha mulher passou a ter mais qualificações académicas que eu e o meu filho ficou de repente mais alto do que eu. Fui de carro a Madrid, sozinho, só para não morrer sem ter visto um concerto de Aznavour. Muita gente estranhou eu gostar de Aznavour e eu percebi que as pessoas que me conhecem não lêem o meu blog. Mantive o meu blog. Às vezes acho que não me assenta bem ter este blog mas eu habituei-me a esperar que passe. E passa. Gostava que as pessoas dos blogs não se aborrecessem umas com as outras, mas faço o meu melhor para as aborrecer. Talvez me emende para o ano e deixe de aborrecer as pessoas. Talvez isso me tire a piada. Mas este post vai tirar-me metade da piada e afinal não dói nada. Este ano apeteceu-me algumas vezes não morar no campo, quase sempre quando eram três da manhã e eu tinha que voltar para casa e estar às oito da manhã no mesmo sítio onde estava às três da manhã. Quando vou jantar a casa dos meus amigos e demoro a estacionar e ouço as conversas do vizinho de cima, volto a sentir-me feliz por viver no campo. Foi o ano em que me senti infeliz com o meu clube, apesar de agora ganharmos sempre ao Benfica. Este ano ajudei os meus pais a aprenderem a ser reformados. Lêem mais, viajam mais, divertem-se um com o outro. E convidam-me para mais coisas e eu nunca lhes digo que não tenho tempo. Almoçamos mais vezes e eu desligo sempre o telefone e marco reuniões para mais tarde. A minha mulher é a única pessoa que consegue acompanhar até ao fim os almoços demorados do meu pai. Demoro-me a olhar para ela e fico a pensar que é uma coisa de valor poder comer aquelas quantidades e ser tão elegante. Penso muitas vezes que ela é demasiado bonita para mim. Este foi um ano em que não me arrependi de quase nada do que fiz. Às vezes penso em que ponto da minha vida passei a não valorizar demasiado as opiniões dos outros. Talvez a minha opinião não seja sempre a melhor e eu seja apenas um tipo cheio de si mesmo. Mas depois vejo as opções e acho que a minha opinião era mesmo melhor que as dos outros. E sossego-me. Ainda não foi este ano que comprei um carro. Mas tive dois. É divertido escrever um post inteirinho e chegar até esta linha e manter as pessoas na crença de que o blogger afinal se despiu da persona. As pessoas esquecem-se que isto são só blogs. E que as coisas são como são.

Rápido, vá...

Rui Sinel de Cordes, balanço de dois mil e quinze, a diferença entre piropo e obscenidade ou desejos para dois mil e dezasseis?

Se quiseres espantar uma mulher para sempre, Ruben Patrick...

Fala-lhe do teu carro, não olvidando o pormenor de uma explicação detalhada sobre a diferença entre o binário e a potência. Não a olhes nos olhos quando falas com ela. Se desejares que a coisa acabe já ali, dá uma vista de olhos na mensagem de telemóvel que acabou de chegar enquanto falas com ela. Se ela for suficientemente generosa para reclamar, alega que tens a capacidade de fazer duas coisas ao mesmo tempo. Transmite-lhe informação minuciosa sobre os méritos culinários da tua mãe ou sobre algum detalhe que evidencie qualidades superlativas de mulheres que passaram pela tua vida. Não notes o novo corte de cabelo ou a roupa acabada de comprar. Pergunta-lhe se ela vai "vestida assim" quando estiveres a caminho de um jantar importante. Pergunta-lhe se foi bom para ela. Olha de relance para o decote generoso daquela colega dela, essa mesmo, aquela a quem ela se costuma referir como "a vaca". Se quiseres apressar as coisas, complementa com um monossílabo apreciativo. Não faças perguntas quando ela te disser "não se passa nada". Propõe-lhe repartir a conta do jantar. Escreve num blog.

29 dezembro 2015

Vou ali a Alvalade, provavelmente para me aborrecer

Daqui onde me encontro, sentado em setenta anos de blogs, cofiando taciturnamente o queixo com aquela expressão facial de quem pressente gravidade nas problemáticas, reflicto sobre a importante questão de como é possível as miúdas dos blogs ignorarem tão ostensivamente a sequência de acontecimentos, largamente conhecida de todos quantos se debruçam sobre as idiossincrasias da matéria e que para memória futura aqui se enuncia: "descobri ali uma miúda que escreve coisas com muita graça, já somos melhores amigas, olha parece que se está a esticar, caramba estou mesmo aborrecida com ela, catrapum fechou o blog porque a pressão era um exagero, que grande meretriz ela me saiu" e incomodo-me com o facto de não vislumbrarem o que até eu, que sou quem sou, consigo vislumbrar.

28 dezembro 2015

Grandes dúvidas para 2016 nisto dos blogs

Que causa defenderão as defensoras de causas fracturantes, agora que o piropo foi criminalizado?

E a amamentação, continuará a ser tiro e queda para caixas de comentários cabeludas ou haverá quem perceba que não há tema melhor para ressuscitar um blog de mulher?

E o definhar dos blogs irónicos, que efeitos devastadores terá nas visitas dos blogs que gravitam ali à volta?

E as criancinhas, continuarão a vestir todas de igual e a despertar em nós o nefasto sentimento da vergonha alheia?

E os pais das criancinhas, continuarão a fazer de conta que aquilo não é nada com eles, que é só uma fase das mães até encontrarem uma ocupação a sério?

E os hotéis da gama média-baixa, continuarão a acreditar que é nos blogues que nos enfadam que está a sua salvação nos meses que não são Agosto?

E os blogues escritos por homens, continuarão a ter qualidade infinitamente superior aos blogs escritos por mulheres?

E continuará a haver quem creia que as bagas e as papas e o chá e as dietas da doutora não sei quê é que resolvem aquela situação das bolachas comidas no sofá enquanto elas estão alapadas a ver programas de talentos?

E continuará a haver quem ache boa ideia brindar-nos com resumos do que escreveu lá atrás e aquilo, que já não era bom em dose diluída, é ainda mais nocivo para as pessoas em geral na forma concentrada?

E continuaremos a rebolar de riso de cada vez que lemos bons conselhos para sermos felizes e termos calma, sempre a aborrecer-nos, a enervar-nos e o caralho? (ah, como esses blogs têm a capacidade de me irritar a sério...)

E continuará a haver mulheres que puxam os cabelos umas às outras em caixas de comentários e nós ali a ver aquilo e a não podermos fazer nada porque aquilo são só blogs? 

Em resumo

Ofereceram-me Roth e uma viagem a Roma. Os sobrinhos mais novos já não estranham que eu lhes ofereça teatro e música ao vivo (e a minha companhia...) em vez de jogos de consola e bonecos anunciados na televisão. Gostaram da minha receita de bacalhau deste ano (uma base de cebola confitada, uma camada de lascas de bacalhau e camarão de Moçambique, uma camada de couve portuguesa em puré, batatas cortadas finas e uma pincelada de maionese, e vai ao forno). Não sobrou comida porque todos levaram comida para casa. Já quase ninguém me deseja um bom natal por mensagem de telemóvel. Todos me atenderam quando eu telefonei a desejar um bom Natal. Ofereceram-me um desses artefactos para ler livros e eu não reclamei dizendo que só leio livros em papel, aliás, já comprei dois livros para ler no artefacto e tudo. Não faltou lenha para a lareira. O Julia Kemper Reserva foi uma boa aposta. Fiz de Pai Natal e consegui fazer rir os mais velhos (os mais novos é fácil, nem preciso vestir-me de Pai Natal). Fui levar o meu irmão ao aeroporto. Não sei se passou  "Música no Coração" na televisão.

27 dezembro 2015

Dia perfeito

Deixou-me Don Xilre a matutar no que será o meu dia perfeito quando citou Annie Dillard em The Writing Life.

O meu dia perfeito é no Outono, eu levanto-me às seis e meia e corro com o meu cão, o que terei em breve, choveu durante a noite e cheira a terra molhada. Depois de meia hora de meditação e de um duche quente, leio os jornais do dia e bebo um café expresso. Ficarei a ler ao sol até ser hora de almoço. À tarde vou de bicicleta até ao rio e nado até ficar com frio. Jantarei em casa, com a minha família e a lareira queimará madeira das minhas árvores e a conversa será sobre o que nos apetecer e estranharemos quando nos disserem que já passa das duas da manhã.

(o meu dia perfeito também podia ser passado a esquiar com os meus amigos. Almoçaremos nas pistas mas beberemos um bom vinho tinto)

(e sim, o meu dia perfeito também pode ser passado a trabalhar)

26 dezembro 2015

Sobrevivemos

E cá estamos, estranhando os pilares metálicos das escadas rolantes estarem cada vez mais próximos uns dos outros, a caminho de trocar a peça de roupa que a Tia Genoveva ofereceu (é tão linda tia, é exactamente aquilo que eu queria...), jurando que para o ano as crianças receberão menos prendas e não se estragará tanta comida.

Que venha o fim do ano.

22 dezembro 2015

Grandes comentadores de 2015 (I)

No meu Natal não havia pressa. No princípio do Natal, muito antes do dia do Natal dos Hospitais, chegava a minha avó e a minha avó cheirava a sabonete de lavanda e o xaile da minha avó cheirava a lareira. Eu gostava do cheiro da minha avó. A minha avó fazia uma cruz na massa das filhós, dizia-me que era para a massa crescer bem e a massa crescia mesmo muito bem, talvez fosse por coisas assim que aquele era o tempo em que eu acreditava em milagres. No meu Natal não havia pressa, a massa das filhós crescia devagar e as pessoas chegavam cedo, com tempo para beber um copo de vinho e conversar sobre coisas de que falam as famílias. Os meus tios ficavam contentes porque eu lhes dizia que continuava a gostar de ler. Eu gostava de ver os meus tios contentes. E gostava mesmo de ler. Ainda gosto. No meu Natal nem sequer havia pressa para desembrulhar as prendas (naquele tempo não se dizia "abrir os presentes"). Eram poucas prendas e parte do prazer estava em adivinhar o que havia debaixo do papel. Ninguém abria prendas enquanto o anterior não mostrasse a todos o que lhe tinha calhado. Ainda hoje sinto muito prazer em preparar viagens que talvez nunca faça, acho que é por ter experiência em demorar muito tempo a desembrulhar prendas. No meu Natal brincávamos com as nossas prendas logo a seguir a recebê-las elas duravam muito tempo, brincávamos até se gastarem. Os adultos deixavam-nos sair da mesa, mas tínhamos que pedir autorização. Acho que eles gostavam de ficar a falar e a beber aguardente de medronho e a fumar à mesa. No meu Natal havia sempre bacalhau e nem sempre havia peru, mas ninguém se importava. Mesmo os que gostavam mais de perú.

O meu Natal ainda é assim. Sem a minha avó, evidentemente. E eu faço sempre de Pai Natal e ponho os óculos de fundo de garrafa e peço sempre whisky em vez de bolachas e todos se riem porque eu sei o que aconteceu no ano de cada um e por isso nunca digo todos os anos as mesmas piadas e falo sempre com uma voz rouca. Os mais novos há muito que não têm idade para acreditar no Pai Natal mas continuam a acreditar porque sabem que o Pai Natal sou eu e eu não deixo que ninguém desembrulhe a sua prenda sem todos termos visto a prenda que calhou ao anterior. No fim eu regresso, digo que fui só ali ver do cão (este ano tenho que me lembrar de dizer outra coisa, senão vou chorar) e todos me contam que o Pai Natal esteve ali e deixou coisas para mim e eu abro as minhas prendas. Uma de cada vez. E há sempre livros e uma viagem para sítios onde tem que se ir de avião.

(Post a pedido da Cláudia Filipa)

Ontem à noite revi Patch Adams ...

...e fiquei ali a pensar, saboreando uma boa aguardente e com uma lenha de sobro a arder na lareira, que "Patch Adams" podia muito bem substituir o "Música no Coração" como filme oficial do Natal (se aquilo não é o espírito de Natal, não sei o que será isso do espírito do Natal).

(além de ter Robin Williams e Philip Seymour Hoffman, duas interpretações do além...)

21 dezembro 2015

Se Pipoco Mais Salgado fosse um blog agenciado pela Blog Agency havia de se apresentar assim

Pipoco Mais Salgado, reputado conhecedor dos meandros do cérebro da mulher, escreve um blog há mais de setenta anos, sempre com requintada ironia e graça, deixando-nos como legado um mundo melhor. Tio Pipoco, como é tratado pelos mais próximos, fala-nos do lado bom da vida, transmitindo o suave perfume de ser sportinguista e a resiliência com que porfia na obra de Joyce.

Por entre cálices de Bushmills e fumaças de Cohiba Lanceros, Pipoco sabe tudo o que há para saber sobre Lamborghinis roxos, ajudar velhinhas em aeroportos, escalar montanhas ou transmitir conhecimento a Ruben Patrick, o seu sobrinho favorito.

Grandes Blogs de 2015 (II)

A arte de Xilre é ensinar-nos sem que nos sintamos menos capazes, é mostrar-nos com detalhe aquilo que estava mesmo ali e não vimos, é ser (citando uma frase feliz de Cuca, a Pirata) "o último reduto da generosidade evidente", tal é a bondade com que destina parte do seu tempo mostrando-nos uma maneira diferente de vermos o que sempre vimos com os olhos de sempre.

Xilre, Dom Xilre, é um caso sério de saber passar saberes.

Um dos grandes blogs de 2015, estou certo que não só para mim.

Olá, eu sou o Pipoco Mais Salgado...

... e acho a saga da Guerra das Estrelas uma bela merda.

Sempre achei e a coisa não melhorou nada...

(ainda gostam de mim?...)

20 dezembro 2015

Post em tempo real

Estava eu no Chiado, exposto à intempérie, introspectivo, a decidir se ofertava Glenn Miller no CCB ou duas noites no Ritz de Paris a uma pessoa a quem devo favores, e saiu uma mulher de uma dessas lojas que vendem coisas fabricadas na China mas que, como tem muitas luzes e se chamam tigre, só que tigre em inglês, parece logo que têm melhor aspecto, e a amiga dele que estava cá fora e que talvez, tal como eu, se recusasse a entrar nessas lojas, era bem interessante a amiga que ficou cá fora, e a que saiu da loja mostrou um objecto acabadinho de comprar e a amiga que esperou cá fora disse "muito giro e tãaaao original", e disse isto como se fosse mesmo verdade, tão bem fez a coisa que a amiga que comprou o tal objecto sorriu muito e ficou muito mais contente e eu, saindo desse torpor de quem está exposto à intempérie, introspectivo, a decidir se oferta Glenn Miller no CCB ou duas noites no Ritz de Paris a uma pessoa a quem devo favores, pensei cá para mim que as mulheres podem ser mesmo muito cruéis umas para as outras.

17 dezembro 2015

Algum dia Pipoco havia de colocar um retrato de pratos de comida, pois não era?

Quem és tu, Pipoco?

Tenho olhos castanhos que ficam verdes no Verão, tenho medo de não conseguir deixar de apostar, a minha maior fraqueza são duas, seria feliz a conduzir um Citroen "boca-de-sapo", nunca roubei, prefiro rica e saudável a pobre e doente, podia viver só com vinho tinto, pão e queijo, a frase que mais uso não é "as coisas são como são", a melhor parte do meu corpo é o cérebro, só fumo depois do quarto gin, uso perfume da mesma marca da minha caneta, canto pessimamente e danço ainda pior, gosto de trabalhar, quatro horas de sono por noite são suficientes, gosto de abraçar os meus pais com força, gosto de ler junto à lareira e com tempestade lá fora, demoro-me pouco nas compras, não tenho nenhuma tatuagem, arrependo-me de não ter confiado mais no meu instinto em duas ou três ocasiões, dou quase sempre segundas oportunidades, tenho nos bolsos um bilhete de teatro de ontem, as chaves do carro e um "post-it" a dizer "comprar detergente para a máquina", gostaria que escrevessem na minha lápide "não era mau tipo, apesar de tudo", não tenho cor favorita mas escolho sempre o verde nos jogos de tabuleiro, as disciplinas que eu mais gostava eram Geografia e Português mas as melhores notas eram a Matemática e Física, gosto de correr de manhã, nunca estive em São Leonardo da Galafura.

16 dezembro 2015

Parecendo que não

O Arouca perdeu tantos jogos como o Benfica, os postes de iluminação da segunda circular são mais baixos na zona de aproximação à pista do aeroporto, Mozart não morreu em Salzburgo, Erik Axel Karlfeldt já ganhou um Nobel da literarura (e Roth ainda não), Ilsa Lund nunca disse "Play it again, Sam" (nem Rick), eu nunca me candidataria a que me pagassem o casamento, as filas em Executiva da TAP estão cada vez mais encostadas umas às outras (dizem-me que em turística ainda é pior mas isso não posso confirmar), vou entrar em dois mil e dezasseis num hotel onde me apetecia ir há muito tempo, Modiano não é mau escritor, cada vez mais me afasto de Jesus.

15 dezembro 2015

As coisas são como são


Um homem anda para aqui nisto dos blogs vai para um ror de anos e habitua-se a vê-los chegar, uns mais piorzinhos de letras, outros com horizontes largueiros, outros ainda cheios de pessoas lá dentro, outros que se comentam em circuito fechado, folgazões,  outros que só querem que não os notemos, que aquilo é só para afogar mágoas por um par de dias, depois isto cansa e é uma trabalheira.

E um homem, com a sua mantinha por cima dos joelhos, ajeitando os óculos para ler Joyce, falando de coisas antigas, vai notando que eles já cá não estão, então fulano?, ah, esse já está no eterno descanso, não me diga, ainda outro dia estreou um novo cabeçalho..., pois é, aquilo foi o último estertor, ninguém sabe para o que está guardado, então sicrano?, esse lá se finou também, quem diria, que fará agora aquela rapaziada valente que por lá andava?, pois, benza-os deus, então e beltrana?, olhe as crianças dão uma trabalheira, lá lhe deu quebranto.

E um homem por cá continua, no seu canto, sorumbático, à espera do fim, com um sorriso dos grandes.

Espírito de Natal

Podíamos perfeitamente prescindir de pessoas que mastigam pipocas no cinema, pessoas que sorvem refrigerantes, pessoas que estacionam em segunda fila mesmo em frente a um lugar livre de estacionamento, pessoas que perguntam coisas e não querem saber as respostas, pessoas que conduzem na faixa do meio da autoestrada, com o banco puxado para cima do volante, conduzindo de óculos com lentes de trinta e sete diopetrias, boina na cabeça e cachecol de lã, cara encostada ao vidro, as mãos fincadas no volante, ar arregalado de espanto, pessoas que falam com pessoas dos blogues como se fossem grandes amigos porque certamente do outro lado está uma boa pessoa, pessoas que desejam boas festas no facebook, ...

14 dezembro 2015

É assim ou não é?

A melhor maneira de conquistares uma mulher, Ruben Patrick, é saberes aproveitar bem os teus primeiros dez segundos de exposição, é ver a maneira como se escrevem posts, se começares com "A luminisidade outonal percorre o teu olhar, límpida e pura, ...", não esperes que alguém fique para saber o fim, estás morto e ainda não disseste nada, agora experimenta começar com "A melhor maneira de conquistares uma mulher, Ruben Patrick..." e verás que pelo menos até esta parte, onde  partilhas com o respeitável público que do Skybar se vê perfeitamente o telhado iluminado da catedral de Santo Estêvão, toda a grandiosidade daquelas cores diante dos teus ohos enquanto bebes um gin tónico, e verás que todos te lerão até ao fim.

Mesmo até ao fim.

De onde se fala de viagens e outras iguarias

Tinham-me prometido que encontraria a felicidade numa fatia de Sachertorte, degustada no restaurante do próprio hotel Sacher, servida com uma generosa dose de chantilly. Eu acreditei, acredito sempre nos que me dizem onde encontrarei a felicidade. Afinal, encontrei a felicidade num Riesling de Wachau que me fez esquecer a minha reserva com vinhos brancos, encontrei a felicidade na conversa sobre futebol com as jovens do bar, privilégios de quem chega antes da hora marcada para o jantar e prefere o aconchego de um aperitivo ao frio das oito da noite de Viena, encontrei a felicidade no riso dos meus companheiros de mesa da sala mármore.

A Sachertorte? Comi-a.

10 dezembro 2015

Em verdade te digo, Ruben Patrick

Quando se te afigurar que ela, por fim, assimilou que as coisas são como são e que poderás, impante de felicidade, prosseguir sem mágoas e sem mazelas de maior, não te iludas.

É nesta fase, quando ela pressente que respiraste fundo, crendo tu que o entendimento dela era equivalente ao teu, que se dá início formal à mais penosa das fases do processo, onde te sentirás o mais ignóbil dos vilões, em que carregarás a culpa das lágrimas que lhe escorrem pela face,  em que serás tentado a validar todos os teus procedimentos, em que questionarás a correção das tuas acções e onde, finalmente, lhe proporás o teu ombro, de forma a que ela possa descansar a pobre cabeça atormentada, e tu, pobre de ti, pensarás que não virá mal ao mundo se lhe apaziguares a mágoa.

Se te parecer coisa acertada isso do ombro, Ruben Patrick, afasta-te e espera que te passe. Há-de passar.

09 dezembro 2015

História de amor com final feliz

Ela pediu que eu lhe contasse uma história de amor com final feliz e eu contei-lhe como Diogo Soares, o galego navegador, se apaixonou pela filha de Mambogoá, e isto seria uma coisa de muito valor se não se desse o caso da filha de Mambogoá estar na sua festa de casamento e Diogo Soares ter resolvido a questão mandando matar o noivo, de tal forma que a filha de Mambogoá ficou tão triste que acabou também por se matar.

Faltava o final feliz, quisesse ela ouvir e ficaria a saber que Mambogoá, homem capaz de proclamar sensatas palavras, juntou uma multidão que apedrejou Diogo Soares até à morte e as crianças receberam esmola quando passeavam no terreiro as entranhas do sensual galego.

(ela não sabia nada de Fausto, como havia de apreciar histórias de amor com finais felizes?)

08 dezembro 2015

Dizei lá ao vosso Pipoco

Lamentamos muito a morte dos três miúdos ou a dor é atenuada porque estavam a graffitar comboios e dois até eram espanhóis?

Queres então ter um desses blogs muito bons?

Escreve como se cozinhasses para os teus melhores amigos. Selecciona as palavras da mesma forma que escolhes os ingredientes, escolhe apenas o que houver de melhor. Dá às palavras o tempero certo, lembra-te que usar muitos temperos tira o verdadeiro sabor, das palavras e da comida. Não sirvas posts atrasados, imagina-te no mercado, manhã cedo, a escolher os produtos mais frescos. Preocupa-te com a forma, serve os teus posts como serves um prato requintado. Ousa utilizar palavras novas, com a mesma parcimónia com que usas ingredientes de que nunca tinhas ouvido falar. Trabalha a tua escrita de forma a ser reconhecida onde quer que escrevas, copiar as ideias, as expressões e as idiossincrasias dos melhores é como comprar hamburgers no drive-in e servir em casa, acrescentando pickles e dizendo que é tua criação.

Que seria de nós se todas as mulheres envelhecessem assim?...



Post em tempo real

Ir ouvir Mariza e sair com vontade de tango e coladera.

07 dezembro 2015

Qual foi o melhor blog de 2015?

(tirando o meu e o teu, evidentemente...)

05 dezembro 2015

Cá estamos, na medida do costume

Talvez eu pudesse ter um desses blogs que, como quem não quer a coisa, apregoam que determinado relógio é um bom relógio, o Natal a chegar, a pessoa sem um rasgo para escolher a prenda certa, e o relógio, efectivamente um bom relógio, desses que aparecem nos anúncios com os ponteiros nas dez e dez, ali disponível. Eu teria o poder de, falando displicentemente no tal relógio, efectivamente um bom relógio, fazer as pessoas terem vontade de ter um relógio igual, eu aproveitaria para tomar um café, uma mistura equilibrada de robusta e arábica, e, quando regressasse, haviam de me ligar das lojas, felizes, informando que já tinham pedido mais relógios à fábrica e a fábrica já estava a trabalhar a quatro turnos, quem diria, ainda no mês passado ninguém queria relógios daqueles, um milagre, afinal a fábrica já não precisava de despedir pessoas, pelo contrário, as pessoas podiam dar um melhor Natal aos filhos, comprar roupas novas, por sua vez as lojas que vendem coisas de natal teriam também que reforçar as encomendas, uma coisa nunca vista, eu havia de ficar muito contente por ter trazido tanta felicidade, tudo em nome de um mundo melhor, as pessoas ficariam felizes, principalmente as que tinham um relógio, um bom relógio.

Eu podia fazer a coisa. Mas dá-se o caso de não precisar.

04 dezembro 2015

Nunca vi homens a guerrear nos blogs

Nunca fico muito tempo a matutar nas pequenas coisas, não me pergunto porque largo a carteira em cima da máquina de café, não me debruço sobre o que me levará a desfazer a barba do lado esquerdo antes do lado direito, não questiono o porquê de olhar para o espelho retrovisor assim que entro no carro, não perco tempo a pensar qual será a razão que me faz começar a ler os jornais de trás para a frente.

Isto não quer dizer que tenha deixado de me fascinar com os pormenores.

03 dezembro 2015

(sim, Netflix...)

O que acabou por desgraçar Tony Montana foi não saber conviver com o poder, se queremos conhecer o lado lunar de alguém é dar-lhe poder, Tony Montana passou demasiado depressa de Scarface que lavava pratos a Tony Montana que tinha um péssimo gosto para mobílias, lidar com o poder devia ser ensinado nas escolas, é tão importante um homem estar preparado para ter poder como saber que os cubos perfeitos são muito menos que os quadrados perfeitos e, ainda assim, são ambos infinitos.

E, lá está, Tony Montana acabou desfeito numa fonte interior, com uns néons a dizer "The world is yours" a piscar-lhe por cima da cabeça, uma estragação.

02 dezembro 2015

Em verdade te digo, Ruben Patrick

Ainda que ela conte na primeira pessoa histórias da segunda grande guerra, ainda que ela te diga que naquele tempo só havia rádio, ainda que a voz lhe trema quando fala do António Calvário, ainda que saibas que ela tem um filho com a mesma idade que tu tens, nunca, mas nunca, sejas imprudente ao ponto de    proferir um número superior a trinta e nove quando responderes à pergunta "quantos me dá?".

01 dezembro 2015

Coisas que eu vi no vídeo do sacana do velho que obrigou a família a gastar um dinheirão e afinal ele não tinha falecido nem nada

A filha do senhor velhinho, a que casou com o barbudo, apresenta-nos três filhos. Uma miúda loirinha e outra com cabelo à David Luís. O barbudo tem mau cabelo, mas a filha do barbudo tem cabelo à David Luís. Não sei se me estão a acompanhar... (barbudo, abre-me esses olhinhos).

Notemos a forma displicente como o senhor velhinho desafia o perigo e arrisca a vida, comendo enchidos, que todos sabemos que provoca coisas más.

As imagens não mostram, mas aposto que o vizinho, sabendo que o velhinho estava a olhar pela janela, colocou a mão direita em concha na zona genital e, curvando o corpo para trás e apontando com a mão livre para a janela do velhinho gritou-lhe "In your face, Arnold!", isto em alemão, evidentemente, e depois entrou em casa e riu-se com aquele riso do fim do "Thriller", o que deixou o velhinho ainda mais triste por não ter ninguém no seu natal e o cabrão do vizinho ter. A coisa pode ter contornos complicados quando os dois velhinhos se encontrarem no centro de dia, depois do Natal, a não ser que o velhinho, que agora sabemos chamar-se Arnold, sofra de Alzheimer e, nesse caso, há-de cumprimentar o velhote vizinho da frente como todos os dias, abraçando-o e dizendo "Hans, e o nosso Bayern de Munchen, lá vai andando, pois não é?...).

O filho yuppie, o que mora em Xangai ou Kuala Lumpur, ou lá onde é aquilo, não estava a pensar ficar mais do que uma noite, só leva uma mala de porão. O irmão médico ou o barbudo vão ter que lhe emprestar umas cuecas (não vejo que o filho yuppie queira usar as cuecas do senhor velhinho, cem por cento algodão mas de modelo que se usava naquele tempo - e aquele tempo foi há muito tempo).

O filho yuppie é o único que ainda está no mercado. Nenhuma aguentou aquela vida, sempre de um lado para o outro.

Se eu fosse o filho yuppie havia de fazer pagar ao velhinho cada cêntimo da viagem Kuala Lumpur- Hamburgo. Ida e volta. E o táxi para o aeroporto.

Lembrei-me de Mark Twain quando o velhinho apareceu à frente dos filhos. Leiam livros de citações de pessoas famosas e percebem logo.

Alguém aposta quem será a senhora que serve o perú?

Espero que haja bastantes rabanadas e filhoses. Aquele perú não vai chegar para todos.

O filho médico é o mais velho. Adivinhem porque sei eu isto.

O miúdo gordo que chega no fim ficou a jogar playstation até ao limite, tiveram que o chamar três vezes. E vai comer metade do perú.

Esta semana o Edeka vende mau vinho francês a três euros e quarenta e nove. E os cereais Lion estão com vinte e três por cento de desconto.

De zero a cem, qual é o nível de interesse que atribuem à opinião de Pipoco a propósito do tal vídeo do senhor velhinho alemão?

(a ver se me sobe o grau de motivação com a onda de interesse que, estou certo, se gerará...)

(e, se não gerar, eu comento em anónimo e isto chega aos trezentos comentários num instantinho e ninguém percebe que sou eu a auto-motivar-me)

(não existem palavras duplamente hifenizadas, pois não?)

Em verdade vos digo

O problema, Ruben Patrick, é que todas as pessoas gostam que gostem delas.

Mesmo as pessoas dos blogs. Mesmo as pessoas dos blogs...