No meu Natal não havia pressa. No princípio do Natal, muito antes do dia do Natal dos Hospitais, chegava a minha avó e a minha avó cheirava a sabonete de lavanda e o xaile da minha avó cheirava a lareira. Eu gostava do cheiro da minha avó. A minha avó fazia uma cruz na massa das filhós, dizia-me que era para a massa crescer bem e a massa crescia mesmo muito bem, talvez fosse por coisas assim que aquele era o tempo em que eu acreditava em milagres. No meu Natal não havia pressa, a massa das filhós crescia devagar e as pessoas chegavam cedo, com tempo para beber um copo de vinho e conversar sobre coisas de que falam as famílias. Os meus tios ficavam contentes porque eu lhes dizia que continuava a gostar de ler. Eu gostava de ver os meus tios contentes. E gostava mesmo de ler. Ainda gosto. No meu Natal nem sequer havia pressa para desembrulhar as prendas (naquele tempo não se dizia "abrir os presentes"). Eram poucas prendas e parte do prazer estava em adivinhar o que havia debaixo do papel. Ninguém abria prendas enquanto o anterior não mostrasse a todos o que lhe tinha calhado. Ainda hoje sinto muito prazer em preparar viagens que talvez nunca faça, acho que é por ter experiência em demorar muito tempo a desembrulhar prendas. No meu Natal brincávamos com as nossas prendas logo a seguir a recebê-las elas duravam muito tempo, brincávamos até se gastarem. Os adultos deixavam-nos sair da mesa, mas tínhamos que pedir autorização. Acho que eles gostavam de ficar a falar e a beber aguardente de medronho e a fumar à mesa. No meu Natal havia sempre bacalhau e nem sempre havia peru, mas ninguém se importava. Mesmo os que gostavam mais de perú.
O meu Natal ainda é assim. Sem a minha avó, evidentemente. E eu faço sempre de Pai Natal e ponho os óculos de fundo de garrafa e peço sempre whisky em vez de bolachas e todos se riem porque eu sei o que aconteceu no ano de cada um e por isso nunca digo todos os anos as mesmas piadas e falo sempre com uma voz rouca. Os mais novos há muito que não têm idade para acreditar no Pai Natal mas continuam a acreditar porque sabem que o Pai Natal sou eu e eu não deixo que ninguém desembrulhe a sua prenda sem todos termos visto a prenda que calhou ao anterior. No fim eu regresso, digo que fui só ali ver do cão (este ano tenho que me lembrar de dizer outra coisa, senão vou chorar) e todos me contam que o Pai Natal esteve ali e deixou coisas para mim e eu abro as minhas prendas. Uma de cada vez. E há sempre livros e uma viagem para sítios onde tem que se ir de avião.
(Post a pedido da Cláudia Filipa)
Fantástico Tio. Acabou de descrever um Natal igual ao meu :) Feliz Natal!
ResponderEliminarCaro Pipoco Mais Salgado,
ResponderEliminarUm desejo para o novo ano: escreva muitos posts a pedido de menina Cláudia Filipa.
Bom Natal!
Um abraço,
Outro Ente.
(tio, não fique triste pelo seu bichinho. ele vai estar sempre consigo... diga que foi ao quarto de banho).
ResponderEliminaro meu irmão também faz sempre de pai natal e é sempre uma galhofa.
feliz natal.
vw
E também gostei especialmente deste comentário.
EliminarUm beijinho para si vw, Feliz Natal.
Que post bom de degustar sem tempo : lá está, por isto é que lemos blogs.
ResponderEliminarUm abraço.
adorei!
ResponderEliminarOh pá. Que bom de ler, que bom mesmo.
ResponderEliminar:) Uma vez, sob encomenda de um amigo, escrevi um livro sobre o Pão em Portugal, que nunca chegou a ver a luz do dia. Para tal, fui a Trás-os-Montes ver tia e sobrinha, de Vila Flor, fazer pão. Elas também faziam a cruz em todos os pães, é tradição, dizem :) Beijinhos e um Bom Natal.
ResponderEliminarCaríssimo,
ResponderEliminarQue esteja cá para o próximo Natal e pelo caminho vá-nos deixando prendas como esta que deixou agora.
Tantos tiros no pé e depois faz posts como este. Quase que chorei, fosse um pouco mais extenso e tinha chorado. Obrigada Tio Pipoco.
ResponderEliminarFoi mesmo um post muito bom de ler, pois foi. Um post-postal de Natal muito quentinho.
ResponderEliminarBem Hajam a Cláudia Filipa e o Pipoco Mais Salgado, que se deixa inspirar pelas pessoas.
Por momentos voltei a ver a minha avó. Obrigada por esta prenda, que soube tão bem "desembrulhar" devagar.
ResponderEliminarQue maravilha, que post fantástico, o melhor que li nos últimos tempos de toda a blogosfera.
ResponderEliminarEstá quase perdoado por ser um pobre pedante no resto do tempo.
Ah!...Tenho aqui uma blogoprenda de Natal!
ResponderEliminarSabem quando recebemos uma prenda e depois ficamos embevecidos porque a acompanhar a prenda vem um postal que diz coisas e uma pessoa lê e o coração vai atingindo valores máximos de aquecimento e portanto aquela prenda já é a melhor do mundo naquele momento?(e não há vírgulas porque uma pessoa sente sem vírgulas)E o que se diz nessas alturas? Pois...
Só consigo dizer que pode gostar-se muito de pessoas que têm blogs e das que dizem coisas lá dentro dos blogs e ficar assim com vontade de abraçar toda a gente e haverá quem pense e diga mesmo mas que lamechice Cláudia Filipa e eu digo-vos que quero lá saber e que se não querem ser abraçados é desatarem já a correr senão eu abraço-vos a todos e pronto
Um abraço, Pipoco Mais Salgado.
Muito obrigada, por este post tão bom, e por todas as vezes que me abre a porta desta sua casa no mundo virtual.
Cumpri?
Eliminar...e excedeu as expectativas.
EliminarPMS inundado de espírito natalício! Boring...
ResponderEliminarMuito bom lê-lo assim.
ResponderEliminarFestas Felizes, Pipoco.:)
Venho pela primeira vez comentar, e desejar-lhe um bom Natal. Porque depois de ler isto, até parece que voltou o espírito natalício. Obrigada tio!
ResponderEliminarDesejo-lhe um Bom Natal - noite feliz!
ResponderEliminarUm beijo, Pipoco