Há poucos prazeres tão deliciosos como pegar num livro ao acaso e decidir se o lemos ou não, dependendo do primeiro parágrafo. E é um prazer imenso, há aqui toda uma aleatoriedade, uma possibilidade de cometer injustiças tremendas, uma sensação de poder. É claro que um primeiro parágrafo como “Muitos anos depois, diante do pelotão de fuzilamento, o Coronel Aureliano Buendía havia de recordar aquela tarde remota em que seu pai o levou para conhecer o gelo." não engana ninguém, um primeiro parágrafo deste quilate é valor seguro, indica livro para ler sem hesitar. Outro grande início é "No dia seguinte ninguém morreu. O facto, por absolutamente contrário às normas da vida, causou nos espíritos uma perturbação enorme...", cá está um início que diz logo ao que vem, sem preliminares, o que até é pouco comum no autor, toda a gente sabe que para apreciar o autor há que sobreviver às primeiras oitenta e sete páginas.
Por outro lado, um primeiro parágrafo como "Chamem-me simplesmente Ismael. Aqui há uns anos - não me peçam para ser mais preciso -, tendo-me dado conta de que o meu porta-moedas estava quase vazio, decidi voltar a navegar, ou seja, aventurar-me de novo pelas vastas planícies líquidas do Mundo." promete pouco e, no entanto, aguentando firme até ao ponto em que Ismael conhece Queequeg, o livro é uma delícia. Acontece o mesmo com "Alguém devia ter caluniado Josef K., visto que uma manhã o prenderam, embora ele não tivesse feito qualquer mal.", um início que não está à altura do resto do livro, que merecia um início com muito mais adrenalina. Outro início que poderia ser mais glorioso é "No princípio criou Deus os céus e a terra. A terra era sem forma e vazia; e havia trevas sobre a face do abismo, mas o Espírito de Deus pairava sobre a face das águas. Disse Deus: haja luz. E houve luz.", e no entanto cá está um livro que pegou de estaca, contra todas as expectativas do primeiro parágrafo.
O meu primeiro parágrafo favorito? Ora, essa é fácil...
Cem Anos de Solidão, dos meus favoritos de todos os tempos :)
ResponderEliminarNão concordamos no que a Kafka diz respeito, abomino o estilo embora lhe reconheça o crédito. É o único autor que me desperta vontades animalescas de lhe bater e deitar a língua de fora. Aquele conformismo irrita-me sobremaneira. Reconheço que retrata uma época e uma sociedade específica, reconheço que desperta o pretendido mas detesto e prefiro ler a Bíblia 256 vezes a pegar novamente em Kafka. Só lhe li o Processo e Metamorfose e estou em crer que ganhei um lugar no céu.
ResponderEliminar(há de reparar que, en passant, deixei passar o principal)
En un lugar de la Mancha, de cuyo nombre no quiero acordarme, no ha mucho tiempo que vivía un hidalgo de los de lanza en astillero, adarga antigua, rocín flaco y galgo corredor.
ResponderEliminar(e a beleza de quem corre atrás dos sonhos ilumina os nossos olhos e tudo se torna tão simples: não há vento maior que o amor)
Maria Helena
Saramago, sempre o sr. Saramago.
ResponderEliminarMas e aquela coisa de ser generoso e fazer um bocadito de serviço público, dando sugestões de aquisições agora para a feira do livro? isso é que era ser um Amigo dos grandes.
e já agora, diga lá a quem não é da capital e tira dias de férias de propósito para ir à Feira do Livro da sua terra (eu, claro está) há ou não uma hora em que os Luvros são mais baratos?!
agradecida
nb
O parágrafo da Bíblia, claro!
ResponderEliminarOlha! Fui teletransportada para o "Elo mais Fraco" e acertei em todas. Havia prémio?
ResponderEliminarO primeiro parágrafo favorito do Pipoco é... Dickens, A Tale of Two Cities? Não sou apreciadora do senhor, mas ele sabia começar as suas histórias.
Os primeiros parágrafos para mim são como a prancha de três andares numa piscina. A sensação pode ser magnífica, a vista pode ser deslumbrante e podemos ter tudo para nos sentirmos bem.
ResponderEliminarNo entanto, só vamos saber se valeu a pena quando saltarmos e chegarmos lá abaixo.
Lista "politicamente" correcta... Reconheci todos.
ResponderEliminarEu sei que já venho tarde, mas gostei muito do primeiro parágrafo do livro que estou a ler: "Deus criou o mundo em Vila Nova de Gaia, numa tarde quente de Maio em 1930. E eu, quando uns quatro anos depois comecei a observar conscientemente a Sua criação, não o fiz como seria de esperar, apenas com os olhos que Ele me tinha dado à nascença, mas quase exclusivmente através de um binóculo."
ResponderEliminarSem querer menosprezar o Tio, o comentário do Mak está muito bom!
GGM um dos melhores de sempre sem dúvida...
ResponderEliminarmas e que dizer de "Nu e cru, eis o fato: apareceu um pênis decepado, em plena Estrada Nacional, àentrada da vila de Tizangara. Era um sexo avulso e avultado. Os habitantes relampeja-ram-se em face do achado."
:)
Linhas Cruzadas