O Micaelis de Sottomayor sabia gerir os tempos, conhecia o efeito dos longos silêncios. Dizia-se que numa ocasião, tinha conduzido o seu velho MG verde de Monte Carlo a Portofino sem trocar uma palavra com a mulher que tinha ao lado, que tinha perguntado "e agora?" a um Micaelis de Sottomayor meditativo, que havia de gerir o tempo de resposta com doze horas de viagem suportadas pelo Requiem de Bach, convenientemente adequado à situação, sempre com os olhos no horizonte, cofiando a barba de três dias e, mesmo assim, não cometendo a deselegância de parecer fugir à pergunta.
O Micaelis de Sottomayor não desconhecia que não há outra forma de assegurar os favores de uma mulher que não seja espevitar-lhe o cérebro, era por isso que se demorava a contar-lhes as histórias dos velhos marinheiros do porto de Hamburgo, convocando-as para o melhor Sepulveda, de como lhes falava das praias da Côte d'Azur, convocando-as para o pior Hemingway, demorando-se a explicar Veneza e elas a imaginá-lo um Corto Maltese com histórias incontáveis.
O Micaelis de Sottomayor tinha lido Cervantes e sabia que aquele que lê muito e anda muito, vê muito e sabe muito é (quase sempre) o escolhido, o que passa por ser aquele que realmente sabe de mulheres.
Ainda assim, o Micaelis de Sottomayor não sabia nada de mulheres.
Não resisti, tive de voltar. Pipoco, devia esclarecer os leitores e contar-lhes que tudo sobre a verdadeira identidade de Micaelis de Sottomayor. O "prolongador" de é, na verdade, a lendária Sherazade.
ResponderEliminarprolongador de histórias*
EliminarNão sabia não... Espicaçar-lhes o cérebro prende-as, mas não as segura...
ResponderEliminarEspevitar-lhes o cérebro às vezes (a maior parte das vezes, temo) é só picar miolos.
ResponderEliminarCredo. Fujam.
Começo a simpatizar com o caro Micaelis, que cedo parece ter compreendido aquela regra de ouro das relações humanas: em caso de dúvida é ajuizado manter o silêncio. E ainda diz o meu caro que ele não compreendia A Mulher...
ResponderEliminarConclusão: viajar com Micaelis ao lado é uma grande seca.
ResponderEliminarHahahahahahahahahahahahahahahahahahahaha.
EliminarO Requiem era extended versícn, por supuesto.
ResponderEliminarAhahah... Sempre atenta!
EliminarTalvez o mal esteja em querer perceber as mulheres: todas, como se alguma vez elas fossem uma coisa una, iguais e repetíveis. Diga lá ao Michaelis para se concentrar só em uma - já agora, na eleita e possível -, talvez seja mais fácil. E falar menos dele e dos livros que não leu.
ResponderEliminarO requiem, o depósito do MG e a bexiga do Micaelis devem ser gigantes. 12horas sem um "tenho de botar gasóile na viatura" ou " vou ali trocar a água às azeitonas".
ResponderEliminar.....e a elegância perdia-se...
EliminarO meu depósito...?
EliminarAté eu me apaixonava por um homem assim. Sobretudo se não soubesse nada sobre as mulheres...
ResponderEliminarMostra-me o que postas, dir-te-ei o que lês.
ResponderEliminarTivesse Micaelis de Sottomayor vivido no tempo dos blogues e tivesse ele próprio sido autor de um, certamente ele saberia fazer perdurar o interesse do seu blogue. Não seria sôfrego, saberia controlar os seus ímpetos, por vezes seria exasperante, faria irritar os seus leitores e isso iria diverti-lo. Teria fama de não ligar muito aos leitores, de não lhes responder às perguntas, mas seria só fama, ele estaria atento, ligaria ao que os leitores iam escrevendo e responderia, mas quando quisesse. Micaelis não gostaria de ser óbvio e então, mesmo quando dava respostas, recorreria a manobras de diversão, era preciso estar-se atento para não encalhar nas ditas manobras. Às vezes Micaelis falaria de mulheres e nessas alturas quereria mesmo falar de mulheres. Outras vezes Micaelis também falaria de mulheres e nessas alturas seria só uma manobra de diversão.
ResponderEliminarEu leria o blogue do Micaelis de Sottomayor e ficaria convencida que ele percebia alguma coisa de pessoas.
(Este comentário é tão, mas tão bom...)
EliminarÓ Cláudia, eu já uma vez comentei aqui no Pipoco que ele não só percebe um bocado de mulheres, como percebe de pessoas, touché. E agora vou fingir que não é óbvio e escrever - com as sobrancelhas arqueadas e a cabeça ligeiramente inclinada - que esse Micaelis blogueiro (bloguista?) anda a sonhar com Lamborghinis roxos, evidentemente.
EliminarÉ muito bom o comentário, é.
Um dia vai aprender!
ResponderEliminarHá quem diga, e eu concordo, que o verdadeiro (e único, mesmo, afirmam alguns) Requiem de Bach, é a Chaconne das Sonatas e Partitas para Violino Solo. A versão para alaúde é das raríssimas ocasiões em que uma transcrição é comparável — se não melhor — que o original.
ResponderEliminarXilre, como se faz isto de linkar palavras nos comentários? :-)
ResponderEliminarUsa-se o seguinte tag:
Eliminar<a href="http://endereçodosítio">Palavra</a>
et voilà...
Disponha.
Obrigada!
EliminarNão diga mais, tio. Micaelis Sottomayor é um agente do MI6, mais propriamente o de código 007 *inserir música de fundo https://www.youtube.com/watch?v=Ii1tc493bZM*
ResponderEliminarA mulher a seu lado é uma espia de olhos amendoados que aturadamente estuda todos os movimentos de Micaelis Sottomayor, em especial o que será que se esconde sob seu turtleneck.
https://www.youtube.com/watch?v=k7rtUG3JM_g
EliminarO Eusebiozinho, sabia gerir os tempos, conhecia o efeito dos longos silêncios. Dizia-se que numa ocasião, tinha conduzido a sua velha charrette de Santa Olávia à Régua sem trocar uma palavra com o cão Sharik que tinha ao lado, que latia em modo pungente a um Eusebiozinho meditativo, que havia de gerir o tempo de resposta com doze horas de viagem suportadas pela Titan de Chopin, convenientemente adequada à situação, sempre com os olhos no horizonte, cofiando a barba de três dias e, mesmo assim, não cometendo a crueldade de acelerar o andamento.
ResponderEliminarO Eusebiozinho não desconhecia que não há outra forma de assegurar os favores de um rafeiro da serra de Aires que não seja espevitar-lhes o cérebro, era por isso que se demorava a chamá-los pelo nome, convocando-os para uma corrida cheia de meninos com o nome Lujin , de como lhes falava dos eflúvios da cartuxa de Parma, convocando-os para Roncesvalles, demorando-se a explicar signos e ele a imaginá-lo um Fyodor com histórias incontáveis.
O Eusebiozinho não tinha lido Cervantes e não sabia que aquele que muito ama e anda muito, vê muito e sabe muito é (quase sempre) o escolhido, o que passa por ser aquele que realmente sabe de cães.
Ainda assim, o Eusebiozinho não sabia nada de cães.
MH