Diz-nos Borges que, ao contrário de tudo quanto o Homem inventou, que são extensões do seu corpo, o livro é assombroso por ser uma extensão da memória e da imaginação.
Se um blogue é uma espécie de livro, então é uma espécie de extensão da nossa memória e imaginação.
Não devia servir para fazer aborrecer pessoas, pois não?
Pois se há memórias e imaginações que causam tantos aborrecimentos, como poderia a coisa ser diferente com os blogs enquanto extensão da memória e da imaginação?
ResponderEliminarMas Cuca, o assombro de Borges era um bom assombro, um assombro positivo.
EliminarEncontrei, finalmente:
EliminarOs meus livros (que não sabem que existo)
São uma parte de mim, como este rosto
De têmporas e olhos já cinzentos
Que em vão vou procurando nos espelhos
E que percorro com a minha mão côncava.
Não sem alguma lógica amargura
Entendo que as palavras essenciais,
As que me exprimem, estarão nessas folhas
Que não sabem quem sou, não nas que escrevo.
Mais vale assim. As vozes desses mortos
Dir-me-ão para sempre.
Jorge Luis Borges, in "A Rosa Profunda"
Livros corpos imaginacoes pessoas extensoes e blogues podem aborrecer. Pessoalmente ando aborrecida desde ha anos e a culpa e toda minha.
ResponderEliminarFerroada subtil, adoro.
ResponderEliminarA política também é uma extensão da nossa imaginação, porque não quero imaginar o Marques Mendes ou a Manela Ferreira Leite como uma extensão do meu corpo.
ResponderEliminarE, resumindo, aquilo só serve para aborrecer as pessoas, que mesmo assim teimam em criar partidos políticos todos os dias.
É escolher o melhor partido, mudar de partido, ou desistir da carreira política.
Falávamos de livros, Uva. E de blogues, como uma espécie de livros. Que lhe parece?
EliminarParece-me isso que acabei de dizer metaforicamente sobre política.
EliminarMas pode ser só na nossa imaginação. Pode ser que o aborrecimento esteja em nós, e que afinal aquilo é muit(a) bom, e só nós é que não vemos.
É escolher o melhor partido, mudar de partido, ou desistir da carreira política.
Na política como nos blogues, nos blogues como nos livros, nos livros como nos lagos.
O meu ponto é que os blogues podem e devem ter alguma nobreza, afinal trata-se de escrever e a escrita (os livros, segundo Borges, os blogues, digo eu) é uma extensão da nossa imaginação e da nossa memória.
EliminarNem todos os que escrevem são nobres, e nem sempre nobre é a escrita.
EliminarSe a nobreza da escrita, mesmo que nobre, for posta ao serviço da hipocrisia, então o blogue, que continua a ser um blogue, perde a nobreza.
Alguns blogues que de nobreza escrita não têm absolutamente nada (se é que me faço entender) podem ser nobres através e outras coisas como por exemplo a nobreza dos outros, ou através de nobres imagens, que não obrigam à escrita. O meu ponto é que nem só na escrita radica a nobreza. Os blogues serão nobres à sua maneira e a nobreza que lá está ou não, está nos olhos de quem a vê. Conheço poucos nobres blogues, além daqueles que se dedicam à nobreza da escrita, per si.
O blogue também pode ser só uma extensão da nossa estupidez atual, sem memória e sem imaginação, o que refuta Borges.
Eu hoje estou positivo, Uva. E apetece-me pensar como está no post. E em me apetecendo...
EliminarEu também estou positiva, Pipoco. E longe de mim impedir-lhe os pensamentos.
EliminarResto de boa noite e continuação de bons e produtivos apetites.
Dê um abraço meu ao Borges.
Uva 4-Pipoco 0 !!!
EliminarUm blog (os blogues) não é uma espécie de livro. Mas pode ser, ou não, uma espécie de extensão da imaginação, ou memória, ou ego. Mas nunca os vi como uma espécie de livro, cruzes. Ou então será daqueles muito fraquinhos, com capas de design piroso e duvidoso e, ocasionalmente, envoltos em saquinhos de tule e purpurina. Pulp fiction, auto ajuda, folhetim, noir, também. Entretém, não deixa grande memória nem reflexão, nem chateia para além de certo limite. O blog será uma espécie de livro no mais efémero que este possa ser. Só.
ResponderEliminarAdmito que considerar um blogue como uma espécie de livro é meio atrevido. Mas as palavras escritas não deviam servir para aborrecer pessoas,
EliminarAs palavras não aborrecem as pessoas, as pessoas é que se aborrecem com as palavras ;) a escolha é nossa. Às vezes é bom que se aborreçam, outras é preciso; continuar aborrecido para além disso é, mesmo, uma escolha.
Eliminar(Mas se falarmos de provocar e indignar, as palavras também servem para isso, e ainda bem. Não há nada mais aborrecido e inútil que a escrita inócua.)
Caro Pipoco,
ResponderEliminarSe nem todas as memórias são boas e nem todas as imaginações cândidas, os livros não serão todos idílicos. Ainda que pressupondo a razão de Borges, nada lhe encontro que pregue a irmandade-amiga. Aliás, não há cutelo nem foice que corte como palavras.
(Blogues são blogues.)
Um abraço,
Outro Ente.
E por que será que eu aposto que está metade da blogosfera agarrada ao monitor, à espera do próximo comentário?...
ResponderEliminarPipoco, tiro-lhe o chapéu. (de luva branca)
Sabe qual é que eu acho que é o problema, é precisamente o facto dessas palavras escritas, serem escritas por pessoas. Nos livros, provavelmente a imaginação sobrepõe-se à memória, nos livros as pessoas podem enfeitar-se, envergar o seu melhor fato, o livro tem uma duração e pode ser revisto, melhorado, apagam-se as coisas que podem aborrecer, olhe Pipoco podemos dizer que no livro quem escreve pode ser do princípio ao fim o peixe colorido, usando aquela imagem sua, no livro o peixe pode anular todos os seus tons de cinzento, podemos dizer assim?. Nos blogues, provavelmente é o factor continuidade que inquina tudo, as pessoas vão sendo e vão escrevendo e o colorido anda a par com o cinzento, a obra não está fechada e nesse caso o ser e a memória, provavelmente, sobrepõem-se à imaginação e às vezes, desculpe-me a expressão, lá se borra a pintura toda, vai-se o colorido que atrai e fica só o cinzento e as pessoas, sabe como nós as pessoas somos às vezes não é? aborrecidas e ainda para mais aborrecemos os outros, se era melhor que assim não fosse?, claro que era Pipoco, mas eu bem digo, que isto dos blogues é como isto da vida, mas o Pipoco não acredita.
ResponderEliminarPerdidos no dualismo? A imaginação é uma extensão do corpo. A forma é conteúdo. Os sistemas são realimentados num laço interminável.
ResponderEliminarSão as pessoas que se aborrecem umas às outras, corpos roçando-se, desconfortáveis, nestes autocarros demasiado apertados, pouco ar puro, janelas sempre fechadas.
Somos uma tribo estranha, excessivamente concentrada na auto-satisfação para recordarmos o que quer que seja que desapareça alguns segundos do nosso campo de visão.
Aborrece-me que esteja a passar o Argonauta e o TuneIn me diga que é o Aqui Jazz. Aborrece-me nunca ter tido a satisfação de saltar de paraquedas ou de conduzir um superdesportivo. Aborrece-me que um Poeta morra. Um rei morre e logo outro toma o seu lugar. Um Poeta morre e deixa apenas a solidão das suas palavras.
Há blogs-livros, há blogs-álbum-de-fotografias, há blogs-divã-do-psicanalista... e todos vão sofrendo mutações. Há dias em que os visitamos e já não são os mesmos. Há dias em que abrimos o nosso blog e parece-nos de outra pessoa... o melhor é não levar isto muito a sério.
ResponderEliminarhá blogues que não são folhas de papel, são megafones, extensões do corpo.
ResponderEliminarO blogue é sobretudo um diário, e um diário aberto. Se pegarmos no diário de Virgínia Woolf , no de Pavese, ou no de Miguel Torga, encontramos diários completamente diferentes, mais ou menos intimistas consoante o carácter e a vivência de cada um, mas todos com direito aos dias cinzentos. A grande diferença para os blogues, é que esses diários em muitos casos só puderam ser lidos (e por vontade do próprio escritor) após a sua morte, enquanto um post se submete à apreciação do público no segundo a seguir a ser publicado. As potencialidades dos blogues são enormes, e exactamente por não se tratar de uma publicação em papel, podem ter imagens, vídeos, música, transcrições de autores consagrados, e links, para além do texto. O que não deviam era, de facto, servir para aborrecer as pessoas. Nisso não posso estar mais de acordo consigo, e com Borges, que teve a sorte de não ter que conviver com "esse" aborrecimento.
ResponderEliminarUm blogue é um Diário?
EliminarMuito me diz e muito fiquei a saber. Olhe que os da Gindunga, A Lady que Pina, A Tara Excluída, O Doce da Bifana, entre outros são cá uns Diários exemplares de bom gosto sem contestações.
Com letra maiúscula, sim. Não conheço nem esses, nem outros, tento só ler os que não me aborrecem. Esses parecem não fazer parte do assunto que foi debatido; aborrecem? Eu não vou aborrecê-los, de certeza.
EliminarTenho estado aqui a pensar que sendo o seu post (várias vezes por si dito) sempre o mesmo ( & variações, está bem), então o seu blog nada deve à memória ou imaginação. Uma cábula para memorizar as linhas gerais e um pouquinho de virtuosismo para os arranjos. Que diz Borges ?
ResponderEliminarBorges, a esse respeito, é omisso.
EliminarJá eu, confirmo, nada de especialmente genial, a espaços uma ou outra boa ideia, de resto o suficiente para manter os níveis mínimos. Ainda assim, conto consigo, sua resistente...
E pode contar mesmo. Resistente assenta-me tão bem que tenho que considerar escolha genial.
Eliminar(não sabe quem eu sou, pois não ? )
O meu amigo vai ter de me desculpar a ousadia, bem sei que a casa é sua, mas explique-me, por favor, por que razão um anónimo pode escrever 4-0 e o outro não pode escrever 0-4?
ResponderEliminarO 4-0 pretende dar destaque a uma comentadora deste blogue.
EliminarO 0-4 não.
Talvez seja no limite, mas estamos em tempos de tolerância zero.
Caramba... e eu a julgar que se apreciava a franqueza nos comentários.
EliminarAprecio, desde que sejam acintosos apenas para mim.
EliminarEntendo, quer ficar com a piada toda para si, rir-se, enquanto lê o ácido que lhe cospem nesta caixinha...
EliminarSério? Tão preocupado em não deixar passar comentários acintosos, a menos que para si, e ainda assim deixa. Dado que estúpido não é, isso faz do homem exactamente o quê?
Eliminar(e não se incomode que não carece de resposta)
Sempre para a diversão!
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