No início o Bruno era só como aquele tio desbocado que todas as famílias têm, uma mistura entre inconveniente e maçador, desses que dizem demasiadas palavras para explicar uma não-coisa, nós tolerávamos o Bruno, apesar de nos ter trazido Jesus, apesar daquele ar de quem levou muitos carolos na cabeça quando andava na primária, apesar daquele jeito enfatuado com que tirava e colocava os óculos, apesar dos saltinhos desengonçados com os jogadores suplentes sempre que o Sporting marcava um golo, o Bruno lá nos dava um par de alegrias, o hóquei em patins numa semana, o voleibol na outra, enfim, não seriam coisas com que pudéssemos aborrecer à segunda feira de manhã os amigos com menos gosto que nós na hora de escolher a equipa do coração, mas sempre nos divertíamos com as pequenas bizarrias do Bruno, sempre podíamos escalpelizar os problemas de carácter, sempre nos fornecia tema para umas gargalhadas.
Às vezes os tais tios desbocados que todas as famílias têm, enchem-se demasiado de si, são pequenos nadas, um dia rimo-nos por delicadeza de uma anedota de que já conhecemos o final e eles crêem dominar a arte do humor, acreditam que lhes está a passar ao lado uma carreira, noutro dia, para abreviar uma conversa, concordamos com eles num ponto menor, desses que tanto podia ser assim como de outra maneira qualquer, e logo eles se imaginam influenciadores de opinião, e um dia, quando menos esperamos, o tal tio desbocado que todas as famílias têm, toma conta da conversa na sala e damos por nós a discutir capas do correio da manhã, diz-nos como devemos beber o nosso gin e damos por nós a beber Gordon's com má água tónica e vegetais a boiar no copo, toma conta da nossa cozinha e damos por nós a ter à nossa frente sardinhas com batatas fritas.
E um dia, depois de o avisarmos um par de vezes, aborrecemo-nos de vez com o tal tio desbocado que todas as famílias têm, pegamos nele por um braço, delicadamente e levamo-lo lá para fora, para as traseiras, fechando a porta à chave, assegurando-nos que não nos aborreça mais e ele, o tio desbocado que todas as famílias têm, há-de dizer uns palavrões, há-de recordar-nos o que fez por nós, há-de ameaçar-nos com uns amigos muito grandes que ele conhece.
Mas nós já não o ouviremos.
...fico a pensar se será, então, genético, isto do pedantismo...
ResponderEliminar(não confundir com predatismo, essa sim característica que a natureza dita, sobejamente conhecido como presente, por exemplo, na família dos felinos, leões incluídos)
ResponderEliminarE, ao que parece, nem sequer vai tentar arrombar a porta das traseiras. E digo isto sem recurso ao estilo ambivalente das letras de Quim Barreiros, atenção!
ResponderEliminarA grande pergunta é; depois da saída de cena de Bruno, o que será do humor nacional no futuro? Estou deveras preocupado.
tio, nem todas as famílias têm um tio assim..."deslocado". Eu não lhe chamaria desbotado, mas sim mal criado, mal formado. Eu não desejaria um tio assim, nem para o meu pior inimigo.
ResponderEliminarvw a drago