Se me apetecesse invocar as minhas memórias mais distantes, e dá-se o caso de apetecer, aparece-me Enid Blyton e as aventuras dos Famosos Cinco, do Clube dos Sete, do Mistério, essa colecção que tanto fez pela autoestima dos que tinha índices de massa corporal acima do aceitável. Enid Blyton veio antes de tudo, só depois fui apresentado à grande literatura mas já era tarde de mais para me afastar dos livros (foi por pouco, o meu tio Bentley de Vasconcellos ofertou-me Eça no dia em que a minha idade passou a ter dois dígitos).
Depois foi o tempo de me ser apresentado outro conceito estranho, o dos livros que chegam a nossa casa sem termos que fazer nada por isso e nem sequer era o nosso dia de aniversário nem o Natal. Eu, que sabia que para chegar aos livros tinha que procurar bem às terças e aos sábados de manhã na Feira da Ladra, que tinha que gerir a ansiedade até Junho, que era o tempo da Feira do Livro, ou tinha que juntar as economias e ir à Bertrand ou à Barata, tudo processos que implicavam que eu fosse ter com os livros, tomei conhecimento do facto do meu vizinho da rua de cima ter um processo diferente, os livros vinham ter com ele, o processo chamava-se Círculo de Leitores. Fascinei-me até ao dia em que percebi que os meus livros eram melhores que os dele, apesar de os meus não falarem tanto de ciências da mente nem terem tantas fotografias de maravilhas do mundo.
A seguir foi o tempo da promiscuidade, de não ter critérios de selecção definidos, de privilegiar a quantidade à qualidade. Não foi só com os livros e foi um tempo bom. Razoável, vá...
(continua mais tarde, entretanto mandaram-me desligar os equipamentos electrónicos)
Eu não gostava de Enid Blyton, eu gosto de Enid Blyton, e até chegar a Lisboa aos 23 anos e descibrir uma banquinha no Príncipe Real com livros a 100$00, tive, primeiro, que aguardar pelos livros que a mãe oferecia quando ia à vila, depois quase ao mesmo tempo pelos que vinham trimestralmente do círculo de leitores e mensalmente da "Biblioteca Itinerária Calouste Gulbenkian"
ResponderEliminar1. Eu tive a sorte de nascer menina e por isso além desses também tinha só para mim as gémeas no colégio de Santa Clara e o Colégio das 4 torres.
ResponderEliminar2. Sobre os Cinco: http://mag.sapo.pt/showbiz/artigos/75-anos-de-os-cinco-e-nascimento-de-enid-blyton-celebrados-com-exposicao-em-lisboa?utm_source=facebook&utm_medium=Web&utm_campaign=sapo_rs
3. Lá em casa também se recebia o círculo de leitores e o meu pai fartou-se de comprar livros por essa via, acho que nos últimos tempos comprava mais para ajudar do que por outra coisa qualquer.
4. São dele, do meu pai, as obras completas de Eça de Queiroz, que mandou encadernar com capas duras e verdes antes que se desfizessem, ainda são escritos em português antigo.
5. No caso, não precisei de me incomodar, os livros já estavam lá em casa quando nasci e foram sempre aparecendo. Os meus pais são os dois leitores e de nós os 4, eu e o meu irmão mais velho seguimos-lhes os passos, ambos leitores vorazes.
6. Gastei, e gasto, fortunas em livros. Quando voltei do Brasil, com cinco volumes no porão do avião, depois de cinco anos a morar em SP, três desses volumes eram de livros. Toda a minha biblioteca de Psicologia veio do Brasil. No pequeno tugúrio que habito, mal tenho espaço para a ficção, dando-lhe apenas uma pequena prateleira de uma estante quadrada (o resto está em casa de mamãe, fora as quantidades absurdas que doei). A de baixo está reservada aos livros de escrita e a estante da loja sueca de móveis que nem para a lareira serve contempla a psicologia, a mitologia e o jornalismo literário, onde se incluem as biografias. Os livros, e guias, de viagens já tive de mudar para outras paragens. Adoro guias de viagens, de preferência Lonely Planet.
7. Gostei muito desde bocadinho.
Bonito bonito era uma referência ao Noddyzito.
ResponderEliminarAs minhas memórias mais distantes são na cama de grades, muito antes de saber ler e da fase de Enid Blyton.
ResponderEliminarjá não é, pois, do tempo das seleCções do readers' digest...
ResponderEliminarAinda guardo em casa dos meus Pais a coleção das "Aventuras dos Cinco". O meu declínio começou quando William S. Burroughs me foi apresentado; ainda procurei redenção em Kafka e Bret Easton Ellis, mas já era tarde demais.
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ResponderEliminar"-Chamo-me Frederico Justiniano Trotteville" (...) "O rapaz observou os outros. - Ora muito bem. Podem chamar-me Frederico Justiniano.
Os pequenos desataram a rir, pois achavam aquele nome muito comprido e ridículo, de mais a mais pronunciado pela voz arrastada do rapaz. Mas no fundo concordaram que um nome pomposo lhe assentava bem.
- Parece-me que é mais fácil chamar-te apenas Gordo - disse de repente Filipe, dando uma gargalhada.
Frederico Justiniano começou por se mostrar zangado, mas depois riu-se.
- Realmente sou bastante gordo, não sou? - disse ele. - Tenho um tremendo apetite e acho que como demasiado.
- Coitado do Gordo! - exclamou a Guida, com simpatia.
Frederico Justiniano suspirou. Já sabia que a partir daquele momento só o tratariam por Gordo. No colégio já fora o Chouriço e a Salsicha. Agora, durante as férias, teria outra alcunha no mesmo género."
E fanzines, ninguém lia, ninguém comprava, ninguém tem saudades dos fanzines e rituais associados à respectiva aquisição?
ResponderEliminarclaro que sim a isso tudo. a gente não reconhece é o nome que lhe dá.
EliminarEu era mais revista Mad, Groo o Errante, Lucky Luck, Asterix, Hagar, o Horrível, Recruta Zero um pouco mais tarde Chiclete com Banana... não era leitor de 5 ou 7 nem 4.
EliminarLady Kina eu lia o "Chiclete com Banana", ao mesmo tempo via "O Couraçado Potemkine", de Sergei Eisenstein. Incoerente? Completamente.
ResponderEliminarChiclete com Banana, era tão bom! Comecei por ler num jornal, seria o Diário de Notícias ou Público?
EliminarEu comprava mesmo as revistas. A Rebordosa mudou a minha vida para sempre(de uma forma estranha e irreversível).
EliminarBentley de Vasconcelos, ca cromo! E o outro tio, o Jaguar de Menezes?
ResponderEliminar"Colégio de Santa Clara" e "Colégio das Quatro Torres" forever! Foram responsáveis por desmistificar a ameaça "Vais para um colégio interno!", com um suspirado "Siiiiiiim!".
ResponderEliminarEu também era mais do "Colégio de Santa Clara" e "Colégio das Quatro Torres"... um pouco depois da "Patrícia" - o que eu adorava! Devorava os livros e tenho a coleção quase toda!
ResponderEliminarEnquanto houver uma colecção em que o protagonista seja vulgarmente conhecido por 'O Gordo', independentemente do seu apelido de boas famílias, a minha preferência fugirá sempre do heróis mais mainstream da autora para defender este obeso intrépido.
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