01 agosto 2015

As coisas são como são

Podíamos ser uma sucessão de acasos, de improbabilidades estatísticas, se Plutão alinhar com Capricórnio quando a terceira lua de Saturno estiver no zénite de Leão, podíamos ter ouvido o Barco Negro de Amália, a mais bonita das canções de amor, num walkman, estendidos nas areias de Patmos, podíamos ter combinado encontros em Atenas, tu chegada de Lisboa, eu de Salzburgo e chegarmos à mesma hora, podíamos ter mergulhado juntos numa gruta submarina em Porto Santo e num barco afundado em Cabo Verde, podíamos ter-nos perdido nos Picos e ainda assim estar tudo bem, podíamos ter apostado tudo numa ideia, uma vez, outra vez, mais uma vez e ter resultado sempre, podíamos entender-nos só com um olhar, um franzir de sobrolho significaria que estava na hora de saírmos desses jantares onde terias que me acompanhar e estaria na hora de descalçar os sapatos, um gesto de mão significaria que o meu estado de alma pedia poucas palavras, podíamos ter histórias de filmes que nunca viste porque adormeceste antes do genérico, eu a afagar-te o cabelo, poderia ter-te dito que é um rapaz, a minha posição privilegiada permitiria dar a notícia em primeira mão, poderíamos ter subido a montanhas, nadado em lagos alpinos, dormido ao relento, adoptado cães e gatos e coelhos, eu fazendo de conta que não há nada mais confortável que fatos italianos e gravatas francesas, tu sabendo que nada me regala mais que uma t-shirt e umas botas de montanha, podias ter acreditado em mim mais do que eu próprio (e como isso é quase impossível...).

Podíamos ter tido tudo isto. E tivemos.

11 comentários:

  1. Anónimo1.8.15

    Felizardo!

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  2. Anónimo1.8.15

    Aqui está o velho Pipoco! Este sim, deste é que eu gosto, do Pipoco delirante que nos faz viajar....

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  3. congrats on the poetry, a man without poetry is a dead man <3

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  4. Anónimo1.8.15

    Nunca duvidámos. Pipoco é de milho rei, é diferente das outras variedades.
    Muita felicidade.

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  5. Anónimo1.8.15

    Ei-lo de volta, o nosso querido Pipoco..... com toda a sua sabedoria, fantasia e petulância. És o maior, Pipoco!

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  6. Anónimo1.8.15

    ...as coisas são como são, e às vezes parece que são, mas não sei se são, ....parece um post a quatro mãos.

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  7. Cláudia Filipa1.8.15

    Às vezes, reconheço em mim a arrogância de estar convencida de que percebo, porque é que certas coisas passam a ser de certa maneira, refiro-me à opção pela "beleza do efémero".
    Regresso e não tenho, aqui, leitura para pôr em dia, só a leitura do dia. No entanto posso muito bem ter tido a oportunidade de ler o melhor post da semana, há uma forte probabilidade de. E também tenho para mim, que este post só existe hoje, porque amanhã já não vai cá estar. Acho que gosto da "beleza do efémero".

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    Respostas
    1. verdade, há uma certa liberdade na beleza do efémero :)

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    2. Anónimo1.8.15

      Uma liberdade, também penso que sim, libertação talvez, mas ao mesmo tempo uma tristeza.
      Pode ser que o Pipoco nos surpreenda com outra surpresa.

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  8. Anónimo1.8.15

    Podíamos ter tido. Tivemos. Já não temos? Gabo ao tio o saborear da memória mas não se alimenta de memórias, pois não? Eu não me alimento de memórias mesmo quando estas são o único lugar em que tenho o privilégio de me ser. Tenho paisagens inteiras delas e eu fico-me na serenidade só possível de quem deu até ficar vazio.

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