31 janeiro 2015

Nunca estive em Auschwitz, mas já estive em Dachau

Houvesse uma escala para medir a tristeza e eu diria que o momento em que me senti mais triste foi em Dachau, talvez o grau zero da tristeza aconteça quando sabemos não haver um amigo, um Deus ou uma lei que nos possa valer.

15 comentários:

  1. Eu estive em Buchenwald. Nunca mais esquecerei, o frio, o silêncio, as lágrimas mas principalmente o frio. O grau zero da tristeza, sim. Muitos abaixo de zero de frio, um frio que vinha de dentro da alma.

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  2. Eu nunca estive em Dachau mas já estive em Auschwitz. Pelos vistos o sentimento é o mesmo, só muda a localização!

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  3. Não estive nem em Auschwitz, nem em Dachau. Estive em Mauthausen e, tirando um outro momento da minha vida, nunca o ar me pesou tanto.

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  4. Na "segura" distância temporal e geográfica, sabe o que mais me repugna neste assunto? O entertainer turístico em que se tornaram esses locais de grau zero de tristeza, como lhe chama, para tanta gente, que vai pela selfie e pelo "estive cá, smile". A leviandade, a banalidade (como bem dizia Hannah Arendt) com que encaramos o mal (dos outros). Trincamos bolachas, apontamos a merda da Canon e zás! somos turistas num (ex) campo de concentração! Não me leve a mal pelo uso do plural majestático, mas neste assunto acho que todos temos a nossa cota parte de culpa. Visitar locais de sofrimento em turismo, ainda que com a melhor das intenções, leva-me sempre a pensar quão abjectos nos podemos tornar, quão insensíveis, tentando lamentar o que diariamente, noutras realidades, nem ligamos. Tentando não esquecer que é possível tamanha chacina. É e continua a ser. Alguém procura viagens para a Nigéria? Há aldeias recém-dizimadas, quase deve dar para cheirar os corpos carbonizados. Algum de nós quer explicar aos nossos filhos o que é o Boko Haram? Ou os únicos fantasmas que podemos perseguir são os que já estão mortos?
    Perdoe-me o azedume, nada tenho contra o seu post.

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    1. É um comentário interessante, daqueles que têm uma parte com a qual concordo e outra com a qual não concordo de todo. A última vez que estive em Dachau, é verdade que já se terão passado quinze anos, ainda era o tempo em em não havia redes sociais nem telefones com câmaras fotográficas, o que mais me impressionou foi o silêncio e a inexistência de merchandising. Lembro-me de ter procurado um sítio onde se tomasse café e não haver. Dachau era aquilo, apenas um guia que nos contava em voz baixa o que estava diante dos nossos olhos e silêncio.

      A parte com qual concordo é que sim, estamos insensíveis ao que está acontecer aqui e agora, talvez tão insensíveis quanto os que viram Dachau acontecer diante dos seus olhos.

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    2. Bem sei que extrapolei de um caso concreto, o seu, que desconheço, para a crítica ao geral, e possivelmente não o fiz da melhor forma. A minha crítica não era para si, em particular, mas para todos e cada um de nós.

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    3. Estive em Auschwitz em 2012 e não vi ninguém tirar selfies nem sequer a esboçar um sorriso para uma fotografia.
      Mas posso ter tido sorte no grupo que apanhei...

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    4. Ah, e não acho que seja uma visita em turismo, como diz. É algo que faz parte da nossa história, é um marco. É tão legitimo ser visto como qualquer outro pedaço da história do mundo.
      Quando entro num museu, por exemplo, não o faço propriamente por turismo...

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    5. Relativamente ao tema das selfies em situações/lugares inadequados, deixo-lhe um artigo do New Yorker que, penso, valer a pena. Obviamente que não fui eu a primeira pessoa a levantar a questão da banalização dos horrores humanos, através das redes sociais. Se tiver curiosidade, basta googlar o tema.

      http://www.newyorker.com/culture/culture-desk/should-auschwitz-be-a-site-for-selfies

      Quanto ao seu segundo comentário, eu não comparo lugares onde milhões perderam as vidas com lugares onde se guardam objectos representativos da nossa história. Não os vejo por igual. Visito museus por lazer ou em trabalho, coisa que não consigo fazer por locais onde decorreram chacinas, especialmente numa distancia temporal tão curta.

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    6. Deixo apenas mais um artigo, este em português:

      http://oglobo.globo.com/opiniao/selfies-em-auschwitz-15205725

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    7. Não estava a comparar museus a Auschwitz. Era um exemplo.
      Eu compreendo o que queria dizer, mas eu não senti nada disso na minha visita.
      Lamentavelmente aquilo é um pedaço de história. Morreram milhares mas não faz disso menos história ou local que se deva, em podendo e querendo, visitar.

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  5. Estive em Auschwitz. Reservámos o penúltimo dia da viagem para essa visita porque imaginávamos que nos "impressionasse". Ainda bem nesse dia e no do embarque de regresso a Portugal, pouco mais falámos do que o essencial. No dia seguinte ainda sentia o cheiro dos pavilhões, aliás, consigo senti-lo ainda. Uma espécie de criolina com madeira. Como ainda sinto as centenas (milhares?) de olhos fixos dos prisioneiros cujas fotografias enchiam as paredes de um dos pavilhões. Mais que tristeza profunda, assaltou-me a culpa, pesada e avassaladora. Ali correu-me a vida em frente aos olhos, como dizem que corre nos segundos antes de morrermos. Não gostei do que vi, egoísmo, capricho, intolerância... A culpa persiste, o egoísmo, capricho e intolerância, também, mas em menor grau, não tenho dúvidas.

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  6. Há, para mim, uma questão importante, que raramente vejo abordada: a partir de que escala o horror é O horror? Será o sofrimento de um ser humano, serão mil, será um milhão? Vejo que agora se consideram setecentas mortes nos hospitais (por presumível incúria) como um número "normal". Como é "normal", já não nos comove. Por todo o lado se multiplicam "campos" de sofrimento e morte de pessoas -- mas como atingiram a "normalidade" burocrática, institucionalizada, deixaram de ser dignos de nota, tornaram-se rotineiros. O sinal mais alarmante do retrocesso civilizacional é a banalização do sofrimento de outrem. Os grandes genocídios, dos da Turquia na Arménia (há um século) aos do Boko Haram na Nigéria, são perpetrados por gente comum, para quem ver outros sofrer, fazer outros sofrer, se tornou igualmente comum. E devia fazer-nos pensar quando já só nos impressionamos com números de quatro, cinco, seis dígitos (porque os de três, como os dos hospitais, já não o fazem). Devia mesmo.

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  7. Não estive em Auschiwtz nem em Dachau mas estive em Natzweiler-Struthof e a sensação pelo que li aqui é a mesma independentemente do Campo de Concentração.
    Não é uma visita turística, é uma visita cultural e das "pesadas". Eu acho importante visitar esses locais de "horrores" para percebermos o que o ser humano é capaz de fazer e o que nunca se deverá repetir, mas que infelizmente se repete diariamente em várias locais do Mundo.
    Quanto às pessoas que tiram selfies, são com certeza um tipo de pessoas específico e muito mal formado, porque nem eu nem ninguém que foi comigo pegou sequer numa máquina ou num telémovel.

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  8. Estive em ambos. E não foi em turismo, foi antes em peregrinação (a viagem à Polónia tinha Auschwitz como destino único, fiquei quatro dias em Cracóvia e nem sequer fui a Varsóvia).
    Só substituiria o substantivo tristeza por angústia.

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