29 janeiro 2014

Muitos anos depois, diante do pelotão de fuzilamento, Pipoco Mais Salgado havia de recordar aquela tarde remota em que aprendeu a cozinhar

Dos dias felizes, um dos mais empolgantes foi aquele em que interiorizei que detinha os saberes necessários para cozinhar, eram os dias em que repartia casa com um velho caçador que me iniciou no admirável mundo das várias formas de cozinhar coelhos e perdizes, explicando-me, com infinita paciência, os tenebrosos rudimentos de cozinhar um arroz branco a acompanhar bife grelhado, no início o meu único foco era dominar os princípios básicos da arte, para poder dispor de recursos adicionais, que até esse dia eram desbaratados em contas de restaurante, que me proporcionassem, numa perspectiva de médio prazo, poder manter uma garrafa de gin com o meu nome escrito no rótulo, no meu bar de referência à época, mais tarde, mais ainda num tempo em que me encontrava disponível para o mercado, compreendi que saber cozinhar me dava poderes especiais e vidas extra na relação com as mulheres, é certo que seriam menos poderes que o saber como fazê-las rir, mas não é menos certo que eram mais poderes que um abdómen perfeito proporcionava aos meus iguais, o resto da história é um refinamento do conceito, um jogo de sorte e azar no arriscar mesclar sabores e texturas improváveis, um trabalhar da confiança que me possibilitava aventurar onde outros jamais ponderariam a sua sorte, a procura da validação externa daqueles que, abnegadamente e com tanta assertividade me tinham dado retorno da mistura vodka, tequilla e sumo de maçã, e agora, num caminho alternativo, me informavam se os revueltos de espargos verdes e farinheira de porco preto resultavam melhor ou pior que o arroz de tamboril com courgetes, na verdade é como na vida, ter mais e melhor informação que os outros, ousar arriscar, insinuar que dominamos a arte, qualquer que ela seja, e, finalmente, não esmorecer quando percebemos que teria sido avisado colocar menos sal.

12 comentários:

  1. estás feito um poeta

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  2. Também recordo o dia em que me pediram para fazer uma canja. Achei que um pacote de arroz seria suficiente. Depois percebi, perplexa, que teria sido avisado moderar um bocadinho a quantidade.

    Vá lá que a vítima foi o meu pai...

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  3. Anónimo29.1.14

    Ulisses ? Sim, não é muito preocupante,haverá muitos blogoleitores consigo.
    Lamborghini Roxo ? É uma marca da Casa, percebe-se a recorrência dos sonhos.!
    Mas o Pelotão de Fuzilamento, recorrente, recorrente...ai que aflição, preocupa muito.e no título, arrepia.

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  4. A cozinha requintada é mais fácil utiliza flor de sal que ajuda a dar aquele toque de beleza!


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  5. É por isso que lebre e perdiz de caça dão tanto trabalho a cozinhar... Os chumbos são o diabo, assim como o sal, conforme a idade avança. Mas o que seria da vida sem sal?

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  6. Anónimo29.1.14

    Ora aí esta algo que não deve ter passado pela cabeça do Buendia. E vai daí era esse o segredo.

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  7. Anónimo29.1.14

    "Sem" anos? Ou é aquilo da cólera?
    (o saber cozinhar não é assim tão importante, já a conjugação dos ingredientes fará toda a diferença....)
    (e isso do sal não é dramático, bebe-se mais vinho, haverá dias em que a quantidade será perfeita, acho que eram os Happy Days, salvo erro na erre tê pê um, domingo à tarde)
    P

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  8. está tudo ligado, é impressionante.

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  9. Um verdadeiro Buendia.

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  10. Maman30.1.14

    Teria sido avisado colocar aqui e ali um ponto final, ou está a treinar uma escrita alternativa ao sem vírgulas?

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  11. Maman30.1.14

    Fiquei a pensar na pontuação e conclui tratar-se de uma técnica para nos deixar sem fôlego .

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  12. Um texto lido num fôlego sem virgulas mas muita arte..depois a flor de sal é sempre mais benéfica porque mais genuína....

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