11 julho 2021

Chegamos sempre tarde à vida das pessoas

"Tentamos mostrar-nos amáveis e gratos e inteligentes, e merecemos uma palmada nas costas - do nosso amor um beijo ou aquilo que costumava vir a seguir a este, ou pelo menos um olhar que prolongue um pouco mais a esperança -, e não percebemos como é que existem indivíduos estridentes ou bisbilhoteiros ou deficientes ou muito limitados que, aos nossos olhos sem merecimento algum, obtém gratuitamente aquilo que a nós nos custa tanta inventiva e tanto brio e tanto alerta. É frequente a única resposta ser o facto de essas pessoas virem de antes, de nos precederem desde há muito na vida do amor ou do amigo ou do mestre; ignoramos aquilo que se forjou entre elas e talvez o ignoremos para sempre; percorreram muito caminho juntas, quiçá sujando-se na lama, sem que nós estivéssemos lá para as acompanhar nem presenciar. Chegamos sempre tarde à vida das pessoas"

In "Assim começa o mal", de Javier Marías

7 comentários:

  1. Chegamos quando temos de chegar.
    M.

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  2. O maior mal, por vezes, é que estivemos sempre lá, como se estivessemos ausentes...

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  3. Cláudia Filipa12.7.21

    "Tentamos mostrar-nos", se não é apenas uma má escolha de palavras, começa logo mal. Dá a ideia de que ser amável, grato se for caso disso, ter brio na relação com outros de quem se gosta, não nos acontece precisamente como consequência de gostarmos, é uma coisa que implica esforço. Não, não será uma má escolha de palavras, afinal, há, nesse escrito, todo um amuo por um tipo de gratificação que não se reconhece "à altura do esforço que implicou tentar mostrar-se";

    A ser assim, não me espanta que os que estavam lá primeiro ganhem. Não por terem chegado primeiro, mas porque, provavelmente, naturalmente, foram construindo o tal caminho juntos, muito provavelmente, porque foram gostando sem esforço e sem estar sempre à espera de gratificações por "esse grande favor" que é gostar do outro.

    E a mim ensinaram-me que quem vem por bem chega sempre a tempo.

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  4. Cláudia Filipa13.7.21

    Aconteceu-me ter ficado a pensar mais nisto e quero partilhar.
    Fiquei ainda mais convicta do que já tinha pensado e escrito no comentário anterior.
    Acredito totalmente, na importância da ausência de "objectivos" no gostar (penso que a palavra "objectivos" faz com que se perceba logo a ideia e facilita-me a vida a escrever).

    E lembrei-me daquilo que se diz como se fosse uma grande coisa "não tenho tempo a perder" como se o tempo que leva a construir qualquer tipo de relação fosse o equivalente à chatice que é esperar numa fila das finanças.

    O factor tempo também será imensamente importante no caso dos que "chegaram primeiro". Terão chegado naquele tempo em que as pessoas "tinham tempo a perder", por isso, foram solidificando, foram adquirindo outra consistência.

    Estou completamente convicta de que encetar qualquer tipo de relação com os outros com "objectivos à partida", as tais expectativas de recompensa/gratificação, e, lá está, ainda por cima, rápido, rápido, é o que inviabilizará a construção do tal caminho percorrido mais todas as cumplicidades que, naturalmente, vão surgindo.

    Com "objectivos à partida", caso esses objectivos não se concretizem, acontece a frustração. No fundo deixa de haver tranquilidade e prazer em usufruir da relação que se vai estabelecendo, passando o foco para "objectivo não cumprido" e consequente amuo, tipo corrida de obstáculos, e será assim que se irá de frustração/amuo em frustração/amuo até à derrocada final.

    Será também a diferença entre aqueles com quem estamos muito tempo sem falar e depois retomamos a conversa como se tivéssemos falado no dia anterior, sem cobranças, a mesma alegria de sempre, as mesmas piadas privadas, o sentimento e a cumplicidade intactos, tudo a renascer em nós de bom em relação àquelas pessoas, e os que cansam com tanta cobrança e, com isso, vão fazendo perder a vontade de qualquer contacto com eles.

    (pronto, agora acho que já pensei tudo o que tinha a pensar relativamente ao sumo desse pedaço de texto. E, um bom resto de dia, se puder ser muito bom, melhor ainda, claro.)

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    1. O ponto de vista do autor era outro, Cláudia Filipa. Aconteceu-lhe chegar demasiado tarde à pessoa que, caso se tivesse cruzado com ela mais cedo, poderia ter sido a pessoa certa. Não aconteceu assim e a vida dessa pessoa entretanto tinha seguido um caminho diferente, tinha construído uma história e quem quer que chegasse chegaria com pontos negativos. Nem sequer era como na história de Cem Anos de Solidão, aqui ninguém ficou à espera de ninguém, apenas se constatou que a história podia ter sido diferente. Mas não foi, as coisas são como são...

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    2. Cláudia Filipa13.7.21

      Muito obrigada pela contextualização.

      (e foi giro ter falado em Cem Anos de Solidão, porque, de Florentino Ariza, lembrei-me eu no seu post anterior)

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  5. Anónimo30.8.21

    *O Amor nos Tempos de Cólera

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