15 abril 2018

Post muito lindo escrito numa manhã em que era para ir andar de bicicleta mas afinal não

Às vezes subo as escadas do sótão, escolho ao acaso um livro que me acompanhe nestes dias de chuva, sento-me com vista para as bátegas grossas que regam a tangerineira que plantei no domingo passado e às vezes escolho um livro comprado há muito num alfarrabista que se calhar já não existe e às vezes o melhor do livro são os sublinhados do antigo dono do livro, por exemplo, os deste Dostoievski são escritos a tinta permanente, há partes em que a página seguinte serviu de mata-borrão, quase me emociono a pensar que pessoa será essa que escreve a tinta permanente em Dostoievski, anotações que fazem tanto sentido que me fazem ler "O Jogador" duma maneira diferente de todas as outras, como se fosse levado numa nova direcção, cada página é uma piscadela de olho de alguém que não conheço, mas que deixou, como se fosse uma pista, um marcador que é um bilhete para "Turandot" no São Carlos, ainda no século passado.

13 comentários:

  1. Eu por vezes não percebo nada dos seus posts, diga-se de passagem, mas que escreve posts muito lindos, lá isso escreve. Gostei particularmente deste, e gostei ainda mais de saber que planta tangerineiras e gosta de ver a chuva grossa regar quem acaba de nascer e pretende dar fruto. Também sou fã dessas coisas aparentemente inúteis.

    (costumo sublinhar passagens dos meus livros a lápis, não sei se é bom se é mau, o que sei é que é interessante voltar ao mesmo livro uns anos depois e tentar perceber por que raio é que sublinhei exactamente aquela frase)

    (herdei um livro de filosofia de um senhor que não sendo filósofo é advogado, ofereceu-me um dia o dito livro, também ele sublinha livros a lápis, eu, antes de me debruçar sobre o livro propriamente dito, primeiro fui passando as páginas só para ler apenas o que estava sublinhado por ele, fiquei a saber mais da pessoa do que a pessoa imagina, li por lá muitos sublinhados em forma de fragilidades, muitos medos disfarçados, coisa inédita num homem que, ainda por cima, exerce a profissão de advogado, ele há coisas...)

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  2. também gosto de livros sublinhados
    bom domingo

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  3. Muito lindo o post...

    Sabe? Comprei hoje, no Continente, ( sem desconto) o romance de um autor do qual nunca li nada antes. É o Pedro Chagas Freitas. O título do livro: "Prometo Amar". Sabe dizer-me algo sobre este escritor?...

    Diz que é um gajo que escreve "cenas". Acha isto normal?
    Estou ansiosa por dar início - e fim - à leitura.
    Tomara não tenha deitado 15,75€, p'rá estante mais distante...
    .

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  4. Anónimo15.4.18

    Pipoco... parece-me que a sua intervenção aqui é muito-quase-urgente...

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  5. Anónimo15.4.18

    Maria Antonieta, ah ah ah ah Pedro Chagas Freitas? Ah ah ah ah

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  6. Anónimo17.4.18

    Pois eu não sublinho os meus livros. Dobro-lhe os cantos. Em cima ou em baixo, consoante estiver mais perto a passagem que me interessa. E a dobra é maior ou menor, consoante o interesse.
    Arranjo assim matéria que inspira para, sem plágio e de forma absolutamente cirúrgica, limpa, redigir bonitos e impressionantes posts...

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  7. “I love inscriptions on flyleaves and notes in margins, I like the comradely sense of turning pages someone else turned, and reading passages someone long gone has called my attention to.”

    ― Helene Hanff, 84, Charing Cross Road

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  8. Cláudia Filipa17.4.18

    É mesmo, o post é muito lindo. Por várias razões. E eu li e pensei coisas, mas, às vezes, guardo só para mim. Mas o post muito lindo continua aqui, bolas para o post muito lindo, vou acabar por comentá-lo. Pronto, vou dizer isto:

    Pensei, o que levará uma pessoa a desfazer-se de um livro que tem todas essas anotações. E, se foi o caso, por que não terá alguém guardado essa herança tão preciosa. (Ainda bem que foi parar a mãos que lhe dão o devido valor).

    Pensei, se, no tempo de Dostoievski, já existissem blogues, teria tido Dostoievski um blogue, e se, sim, os seus contemporâneos, partilhariam com ele o resultado dessa leitura interactiva deixada em forma de anotação nos seus livros?

    Ao mesmo tempo que acho esses achados uma maravilha, não escrevo nada do que penso nos livros enquanto os leio, nem sublinho, nem deixo páginas dobradas, sou uma grandessíssima chata nessa matéria, e o jeito que me daria, se o fizesse, quando me apetece muito voltar a ler uma determinada passagem, mas tenho esta mania de deixar os livros imaculados, com excepção de "uma mácula", adoro quando alguém que me oferece um livro escreve uma dedicatória e gosto de fazer o mesmo.

    Também penso que, tal como diz a Maria Madeira, as anotações e os sublinhados podem contribuir para sabermos mais sobre uma pessoa, afinal, são as peugadas dessa pessoa num livro, será o que mais lhe suscitou interrogações, ou aquilo com que concorda mais, ou o que mais a comoveu, ou isto tudo junto.

    E, sim, um desconhecido pode não nos oferecer flores, mas pode oferecer-nos uma outra perspectiva das coisas.

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  9. Anónimo18.4.18

    Nas palavras do emigrado sr presidente (da república estudantil), diria que o post "é muito bonito" mas incentiva práticas de duvidosa higiene.

    É um pouco como beijar a cruz na Páscoa. Espero que não tenha o estranho hábito de usar saliva para girar as folhas. Muitas coisas em grande têm inícios modestos...

    Não deixo de simpatizar, o calor humano da coisa, o interesse cusco de imaginar aquilo que os anteriores leitores acharam por bem verter para as páginas do livro na eterna procura de compreensão, na falta de paredes para "grafitar". O livro enquanto saco de boxe da mente ágil.

    É aliciante. Uma prática tristemente moribunda com o flagelo do formato electrónico...

    Raios, o meu caro acabou de dizimar as árvores do jardim (eufemismo para "matéria combustível" da fase que já não é charlie, enfim, por estes tempos já ninguém é charlie) e dedicou-se a postar que se não houvesse amanhã?!

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    1. Meu caro, não uso saliva para virar as folhas desde que li "O Nome da Rosa"...

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    2. Anónimo20.4.18

      Aí está, a obra mais pedagógica de sempre, a CR8 das obras, o museu da EDP do coiso de obra, acerca da discutível salubridade do livro usado, ainda que seja pelo prazer apócrifo do riso.
      Além disso, pessoas que escrevem nas margens são gente pobre, sem meios para comprar um caderno, uns post it, adoptar dois gatos, e coiso, parca nos meios mas afoita no sacrilégio de macular a alvura bela da folha amarela. E se o livro é partilhado ainda pior, trata-se de pobre sem respeito pelo pobre alheio. É fugir, esconder as crianças e empurrar os velhos da frente.

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  10. "Quase me emociono"... Ora.

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