01 maio 2015

Dois

À porta do café está agora um homem sempre a fumar cachimbo. Saio do carro e já sei que está ali, chega longe o cheiro adocicado do tabaco. Tem uma boina basca, barba grisalha, umas excelentes botas e veste de preto. Concede-me um leve acenar de cabeça quando o cumprimento, imagino que lamentará os meus sapatos pretos e a minha gravata e o meu ar de quem tem que chegar a horas a sítios. Cachimbos trazem-me à memória Maigret e Magritte, talvez Hemingway tenha imaginado assim o velho Santiago, certamente com umas botas menos boas, talvez fumando charutos em vez de cachimbo mas, na verdade, este homem do meu café fez-me lembrar um homem igual que estava à porta da lavandaria em Poitiers e que fumava do lado de fora enquanto eu esperava que a minha roupa ficasse lavada.

Um dia decidi-me e fiquei também do lado de fora, ao lado do homem do cachimbo. Falámos de livros, quis saber de onde eu vinha e nas vezes seguintes falámos de vinho do Porto e de terras com mais sol que Poitiers, fico sempre a ganhar quando não espero sozinho. Um destes dias não será má ideia tomar o café cá fora e falar com o homem do cachimbo, talvez me conceda mais que um acenar de cabeça, talvez acredite que não sou má pessoa. Apesar da gravata.