11 setembro 2012

Caro Pedro

O meu caro não me terá reconhecido mas eu apresento-me, sou o Pipoco Mais Salgado e faço parte dos cada vez menos que estão a aguentar as pontas disto, não me agradeça, levante-se homem, por favor, temos que ser uns para os outros, não se desculpe, é normal não me ter reconhecido, sim estou mais magro, eu percebo, isto é muita gente e às tantas alguém como o meu caro baralha-se com tanta informação, é da sua natureza.

Saiba o meu caro que eu por cá continuo, sentado à mesa, bebendo um tinto de um ano cá do meu gosto, no final talvez acenda um Cohiba, ainda guardo alguns para o que der e vier. Não pense o meu caro que eu não tenho notado, lá por estar aqui em sossego e com o meu melhor ar de quem está a pensar nas coisas da filosofia e dos discos, não quer dizer que não esteja a interiorizar o que se está a passar, é só uma questão de processar informação e sistematizá-la, sou razoavelmente bom nisso, afinal é a minha vida, ainda é a minha vida.

Saiba o meu caro que cada vez há menos como eu a esta mesa, vão saindo de mansinho, fazem de conta que vão só lá fora fumar um cigarro e acabam por não voltar e eu, que estou habituado a estas coisas, sei que sou eu quem vai pagar a conta de todos, as coisas são como são e o meu caro, que é o dono do restaurante, aliás, tem a concessão, tem que ter as contas a bater certo, o meu caro fica descansado porque sabe que não há problema, eu estou cá para segurar as pontas, não sei se já lhe tinha dito, pode muito bem o meu caro meter como cozinheiro do restaurante aquele seu primo que é muito bom moço, que importa se já há três cozinheiros?, o rapaz merece e é lá da sua criação, e afinal eu pago tudo, a minha vida é isso, pode o meu caro não se preocupar se me servem o que eu estou a pagar, não importa se o chefe de mesa está de olhos na televisão e eu estou a fazer sinal que pode servir os cafés, afinal está a dar a bola e que é isso comparado com eu querer ser servido na justa medida do que pago?, pode o meu caro não se incomodar sobre se não será melhor fazer obras no restaurante, mudar a ementa, sei lá, alguma coisa que faça voltar os que podem pagar, sempre dividíamos a conta por todos e não ficava só eu para pagar tudo, não se mace o meu caro, afinal eu por cá continuo, o meu caro sabe que eu estou cá para pagar e que é só dizer que a conta voltou a subir, as coisas são como são, eu assentirei, que sim, que pode descontar o que tiver que ser.

O problema, meu caro Pedro, são os que foram saindo por já não poderem pagar. Esses estão lá fora e não estão muito contentes, se é que o meu caro me entende. E esses estão a caminho, zangados e com vontade de lhe partir o restaurante, depois as coisas são como são, vão virar-lhe isto tudo do avesso, em calhando ainda são capazes de causar transtorno ao meu caro, às vezes as pessoas organizam-se e é uma maçada, lembre-se daquilo de vestir de branco por causa de Timor ou das bandeiras na janela porque o Scolari pediu, às vezes as pessoas são estranhas e fazem coisas estranhas, principalmente se não tiverem o que dar de comer aos filhos ou se a noite estiver mais frescota ou se o Benfica desatar a perder jogos uns atrás dos outros. Está o meu caro avisado, mesmo podendo sempre contar comigo para pagar o que o meu caro entender, pondere lá isso de os que já sairam da mesa se poderem aborrecer, que isto em as pessoas se aborrecendo às vezes é o cabo dos trabalhos.

Sempre seu, Pipoco Mais Salgado (não me agradeça, que é isso, então? levante-se, não gosto de o ver assim ajoelhado à minha frente)

27 comentários:

  1. Já foi tudo dito. Precisa é de aparecer algo feito. Se o princío é o verbo, então EU serei um dos que no Sábado irei verbalizar. E alto e bom som, porque estou a ver o comunicado do Vítor Gaspar e já adormeci 2 vezes....

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  2. Estou certa de que o Pedro levará em conta tão sábias palavras.

    Eu também continuo sentada à mesa, embora já só beba carrascão, mas, por quem é, mande a conta, eu ajudo no que puder.

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  3. Cohiba? Ai, as coisas que o Pipoco me faz recordar...

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  4. Muito bom meu caro Pipoco!

    Agora só falta mesmo que as pessoas que abandonaram a mesa se revoltem de vez!!!

    Que isto já não há espaço para paciências e vai-se andando...

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  5. Marta11.9.12

    Sempre em grande, caro Pipoco, sempre em grande!

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  6. Anónimo11.9.12

    "assentirei que sim" é pleonasmo, caro sr. Pipoco.

    Está giro o texto. Fica sempre bem um personagem que paira acima da maralha mas que, ainda assim, tem consciência das privações que a assolam.

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  7. Anónimo11.9.12

    Post inteligente !

    anónimo (bem intensionado)

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  8. Anónimo11.9.12

    Pois a mim, burra serei, não me parece nem brilhante nem genial! Concordo que Pedro precisa que lhe digam umas verdades e lhe lembrem que as pessoas podem acordar, unirem-se e começarem a fazerem-se ouvir. O que me faz confusão neste post, caro Pipoco e muito agradecia que me esclarecesse é: QUEM é que está a segurar as pontas?
    Você? O do alto poder de compra? Ou eu a quem tem vindo a ser ROUBADA a capacidade de me sentar na minha habitual mesa?

    Mexilhoa da Silva

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    1. Mexilhoa, sim, sou eu, o que trabalha por conta de outrém no sector privado, o que não tem horários nem doenças nem agenda pessoal, o que não tem direito a subsídios do que quer que seja, o que paga sempre pela taxa máxima, o que só paga e não pode fazer outra coisa que não seja pagar, o que, ainda assim, mantem o carrocel a girar porque é dos poucos que ainda consome (e, consumindo, paga impostos e gera algum fluxo financeiro que gerará mais impostos pagos por quem lhe presta o serviço). Eu sou esse.

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    2. Maman11.9.12

      Desculpem, eu sei que sou Maman,mas os posts de Palmier Encoberto. a Pequeno Pedro. são mais simples e mais claros em todas as vertentes

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    3. Anónimo11.9.12

      Genial o texto! raramente me impressiono, e hoje impressionou-me, não só o texto como a resposta.

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  9. caro pipoco, não fosse a situação tão dramática, até me ria da analogia (que está bem apanhada, sim senhor...)

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  10. Anónimo11.9.12

    Violinos, caríssimo!
    Ser trabalhador por conta de outrém no sector privado não significa não receber subsídios de espécie alguma. Já empresário em nome individual seria outra história. Não tem doenças nem agenda pessoal? Trocou-as pelo alto salário que lhe pagam. ( a ver pelos seus devaneios bloguísticos tem uma agenda pessoal, férias, viagens, enfim..)
    Só paga por que não pode fazer outra coisa? Olhe, afinal somos iguais. Só que eu ganho menos!

    Mexilhoa

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  11. Anónimo11.9.12

    Muito bom e sempre em grande pipoco...subtil mas muito bom

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  12. Genial caro Pipoco. Também ainda faço parte dos que se sentam a essa mesa, mas por este caminho, em vez de pedir Lambrusco, terei de pedir água da torneira. E quando não houver empresas, quando todas já tiverem ido à falência, então também passarei para o outro lado da porta.
    Mas por enquanto vou pagando.

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  13. Anónimo11.9.12

    Palminhas. Excelente. Surpreendeu-me pela positiva Tio Pipoco.

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  14. Caro Pipoco, sempre com a elegância habitual.
    Pena é que nestas situações quem seja menos subtil seja considerado maluco ou xexé.

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  15. Anónimo11.9.12

    Ó Pipoco experimente colocar aqui um burro a cantar onomatopeicamente, vão chover comentários de ovação do tipo 'genial, brilhante' e adjectivos afins... Não vejo tanta genialidade, queira desculpar o meu caro, além de que se paga é porque pode, e se pode, pague!! Quem lhe dera a todos poder dizer isso, pelo que não creio que se possa 'queixar'... se me dá licença, meu caro!

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    1. Anónimo12.9.12

      Se paga, pode? Olhe que não é bem assim. Neste memento, pagamos todos. Não será assim?

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  16. Hoje o senhor não esteve no seu melhor, e sabe-o bem. O texto não foi brilhante,o contexto já está ultrapassado, já houve quem escrevesse sobre o assunto há mais tempo, melhor e mais brilhantemente. Costuma ser duma perspicácia invulgar e duma mordacidade suave, mas contundente. É um mestre na escrita, e é natural que se estranhe, e que este seu texto pareça uma resenha compilada de outras publicações anteriores. Acho só um tanto demérito da sua qualidade literária . Tenho o defeito de ser inconveniente. Muitas vezes. Fazer o quê ??

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  17. Tio Pipoco, Não gosto nada de o ver cheio de intimidades com esta gente. Isto é gente ruím e, em dando-se um braço, eles levam logo uma perna. Para além disso, é bom de ver que não há nada mais inútil do que discutir política com políticos. O mesmo se aplicando mutatis mutandi ao negócio da restauração. É que, o empresário da restauração está convicto da sua ementa e não se impressiona quando lhe pedem o livro de reclamações. E, depois, se lhe partirem o estabelecimento, há sempre aquela coisa dos seguros e, lá está, o dinheiro acaba por entrar... no fim de contas, é isso que interessa...

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  18. O maior problema, Pipoco, não é passar a beber Esporão quando se bebia Mouchão, ou trocar Zermatt pelos Pirenéus. O maior problema, Pipoco, é que começa a haver gente, que foi nossa companheira à mesa e agora tem fome. E enquanto isso, há uma série de comparsas que continuam a beber Pera Manca porque, apesar de não o pagarem à mesa, este é-lhes entregue directamente em casa. Eu não sou pela violência, nunca fui, sempre acreditei que este era um esforço que valia a pena pagar, apesar de não ter horários, nem subsídios para doenças, nem tampouco ordenado certo, eu sempre paguei pela taxa máxima, eu pago agora pelos lucros que nem sei se irei ter, mas pago hoje para reaver daqui a um ano. Eu, a tal estúpida que achava que valia a pena, que era desta, agora resolvi pagar para ver. E vejo que apesar de ter um poker, de repente alteraram-me as regras e o miserável trio do gordo da frente arrecadou a mesa. E isso, Pipoco, isso deixa uma pessoa a pensar que já há muito tempo ninguém tinha tanto poder em Portugal, desde que, décadas atrás, apareceu em Lisboa um tal de conimbricense com um diploma em economia nas mãos. E quando vejo alguns dos que se sentavam à minha mesa a encherem os filhos de água, a ver se enganam a fome, sinto vontade de me pirar daqui, tal como o Nogueira de Leite, mas antes disso sinto vontade de encher algumas "fuças" de estaladas bem dadas. Porque se os trabalhadores por conta de outrém se ressentem, imagine lá como é que se sentirão as micro empresas, que obviamente não vão contratar mais ninguém porque pura e simplesmente não há mercado. Mas acredito que os Belmiros e Soares desta vida estarão realmente felizes, afinal, em vez de 100, apenas despedirão 50 e ainda engordam umas milenas. Revolta, uma imensa revolta é o que sinto.

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  19. Nunca vi esta situação tão linearmente bem explicada!

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  20. Caro Pipoco! Hoje, ao contrário do que costumo fazer, dou voz ao "erudito" em detrimento do "trolha" que está sempre na brincadeira do alto da sua singela sabedoria. E por uma simples razão. É que queira o meu caro saber, que a qualidade da sua escrita, ao contrário de algumas opiniões, é muito boa. E esta não é uma questão ultrapassada. Como é que é uma questão ultrapassada? Aliás, esta questão, infelizmente, será actual durante os próximos dois anos.
    Por outro lado, acho que quando se referia a segurar as pontas (só para esclarecer algumas mentes, a do "trolha" que reside em mim inclusive), se referia a todos aqueles que pagam e que não fogem às suas obrigações, continuando a financiar o estado, independentemente do escalão de IRS, de serem privados ou públicos. Agora também lhe digo caro Pipoco, se o texto não foi brilhante, tudo depende de quem vê a obra, (não, não me agradeça, levante-se... - desculpe era o trolha que trago em mim, que de vez em quando tenta insurgir-se).
    Resumindo, não se pode agradar a gregos e a troianos, principalmente quando existem forças invisíveis aos mais diversos níveis cujo o objectivo é dividir para reinar. Pela minha parte, continue (então e o burro a cantar? Não ia haver um burro? Cala-te! Desculpe Pipoco, "rasparta" o trolha...)

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