29 setembro 2012

As coisas são como são

"Nessa noite levaram-me a cear ao Leão. Tenho ainda a memória dos bifes no paladar da saudade - bifes, sei ou suponho, como hoje ninguém faz ou eu não como."

Bernardo Soares in Livro do Desassossego

Talvez  esteja para chegar o tempo em que não teremos senão a memória dos bifes, meu caro Ruben Patrick. Resistiremos, outros tempos virão e havemos de nos orgulhar por não ter esquecido os bifes em definitivo, havemos de os perpetuar até onde nos for possível no paladar da saudade, não nos vergaremos a paladares provisórios, em verdade te digo, Ruben Patrick, enquanto tivermos a vertigem de Zermatt nas nossas memórias não nos satisfaremos com Sierra Nevada, enquanto não olvidarmos a que sabe Old Bushmills acompanhando Faulkner não nos conformaremos com Macieira e Paulo Coelho, enquanto  nos lembrarmos do por do sol na Comporta e das manhãs em Sintra não acharemos de valor as tardes em Carcavelos ou as manhãs em Odivelas, havemos de ter a memória dos bifes no paladar da saudade para que os saibamos reconhecer quando voltar a ser tempo deles, e nessa altura, Ruben Patrick, havemos de dizer simplesmente que estávamos à espera deles, que não nos esquecemos de como sabiam, que os guardámos no paladar da saudade.

5 comentários:

  1. Grande passagem do livro do ajudante de guarda-livros !! O Senhor, quando quer, é um ás a espicaçar sentidos e sensações ...

    ResponderEliminar
  2. Anónimo29.9.12

    that's very Proust

    ResponderEliminar
  3. Anónimo30.9.12

    Não sei se será vulgar dizer que este post é invulgarmente comovedor.

    Maria Helena

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Quando quero forçar um comentário seu, Maria Helena, faço por isso.

      Eliminar
  4. É muito bonito Pipoco. Não só as palavras, como o optimismo impregnado na mensagem.

    ResponderEliminar