27 agosto 2010
Pipoco, o bom samaritano
Às vezes penso nela como aquelas velhas senhoras que perderam a aderência com a realidade, o baton muito vermelho esborratado, as raízes brancas demasiado evidentes no cabelo louro platinado, a camisa de dormir a aparecer por debaixo do vestido fora de moda, penso que ela é ridícula, consigo pensar que ela é ridícula em modo piedoso, fico com vontade de lhe tocar no ombro, ao de leve, e dizer-lhe discretamente que todos os que lhe dizem que ela está cada vez mais bonita com aquele baton se riem depois da sua passagem, que talvez eu possa ajudar, que não há necessidade de ser ridícula, talvez ela me olhasse, agradecida, eu havia de a trazer para o ar fresco, tirava-a de casa, dizia-lhe que há mais mundo para além das telenovelas e das pessoas que lhe dizem que sim, que ela faz muito bem em usar aquele baton e que fica mais quentinha com a camisa de dormir por debaixo do vestido, havia de lhe arranjar ocupação, qualquer coisa que a fizesse esquecer que a vida lhe está a fugir à velocidade da banda larga, havia de lhe explicar que o esquema da pirâmide não se aplica a pessoas, que não é boa ideia arranjar mais pessoas para substituir as pessoas que se lhe escapam, havia de lhe mostrar que, se ela não vê o problema, então o problema é ela.