29 novembro 2013

E por isso tu estás onde estás e eu estou noutro sítio qualquer

Nunca te conseguiria explicar a dimensão do que aconteceu esta semana em Dublin, quando os All Blacks perdiam por dezanove-zero ainda o jogo mal tinha começado e acabaram por ganhar no último ensaio, já depois do tempo, que isto no rugby o tempo só acaba quando tem que acabar, não se desfez a lenda de a Irlanda nunca ganhar à Nova Zelândia mas fez-se outra história e um jogo para se contar a muitas gerações, nunca te conseguiria fazer entender a beleza do jogo de Carlsen, o norueguês é campeão mundial de xadrez com a idade que eu tinha quando tudo o que me interessava era saber falar italiano para ter uma vantagem competitiva, bem sei que um Carlsen-Anaud não é um Karpov-Kasparov, nunca entenderias, por mais que te explicasse, a emoção de ver gente mais velha fazer teatro ontem no pequeno auditório daquilo em Belém, gente que podia muito bem estar em casa a ver a novela das nove (há, não há?), com os seus gatos e as sua mantas, mas não, estava ali.

28 novembro 2013

Talvez seja isto o amor

Talvez tenhas apagado da memória os longos silêncios na esplanada do café ao lado da Fonte de Trevi, nessa Florença que nos juntou, talvez já não saibas de cor Neruda, esse argentino mágico que líamos encostados um ao outro e que, sábio, proclamava "A liberdade, Sancho, é um dos mais preciosos dons que os homens receberam dos céus". Talvez já não recordes como dançávamos noite dentro ao som dos violinos de Chopin e de como nos emocionámos quando Syd Barrett, esse deus do saxofone, foi assassinado a tiro num dia de inverno. Talvez tenhas esquecido as praias de Paris e o tempo em que ficávamos extasiados com esse "Grito" de Goya, que tantas vezes nos levou ao Thyssen-Bornemisza de Amsterdão, talvez já tenhas olvidado os primeiros beijos no velho cinema Maria Vitória, perdendo o inesquecível "Play it again, Sam" dito com aquela voz adocicada da enorme Scarlett O'Hara, talvez faças por esquecer do nascer do sol nas montanhas holandesas e a beleza do pôr-do-sol no mar calmo de Copacabana.

27 novembro 2013

Enquanto dormias

Não é difícil levar as pessoas a fazer o que desejamos e, ao mesmo tempo, fazê-las acreditar que a decisão final foi delas. As mulheres divertem-se a acreditar que fazem isso com os homens, mas quem o faz na perfeição são os tipos dos restaurantes, que sabem que, querendo despachar garrafas de Dão de vinte euros, basta-lhes ter na carta de vinhos um tinto do Dão a oito euros e outro, da mesma gama, a quarenta euros. Quem acha que escolhe, nunca escolhe o vinho mais barato, parece pouco sofisticado, e acha bizarra a relação preço-qualidade do vinho de quarenta, uma oferta bizarra, tão sem valor que ninguém percebe que só está ali para evidenciar o valor da outra, a que querem que compremos. E compramos.

26 novembro 2013

E agora, Pipoco?

No momento imediatamente a seguir a confirmar que sim, estarei em Londres para ver os Monty Phyton, uma pequena luz acende-se no hemisfério sul do meu cérebro, precisamente naquele lugar onde arrumamos as coisas que podem esperar e que estão lá longe, num tempo futuro com o qual não temos que nos preocupar. No momento imediatamente a seguir a confirmar que sim, estarei em Londres para ver os Monty Phyton, pergunto à sábia Maria da Piedade, que domina com poderosa mestria os sítios e as horas onde tenho que estar, se tenho alguma coisa agendada para essa data mítica e a Maria da Piedade, com um sorriso nos seus olhos brilhantes e competentes, informa-me que nessa data estarei no Brasil, são as meias-finais do Mundial e está tudo tratado.

Quarenta e três segundos. E meio. (*)

Quando nem as minhas conexões privilegiadas em Londres conseguiram o milagre, resta-me vergar à maravilha do mercado especulativo, desta vez na óptica do utilizador.

Olá E-Bay, sou o Pipoco Mais Salgado e quero um bilhete.

 (*)  tempo em que se venderam os vinte mil bilhetes para os Monty Phyton no O2 Arena

25 novembro 2013

Em verdade te digo, Ruben Patrick

O problema, Ruben Patrick, é que elas continuam a acreditar que a mulher que idealizamos é a que sabe o segredo de abraçar com força, aquela que nos acompanha ao estádio e que se enrosca em nós em frente à lareira enquanto lemos as nossas velhas edições de Corto Maltese, a que nos descodifica os estados de espírito só com um olhar, a que sabe o valor do silêncio e da cumplicidade, a que nos acompanha na abertura de temporada no Scala e nas pistas pretas de Zermatt, a que sabe combinar o vinho com a comida e distinguir todos os Bach. E não, Ruben Patrick, quase nunca procuramos uma mulher assim.

Resumo da semana que passou

O novo e fatal argumento para deitar abaixo uma pessoa já não é que tem alto coeficiente de malfodibilidade, ou que é invejosa, ou que vê a Casa dos Segredos.

Quando quisermos colocar alguém na lama é dizer "Talvez não saibas, mas ela bebe Pepsi...".

24 novembro 2013

Em busca do post sem comentários

"O mundo está cheio de histórias. Ainda hoje, se tiver de esperar numa clínica ou aeroporto, (...) observo as expressões, as roupas, os sapatos - os sapatos contam sempre muitas histórias."

Amos Oz, numa entrevista que estava a ler e interrompi para escrever este post, demonstrando que eu não estou sozinho e que, afinal, qualquer próximo Prémio Nobel faz o mesmo que eu há muito faço

22 novembro 2013

Os problemas das mulheres

Em correndo mal a coisa, ficarem demasiado tempo ancoradas no "eles são todos iguais".

21 novembro 2013

O almoço com o Antunes de Burnay

E lá estava o Antunes de Burnay a sair da porta de desembarque, o ar cuidadosamente descuidado de sempre, quase sem bagagem, eterno viajante, glorioso contador de histórias. E falámos do tempo do Alfa Spider e das viagens na marginal com a capota levantada e a chuva a cair, falámos do ataque de pânico em plana via ferrata nos Alpes e dos jantares em Santiago e do glaciar que atravessámos com sapatos de ténis nos pés e da vez em que apostei que fazia uma coisa impossível e perdi e custou-me os olhos da cara a cerveja que tive que pagar na Suiça e da vez em que fomos expulsos da Turquia e da ida a Nova Iorque só para jantar e da imitação de motores de mota em Veneza e da fortuna que ganhámos no bingo de Sesimbra e da primeira vez que deixei de gostar de gin e de como fomos felizes na Bulgária só porque nesse dia podíamos pagar os melhores restaurantes porque custava o que tínhamos pago no dia antes por um pão na Áustria e da vez em acordámos às quatro da manhã para ver o nascer do sol nos Alpes. E falámos de nós agora, eu que estou como estou, organizado, metódico, ele que continua imprevisível, rebelde sem causa, generoso. E rimo-nos desta amizade improvável e do tanto que aprendemos um com o outro.

18 novembro 2013

Por que leio blogues

Porque, lendo blogs, sei que está fresquinho em Estocolmo, o que é espantoso nesta época do ano, sei que os amigos das pessoas dos blogs são sempre mais qualquer coisa que os vossos, fico a saber o que é o melhor do dia das pessoas, tomo conhecimento de que as dietas que são um produto sazonal e só aparecem em Maio chegaram mais cedo este ano, cortesia da Doutora Ágata, fico a pensar por que razão inventaram o leite sem lactose em vez de inventarem o gin sem álcool , que, isso sim, era invenção de valor.

17 novembro 2013

Dizem-me que há agora umas pizzas com hamburgueres à volta

E daqui lanço o desafio de hamburgueres com redução de bacalhau à Brás por cima, costeleta de novilho a acompanhar risotto de camarão e cabeça de corvina com molho cervejeiro.

Gravidade

O filme novo da Sandra Bullock começa por parecer o Espaço 1999, depois parece o Era uma vez o Espaço, a seguir parece o Tornado, passa por uma uma fase em que se parece com o Titanic e acaba não se sabe bem se num registo Era uma vez o Homem ou Castaway - O Náufago. Uma bela seca, portanto...

Terceira despedida de solteiro do Fagundes Meyrelles

São estas desoras e estão três graus cá fora e está um cabrão de um gato preto em cima de um pinheiro e o filho da puta do gato não consegue descer e eu não estou em condições de subir árvores porque acabei de deixar de gostar de gin outra vez esta noite e acabam de me trazer a casa e o meu coração mole não me permite entrar em casa sem o sacana do gato e o meu cérebro não está a conseguir processar tanta informação e a minha vida é isto.

16 novembro 2013

Pipoco tem que decidir

Ir à Suécia ver o jogo ou almoçar no aeroporto com um amigo que não vê vai para dez anos e está em trânsito por Lisboa ... na terça-feira.

15 novembro 2013

2014 será um ano tremendamente difícil

Joaquim Leitão vai estrear a versão em filme do "Sei lá", há data extra para Bublé actuar, o próprio Joaquim Leitão diz que o "Sei lá" está na linha do inenarrável "Adão e Eva", os especialistas nisto de "Sei Lá" notam semelhanças daquilo com "O Sexo e a Cidade", o Mundial do Brasil não vai ter nenhuma selecção de países que comecem pela letra "P", Justin Timberlake virá ao Rock in Rio Lisboa, o Sporting não será campeão europeu no estádio da Luz, Rodrigues dos Santos escreverá a segunda parte daquilo do Gulbenkian, Jorge Jesus acaba o contrato e deixaremos de nos divertir a cada vez que abre a boca, ...

14 novembro 2013

Pipoco viaja de carro e escuta uma rádio local

Vamos então ver quem está no 255, Olá Rosita, como vai isso?, Vai-se andando, na medida do costume, Pois é, o frio voltou, não é? Ui, está que nem se pode, Filipinho, pode dizer a frase, Rosita, Filipinho, a frase é, a frase é..., Vá lá Rosita, eu ajudo "Com farinha Mateus...", "Com Farinha Mateus...", "...as hóstias sabem mais a Deus", isso, "Com farinha Mateus as hóstias sabem mais a Deus", e então que vamos ouvir?, Olhe Filipinho, pode ser o Roberto Carlos, (lembrar a Ana Clara para cancelar o vôo da tarde, prefiro vir com a Portugália mais tarde e não estar em tensão), muito bem, para dedicar a quem? Olhe, a si, à sua namorada, obrigado, obrigado Rosita, à dona Gertrudes dos Amiais Cimeiros, ao filho dela, o Roberto, que está na França, coitadinho, à Maria Celeste de Canaviais do Meio, que está muito doentinha, uma ciática, ui, já tive ciática e sabe deus..., temos que terminar, Rosita, pois, olhe, dedico a todos os meus amigos e às pessoas que estão doentes, obrigado Rosita, "..teuznétus vãotipêrguntá eim pôkuzanus pêlazbaleiazki cruzávãoócianuzzz...", olá boa tarde, Viva, Oláaa, Bernardete, tem andado fugida, (Não, Ana Clara, marque antes o Tiara, sempre corro na Boavista de manhã), pois, estive muito doente, sabe lá, deu-me uma dor que ..., Bernardete, e a frase é..., me tolheu toda, teve que vir ..., eu ajudo Bernardete, "Com farinha Mateus...", "Com Farinha Mateus...", "...as hóstias sabem mais a Deus", muito bem, e o que vamos ouvir?, Tony Carreira, certo, Tony Carreira, para dedicar...?, a todos vocês da rádio, aos doentinhos, à minha irmã Rosalina, ..., temos que terminar Bernardete, (Certo, dê então ordem de venda das do Facebook e compre Jerónimo Martins, não, mantemos a operação em dólares, depois diga-me como correu, tenho outra chamada em espera, sim, Ana Clara?...), "...trago esse lugar no meu coração, criança que fui e homem que sou, e nada mudou...", olha, o amigo Abel, como está o meu amigo, meio adoentado, pois, o tempo, ...

Como na rádio

E lá estava eu na conferência sobre coisas importantes, e lá estava uma voz de mulher a fazer perguntas ao orador quando foi o tempo de fazer perguntas, com a voz mais doce, mais absolutamente límpida e mais sensual que já me foi dado ouvir, e lá estava eu, resistindo olhar para trás, uma mulher com uma voz assim tem que ficar registada no nosso imaginário como a mulher mais bela do mundo e ontem não era dia de destruir imaginários.

12 novembro 2013

Namasté

E lá estava eu em plano mantra Om, devia estar concentrado no modo dinâmico do mantra, mas, que fazer? uma calçava uma meias Hello Kitty, outra exibia unhas dos pés pintadas com três cores diferentes, uma outra tinha uma pulseira no tornozelo, outra ainda tinha um dragão tatuado no peito do pé, não havia condições e, em não havendo condições, um homem deixa sempre fugir o pensamento para a possibilidade de àquela hora poder estar a jogar tranquilamente uma partida de bilhar, que isso sim, seria de valor.

De igual modo, não é por servir vinho de pacote em copos de cristal da Boémia que o vinho se transforma num Cartuxa tinto

Não é por escrever "gourmet" à frente de hamburguer, que a coisa deixa de ser um hamburger.

11 novembro 2013

Ruben Patrick ainda não descobriu...

...se aquilo da pipoca nova que anda a prantar comentários como se não houvesse amanhã é mesmo só aquilo ou se é a mais tremenda demonstração de humor alternativo com que a blogosfera nos brindou nos últimos tempos.

Disto de fazer de conta

O problema, Ruben Patrick, é que isto são só blogues mas não quer dizer que isto não seja um lugar perigoso, há quem tenda a fazer de conta que é quem não é, percebe-se, e persona do blog é sempre muito mais interessante, nunca acorda com mau hálito, nunca tem culpa, está sempre bonita, sem restos de coentros entalados entre os dentes da frente, as refeições nunca são abaixo de sushi e aos domingos é sempre brunch, as crianças são adoráveis e nunca aborrecem as pessoas do restaurante e as férias nunca são no parque de campismo de Montegordo, mostram só o lado solar, aqui ninguém é gordo, e, se for, faz a dieta dos não sei quantos dias e a coisa resolve-se numa semana, aqui ninguém é mau profissional nem tem maus vinhos. O problema, Ruben Patrick, é que as pessoas se esquecem que são quem são e isso não é boa coisa.

10 novembro 2013

Isso de os livros nos influenciarem

Fiquei genuinamente triste quando o velho Santiago não conseguiu trazer para a praia mais que a carcaça do espadarte gigante, supliquei a Aleksei Ivánovitch que se libertasse do vício do vício do jogo e resgatasse Polina, vivi com Robinson Crusoe cada dia de cativeiro na ilha, tive medo do Índio Joe e só descansei quando o encurralaram na gruta, foram o Júlio, o David, a Ana, o Tim e a Zé quem me incuctiu este gosto por faróis, desejei ir à Terra do Fogo porque Belmonte e Frank Galinsky estiveram lá, incentivei Florentino a não desistir de Fermina, supliquei a Carlos da Maia que arranjasse uma ocupação de valor, quase perdi o fôlego quando Tertuliano Máximo Afonso ficou finalmente frente a frente com Daniel Santa-Clara, dei ao meu cão o mesmo nome que Cipriano Algor deu ao seu e exactamente pela mesma razão, a primeira vez que fui a Londres quis conhecer o 221B de Baker Street... (continuamos isto?...)

09 novembro 2013

E foi isto

Jogámos como nunca. Perdemos como sempre.

Outfit

É bem capaz de ser o início de uma bela amizade

É um daqueles momentos que já descremos possam vir a acontecer, julgamos que estamos preparados e que nos sairão as palavras certas se se der essa eventualidade, mas não, afinal não, o momento chega sem aviso, deixa-nos meio atordoados, perdemos a noção da realidade, a língua prende-se, não sabemos se devemos abraçar ou, pelo contrário, refrear os sentimentos, há um silêncio pesado, os olhares fixam-se em nós, o mundo passa a mover-se em câmara lenta, não acreditamos no que ouvimos, é um daqueles momentos que recordaremos para sempre, saberemos sempre o que fazíamos quando o momento chegou.

Sim, ontem, num jantar de amigos alargado, conheci alguém que também não tinha página de Facebook.

08 novembro 2013

Pipoco acaba de se dar conta que os dois próximos jogos de bola que visualizará são no Estádio da Luz

(ou o incrível caso de não haver mais nada para dizer para além do título do post)

Em memória do jornalista que quis saber coisas dos meus saberes, um destes dias

As primeiras coisas que deviam ensinar nas escolas de jornalismo era que a pergunta nunca deve ser maior que a resposta, por exemplo a pergunta "Acredita que o advento do shale-gas no Burkina Faso pode influir geostrategicamente uma inflexão nas posições de princípio do povo Apache, para além de contrubuir para o disparo da micro-economia e desta forma levar à auto-determinação hindu, devidamente contextualizada com a produção de biocombustíveis no sudeste de Marrocos ou, pelo contrário crê que levará à deflação da libra e, consequentemente, fará eclodir a corrida em massa a armas de destrição massiva?" é claramente maior que a resposta "Não faço ideia". Por outro lado, perguntas como "O que é o Festival de Marisco da Páscoa em Tróia?" terá como resposta, para além da sugestão de que talvez não tivesse sido má ideia o jornalista fazer trabalho de casa, "Bem, trata-se de um festival de marisco que decorre em Tróia, no período da Páscoa".

07 novembro 2013

Querida Margarida Rebelo Pinto

Eu, do fundo do meu infinitamente bom coração, acho-lhe piada, acho sempre interessante ir fazer ondas para um programa para as velhinhas que ficam em casa de manhã, todas elas ansiosas por lhe comprar o livro novo (era isto, não era? Sua malandreca...), talvez eu escolhesse melhor o programa, talvez ser entrevistada no Factor X ou na Casa dos Segredos fosse mais impactante, sempre é um programa que a rapaziada dos blogues vê com gosto, só pelo prazer de vir cá contar como foi a quem também viu e assim se passa um belo pedaço de amena cavaqueira, que nós estamos cá é pelo convívio.
A questão é que a menina sabe como irritar as pessoas de uma forma notável, uma mistura de presunção e arrogância, com um ligeiro toque altaneiro e uma dose bem medida daquilo que irrita as pessoas que é, não necessariamente por esta ordem, escrever livros e ganhar a vida com isso - ser razoavelmente bem-parecida e dizer o que lhe vai na alma sem grande filtro.
Esta capacidade de irritar pessoas é admirável, veja bem que nem eu consigo uma performance tão fantástica, bem me esforço por dizer as coisas com o meu melhor ar blasé, de quem se está nas tintas para tudo, fazendo de conta que nada me impacta, que sou um ser etéreo e superior, pairando em modo snob-chic (fui eu que inventei o conceito, cá beijinho...) sobre o mundo das pessoas normais.
Eu bem gostaria que as pessoas dos blogs me citassem "Já viste o que escreveu o Pipoco hoje? Oh, que arrogante...", e as mãos desenhariam um gesto de repulsa, e o tom de voz seria alterado, e o metro quadrado desvalorizaria lá no sítio onde eu moro, e as pessoas mudariam de passeio quando me avistassem em sentido contrário, e os restaurantes ficariam vazios sempre que se espalhasse a notícia da minha frequência, e passariam de boca em boca os meus escritos abomináveis, e seriam deturpadas as minhas palavras sábias e, finalmente, eu seria "Pipoco, a lenda viva" e ganharia a imortalidade daqules que, digam o que disserem, terão sempre gente à espreita para escalpelizar o meu pensamento, grupos de sábios para estraçalhar as suas ideias, tudo isto antes de passar ao próximo tipo que saia da manada e, ignomínia, diga o que lhe vai na alma, sem filtro.
Conta-me o seu segredo? (Em troca eu explico-lhe três ou quatro técnicas infalíveis para o nosso nome aparecer em primeiro no google)

Tu estás diferente. E eu também estou.

Já não é o tempo em que tanto nos fazia que o whisky fosse novo ou velho, em que saltávamos para o mundo sem saber o que há lá em baixo, em que comíamos hamburgers com as mãos, em que líamos os sul-americanos com veneração, em que as sextas-feiras eram de teatro e os sábados eram de Frágil entremeado com Gingão, em que corríamos para não perder o último comboio, em que se acabava a gasolina dos carros, em que ficávamos até de manhã na discoteca que havia na praia da Figueirinha, em que podíamos ser tudo. Tu estás diferente. E eu também estou.

06 novembro 2013

Ide em paz

O Menino, que tem um blog que às vezes me apetecia ser eu a escrever, é este blog aqui, não usem o link porque o blog está carregadinho de mulheres com pouca roupa, alerta-me para o facto de Rachmaninoff não ir bem com champanhe, ousando mesmo sugerir uam aguardente velha ou um cognac como sendo mais apropriados para a Rachmaninoffiana audição e eu, que fico a pensar nas coisas, agradeço ao Menino a sugestão e explorarei certamente os caminhos que me sugere. Aborrecem-me deveras as pessoas que não se preocupam em fazer as conjugações certas, quem não veja para além do óbvio de um Cohiba Lanceros não dever acompanhar Pepsi-Cola ou que um sargo de mar grelhado não deve ser barrado com Nutella. O pormenor, a associação de ambientes, a preocupação de conjugar um vinho com os alimentos, as músicas com os livros, os aromas com os livros, as companhias com os ambientes, não é uma excentricidade, é uma orientação de vida e, mais do que isso, é respeitar quem nos rodeia.

05 novembro 2013

Pipoco vai almoçar com a tribo das secretárias

Eu , que sei que a "História do cerco de Lisboa" se lê no exacto tempo que demora uma viagem de comboio de Lisboa a Atenas, que a "Carmen" de Bizet demora o tempo de ir de Lisboa ao Porto se não houver trânsito na Segunda Circular, que a melhor forma de ouvir Ave Maria, de Aznavour, é virado para poente em Patmos ao cair da noite, quanto tempo fico sem gostar de gin depois de uma má noite de gin, que Rachmaninoff acompanha melhor com champanhe do que com vodka, por que apetece revisitar Vercors em "Le silence de la mer" depois de terminar "Um jantar a mais" de Ismail Kadaré, não faço a mais pequena ideia do que serão bagas de goji.

Ela era uma dessas mulheres "Still Loving You"...

...atormentam-nos tão intensamente durante um curto período das nossas vidas, que só as conseguimos ouvir de novo depois de terem passado uns bons dez anos.

04 novembro 2013

Queres então ter um desses blogues que toda a gente lê?

Pranta retratos de boas comidinhas, coisas saudáveis que dirás que é tudo o que deglutes pela manhã, ou então não e diz só que te apetecem doces mas que não podes, não te esqueças é dos retratos das panquecas com mousse de chocolate de pêssego tailandês recheado com abacate e bolachas belgas, traz a família para o blog, criancinhas fofinhas resultam sempre, tão bem vestidinhas com coisas às bolinhas e lacinhos, nem podemos crer que são as mesmas criancinhas que fazem as tamanhas tropelias que aqui virás contar, se não resultar é convocar também o homem lá de casa, a quem chamarás simplesmente de Maridão, ninguém vai acreditar que um homem com superlativo aumentativo abichane a ponto de aparecer nos retratos mas isso é outra conversa, fala de gatos, tão fofinhos que são os gatos, principalmente se forem pretos, fala dos desamores, não há melhor desbloquador de disparo de comentários que falar de desamores, a imensa tribo das gentes disto dos blogs cá está para te dar colinho e é tão bom o colinho virtual, pois não é?, é sim senhores.

(Ou então segue o caminho mais fácil e inventa um blog de homem...)

03 novembro 2013

Um dia com Ruben Patrick

São seis e meia de domingo, bela hora para terminar a autobiografia dos Monty Phyton que se me escapava há quase dois meses, faltavam trinta páginas, terminadas mesmo a tempo do nascer do sol, pelo menos o nascer do sol possível no meio desta neblina, decido ir correr uma hora, não há tempo para mais, não levo música nos ouvidos, é tempo de caça e quero estar atento, ainda para mais com este nevoeiro, escolho a t-shirt laranja fluorescente, pode ser que a tribo dos da caça me veja melhor assim, chego a casa e são dez horas, tomei café, há uma semana que não bebo mais que um café por dia, não são boas notícias para o senhor Nabeiro, seis cafés a menos por dia há-de fazer mossa, tomo banho e separo o que preciso para preparar o almoço, convoco a minha memória para me ajudar a preparar um bacalhau com cebola refogada e batata às rodelas que comi um destes dias na Beira Alta, acompanhará um Dão Tinto, igual ao da tal refeição, coloco o avental preto por cima da camisa branca e das velhas Levis 501, sim, uma tremenda falta de imaginação, bem sei, decido-me por não abrir excepção e não desfaço a barba, não me sai mal a receita, para memória futura não esquecer que as batatas coram mais depressa que o bacalhau, contam-se histórias, contam-se sempre boas histórias quando as famílias têm gosto em estar juntas e não o estão todos os dias, nem todas as semanas, comprei castanhas deste ano, assadas em caruma dos meus pinheiros e temperadas com flor de sal, abre-se mais vinho, as pessoas vão saindo à hora do por-do-sol, o jantar será chá, bebido ao pé da lareira com troncos de azinho, a vida quando é simples é tão boa, não é?

02 novembro 2013

Dos animais e outras histórias

Hoje voltei a correr. E eu, que pouco me comovo, quase me comovi quando dei conta que, vindo do bosque, se colou a mim o cão que era o melhor amigo do meu cão. Ali, sempre junto a mim, nos muitos quilómetros que me faltavam para chegar a casa. E eu, que pouco me comovo, tirei dos ouvidos o Wagner que me acompanhava há quase vinte minutos, que isto de um cão que não é nosso nos acompanhar a passada merece o meu respeito.

(entretanto a gata preta Glendfiddich e o gato preto Absinto parecem adaptados. Infelizmente, demasiado adaptados o que, parecendo que não, é capaz de ser má ideia)

01 novembro 2013

Um dia com Pipoco

São cinco e meia e Pipoco acorda sem necessitar do incentivo do seu despertador em modo prioritário i-Pod, Halellujah de Cohen como música seleccionada, estão sete graus na escala inventada pelo senhor Celsius, o que corresponde a um pouco mais na escala do senhor Fahrenheit e a muito mais na escala do senhor Kelvin, que era lorde e não se chamava Kelvin, Pipoco, depois de aprimorada sessão de higiene pessoal, decide, contrariamente às suas convicções filosóficas, avançar para a sua viatura preta sem ingerir qualquer tipo de alimento, selecciona Rigoletto, que estreou no La Fenice, Pipoco pensa que há um ano, por esta altura, estava precisamente no La Fenice e é nesta quietude que Pipoco chega ao parque número dois do aeroporto com o firme objectivo de tomar café e algum alimento no Harrods, que tem café Delta lote Diamante, acontece que Pipoco passou o Harrods ao mesmo tempo que efectuava uma chamada relevante e, em passo rápido chega à porta de embarque número dezasseis, são sete horas e cinco minutos e comunicam a Pipoco que o voo para Madrid será com tripulação reduzida, Pipoco sabe demasiado bem que tal informação, devidamente descodificada, significa que não haverá café a bordo, é nisto que Pipoco pensa enquanto lhe estendem um saco com ração de combate, são oito e meia da manhã em Lisboa, nove e meia em Madrid e meio dia e meia hora em Tbilisi, Pipoco nunca esteve em Tbilisi nem mesmo em Nairobi, onde é menos uma hora que em Tbilisi, Pipoco embarca no metropolitano que o deixará em menos de nada em Nuevos Ministerios, plena Castellana, bebe um café que não é nem por sombras Delta Diamante e está agora pronto para enfrentar o primeiro embate do dia, não corre mal, a mulher que faz a Pipoco uma apresentação em Prezi é, com grande dose de certeza, a mulher menos bonita que Pipoco viu a fazer apresentações em Prezi, melhor assim, não há desfoque, apertam-se mãos, não é mau sinal, Pipoco está agora a caminho de Barajas, com o firme propósito de chegar a horas a uma outra reunião que decorrerá na bela cidade do Porto, são quinze horas em Madrid e às quinze e trinta, hora local, Pipoco estará na torre das Antas, com o estômago ainda a recuperar da viagem em andamento Prestissimo, não sendo alheio ao desconforto as anchovas e o pão molhado em azeite que escolheu almoçar em Barajas, Pipoco inicia a sua prelecção, não sem antes se dar conta que não tem consigo a minúscula pen onde guardou os catorze slides que desejava partilhar com a audiência,Pipoco informa quem o queria escutar que tem alergia a apresentações, que a palavra lhe bastará, há sorrisos na sala, algumas pessoas tinham informação confidencial e sabiam, porque os prepararam, que Pipoco tinha uns belíssimos slides com gráficos e cores para mostrar ao vasto auditório, Pipoco fala para além do tempo previsto e ninguém reclama, não lhe correu mal o improviso, nunca corre, e isso, parecendo que não, é exactamente o maior problema de Pipoco, são nove da noite e a viagem para o aeroporto é feita num modo descontraído, cinquenta minutos de voo e Pipoco está de novo na sua cidade, liga o telefone e tem uma mensagem de um amigo em desespero, parece que a mulher não sei quê, Pipoco resolve jantar com o amigo, que acaba por interiorizar que as coisas são como são e vai para casa mais apaziguado, é uma hora da manhã e Pipoco está a caminho de casa, numa rádio qualquer passa o Halellujah que não é de Cohen, Pipoco pensa que deve ser um sinal, como sempre, Pipoco não sabe que sinal será mas isso não é importante, nada é importante a não ser que são duas horas e Pipoco está em casa, não sem antes quase ter atropelado um mocho encadeado pelas luzes no meio da estrada, Pipoco fica feliz por ter evitado o passamento do mocho e pensa que é capaz de ter sido a coisa mais útil que fez no dia.