30 junho 2013

Sem ser mais do mesmo

Que pode uma mulher oferecer a um homem que já tem tudo?

28 junho 2013

Alguma coisa vai mal no reino de Pipoco. (E não, não é só isso...)

Acabou de acontecer

O tipo guedelhudo deve ter feito das boas à miúda loura e de aparelho nos dentes, estava eu no segundo café da manhã na esplanada aqui de um sítio e o tom de conversa três mesas ao lado começou a subir, a miúda loura e de aparelho nos dentes em crescendo, os olhos a chispar, o tipo guedelhudo a concordar com tudo o que a miúda loura e de aparelho nos dentes dizia, ela a implorar-lhe contraditório, confronto, reacção, o tipo guedelhudo a ficar na moitas, queixo recolhido, concordante, a dar-lhe razão à primeira, a miúda loura e de aparelho nos dentes a entrar em taquicardia, a virar a mesa de plástico para o lado do tipo guedelhudo, as chávenas de café entornadas em cima do tipo guedelhudo, a miúda loura e de aparelho nos dentes com o sangue a ferver, a passar por mim, a olhar uma última vez para o tipo guedelhudo e a dizer, à laia de justificação, "este cabrão é um merdas", suficientemente alto para que o tipo guedelhudo ouvisse, eu a intelectualizar e a ponderar a possibilidade de alguém poder ser merdas e cabrão ao mesmo tempo, eu a pensar se havia de dizer ao tipo guedelhudo que não há coisa que mais enfureça uma mulher que concordar com ela sem reservas numa discussão.

Afinal andamos todos ao mesmo

Acabei de perceber o fenómeno que leva uma pessoa de bem a comprar coisas sugeridas num blog
Obrigado pela boa sugestão, meu caro Tolan.

27 junho 2013

Em verdade te digo, Ruben Patrick

Não te iludas Ruben Patrick, não te entristeças, não há amores para sempre, nem sequer nos livros, lembra-te da Luísa que não descansou enquanto não experimentou a que sabia o Primo Basílio, lembra-te de Florentino e Fermina , tanto tempo perdido, nos filmes é igual, vê tu que até o Rick e a Ilsa não tiveram senão Paris, em verdade te digo, Ruben Patrick, os únicos amores que são para sempre são os que nunca chegaram a acontecer.

Porque temos telemóveis tão caros se ninguém te telefona?

Paradoxalmente

Os indivíduos que mandam naquilo os das centrais sindicais deviam dar o exemplo. Mas qual quê? nos dias de greve trabalham que nem desalmados...

26 junho 2013

Ruben Patrick escreve como Brad Pitt

A Cátia Soraia adoeceu. Estava constantemente nervosa por causa dos meus humores com o Benfica, por causa de termos o frigorífico avariado e não haver Cristal fresca e das suas falhas com a provisão de tremoços e amendoins. Perdeu cerca de 13 quilos e pesava pouco mais de 80 quilos aos 22 anos. Continuava um bajolo e chorava constantemente. Não era uma mulher feliz, apesar de eu me esforçar para me lembrar de não me limpar aos cortinados. Tinha dores de cabeça constantes, devia pensar que eu não conhecia o truque. Não dormia bem, nunca se dorme bem com um tipo que ressona com eu, adormecia somente de madrugada, quando tinha a certeza que eu já não precisava de mais nada e cansava-se muito durante o dia, ir buscar-me às costas ao snack-bar da Gertrudes não era fácil. A nossa relação estava à beira da ruptura. Nunca foi uma estampa de mulher, mas estava um estafermo cada vez mais impressionante. Tinha papos debaixo dos olhos, as mamas tocavam-lhe nos joelhos, andava sempre desgrenhada e parou completamente de cuidar de si, embora não adiantasse muito se cuidasse. Recusava trabalhar no snack-bar da Gertrudes e rejeitou assinar os papéis. Perdi a esperança e pensava que tinha que a despachar em breve…

Foi então que decidi tomar algumas medidas. Afinal, eu tenho a mulher que sabe fazer os melhores torresmos do mundo. Ela é a mulher ideal para metade dos homens e mulheres do planeta e eu era o único a ter o privilégio de adormecer ao seu lado ao fim de dois minutos da coisa. Comecei a mimá-la, imitava tudo o que ela fazia, até que ela desesperava e eu dava-lhe beijos e muitos elogios.

Surpreendia-a e tentava agradá-la em todos os momentos, passei a dobrar o pijama e aprendi a colocar a loiça suja mais perto do lava-loiças. Enchi-a de perfume Rexona e comecei a viver apenas com ela. Se bebia demasiado, só falava em público a seu respeito, das preferências cambalhotísticas dela e relacionava todos os assuntos com ela, de alguma forma, se passava junto do Trancão lembra-me dela, se ouvia "A minha sogra é um boi" dos Mata-Ratos, lembrava-me a mãe dela, e assim sucessivamente. Elogiei-lhe a competência na oralidade, a sós e em frente a toda a rapaziada do snack-bar da Gertrudes.

Podem não acreditar, mas ela começou a mudar. Tornou-se ainda melhor do que era antes. Fez uma plástica, unhas de gel, deixou de aparecer cá por casa, dizia que as coisas lá na repartição estavam atrasadas. Eu nem sabia que ela podia ficar até tão tarde, até porque a repartição fechas às seis, que eu bem vejo as luzes apagadas e tudo fechado. E então percebi: "Ela é capaz de andar metida com o Cajó".

Pipoco escreve como Brad Pitt

A minha amiga de decote generoso e medidas perfeitas adoeceu. Estava constantemente nervosa porque não encontrava Barca Velha do meu ano de nascimento, enganou-se a comprar os meus charutos favoritos, colocou gelo no meu Old Bushmills e adoçou-me o café. Perdeu cerca de 13 quilos, infelizmente nos sítios errados, e pesava pouco mais de 40 quilos aos 35 anos. Não é que tenha ficado demasiado magra, nenhuma mulher fica demasiado magra, mas chorava constantemente. Continuava a ser uma mulher feliz, afinal eu estava ali,  mas tinha dores de cabeça constantes, o que, parecendo que não, pode ser uma grande maçada. Não dormia bem, lá está, eu estava ali, adormecíamos somente de madrugada, ela muito cansada, eu nem por isso. A nossa relação estava à beira da ruptura. A sua beleza começava a abandoná-la. Tinha papos debaixo dos olhos, andava sempre desgrenhada e parou completamente de cuidar de si. Recusava trabalhar no cinema e rejeitou vários papéis. Perdi a esperança e pensava em breveteria que lhe dizer que as coisas são como são …

Foi então que decidi que era tempo que ela voltasse às antigas medidas. Afinal, eu tenho a amiga de decote generoso e medidas perfeitas mais bonita do mundo. Ela é a mulher ideal para os homens e mulheres do planeta e eu era o único a ter o privilégio de lhe dizer ao ouvido que não há coisa melhor que a quinta de Mahler. Comecei a mimá-la com viagens a Paris, esqui na Argentina e muitos elogios.

Surpreendia-a e tentava agradá-la em todos os momentos. Comecei a viver apenas para ela, a satisfazer todos as pequenas excentricidades, a satisfazer todas as pequenas exigências, o vestido Thierry Mugler, os sapatos Loubotain, o fim de semana em Veneza, o Aston Martin para os dias de calor. Só falava em público a seu respeito e relacionava todos os assuntos com ela, como seria a suite do Ritz sem ela, como seria o Vila Joya sem a sua presença. Elogiei-a a sós e em frente a todos os membros lá do Clube de Golfe, de que me fiz sócio para lhe agradar.

Podem não acreditar, mas ela começou a desabrochar. Tornou-se ainda melhor do que era antes, se é que percebem o que eu quero dizer. Ganhou peso, cortesia do Chef Adrià, deixou de andar nervosa e ama-me ainda mais do que antes. Eu nem sabia que ela podia amar tão intensamente. E então percebi: ‘Estou falido”.

(talvez apeteça ao Ruben Patrick passar por cá e dizer o que pensa desta interessante temática)

Olá, sou o Pipoco mais Salgado e estou aqui para ficar limpo

O melhor nestas coisas é assumir. Primeiro resiste-se à ideia, não, comigo não, jamais. Depois a coisa entranha-se e num piscar de olhos damos por nós a habituar-nos à situação, ainda tentamos levar o pensamento para outro nível de exigência mas a coisa acaba por ser mais forte, instala-se, às tantas pensamos que o melhor é ficar um segredo só nosso, podíamos guardá-lo numa caixa fechada, que só abriríamos de vez em quando, só espreitar. Mas a coisa torna-se irresistível, desejamos saber mais, às tantas sabemos mais da coisa do que gostaríamos de admitir, uma sensação Josécidiana, andamos às voltas com o tema e, às tantas, acaba por nos parecer melhor assumir de vez e acabar com o recalcamento de uma vez por todas. Sim, estou a gostar de Muse, e depois?

(nada de Madness nem Uprising nem Undisclosed desires, a situação é assim tão dramática. Mas Resistance, Knights of Cydonia e Supermassive Black Hole já disputam tempo de escuta com a Antena Dois)

23 junho 2013

Pequenos prazeres

Estar aqui deitado no chão a olhar para a lua.

21 junho 2013

Notas do Sul

A "Emmenez-moi", do grande Aznavour acompanha na perfeição o "Debaixo de algum céu" do Nuno Camarneiro, da mesma forma que não destoou a acompanhar "O velho e o mar" de Hemingway e "História da gaivota e do gato que a ensinou a voar" do Sepulveda.

Prokofiev acompanha muito bem uma segunda leitura de "Casei com um comunista", de Roth.

20 junho 2013

Siesta

Naquele tempo, passava Pipoco pelas fecundas e longínquas terras do Sul, e havia muitos sarracenos da cintura industrial de Bristol, ingerindo cevadísticos e maltosos líquidos, e ficando num tal estado de descompensação motora que Pipoco, esse espalhador do bem, não importa a latitude a que se encontra, os auxiliava nas suas acções, retirando-os da via de circulação e transmitindo-lhes palavras bondosas e de ânimo. E havia também muitos avós blasfemando contra a irrequietude das crianças, que clamavam por bolinhas de berlim e por gelados e por um banho de mar, tudo ao mesmo tempo, tirando do sério os senhores antigos que mais não desejavam que ler o seu Correio da Manhã na quietude dos justos e naquele tempo deparava-se também Pipoco com romarias de bárbaros de vestes justas ao corpo e óculos de sol efeminados, acompanhando espadaúdas louras com caixas torácicas aditivadas.

Um dia, Pipoco decidiu rumar a sul no mês de Junho. E olhou Pipoco em redor e estava tudo muito bem.

19 junho 2013

Mau tempo

A lendária atracção que eu exerço sobre senhoras velhinhas, nomeadamente, mas não exclusivamente, fornecendo informações precisas sobre voos para Málaga e Palma por esses aeroportos fora, estende-se aos meus dias de Sul, muito contribuindo para esta indesejada interacção o tempo, o raio do tempo que me vira as páginas do livro do Camarneiro, um tipo que tem ali uma ideia de valor, não é nova, já o Violação de Privacidade, um mau filme com a Sharon Stone, logo a seguir ao Instinto Fatal, tinha aflorado o tema de saber da vida de toda a gente num prédio, o Camarneiro, o último Prémio Leya, tem ali uma coisa de valor e não se aguenta ao desafio, fica uma coisa meio pastosa, que só se livra do meu abandono porque fala do mar e de tempestades.

Mas as senhoras velhinhas, dizia eu, valem-se deste mau tempo para meter conversa, para me lembrar que só eu e senhoras velhinhas é que aguentamos estar na praia com uma ventosga destas, elas a falar de como os netinhos são formosos, eu a tentar aproveitar ser o dono da praia, a regressar do mar a escorrer água e sal e a sentir o respeito dos que ainda não tiraram os polares e as calças compridas, elas a perguntar se recomendo o livro, se sou de cá, credo, se não tenho frio. Eu vou respondendo, respondo sempre a senhoras velhinhas, resisto a ser monossilábico, que não tenho frio, que não, o livro não é nada por aí além, pensando de mim para comigo que, ainda assim, compara bem com a Hola e a Caras que estão a ler, que não, não sou de cá, sou de todo o lado, fecho os olhos, finjo dormir, as senhoras velhinhas dão-me algumas tréguas, imagino-as a olhar-me pelo canto do olho, esperando um sinal de vida, um movimento meu para voltarem ao massacre, eu a pensar que numa praia tão grande todas as senhoras velhinhas estão num raio de vinte metros, epicentro em mim.

17 junho 2013

Do Sul

Todos os anos, da mesma forma que os elefantes vão sempre morrer lá naquele sítio onde se diz que vão morrer, que as trutas sobem em determinada altura não sei que rio, eu desço para sul. É a minha semana sem relógio, o tempo medido pelo quanto me apetecem conquilhas ou outra cerveja fresca, os números substituídos por banhos de água fria, o cabelo penteado com risco ao lado é agora uma mistura perfeita de sal e sol, os relatórios das consultoras transformam-se em livros fáceis, os sapatos engraxados são agora uns chinelos de praia, o avião para não sei onde parece longe, tão longe, as decisões em tensão resumem-se agora a ter que decidir se a barba de três dias aguenta mais um dia ou dois, os restaurantes onde tenho que ir transformam-se agora em restaurantes onde quero mesmo ir, a vida corre doce, só a hora de acordar permanece igual, cedo, muito cedo.

(parece que os professores e os alunos e não sei quê...)

14 junho 2013

Mandasse eu nisto tudo,...

...que não mando, havia de inverter a lógica dos salários, a profissão melhor paga havia de ser a dos designers, os designers transformam o mundo num lugar melhor, as coisas têm mais classe, mais gosto, cabem melhor na mão, num mundo dominado pelos designers todos nos sentiríamos melhores pessoas e as pessoas, em se sentindo melhor, são mais felizes e, lá está, produzem mais.

Os segundos melhor pagos haviam de ser os que soubessem tirar café em condições, um especialista em equilibrar a nobre arte da pressão e da temperatura da máquina, cuidadoso com a escolha da mistura arábica versus robusta. Imediatamente a seguir, quase ao mesmo nível dos tiradores de café, no topo da pirâmide das pessoas que realmente importam, teríamos os barman que sabem fazer um bom gin tónico, a par com os que sabem tirar uma imperial em condições.

Finalmente, os que sabem assar peixe fresco como manda a lei, nada de escalar, uma coisa à antiga, os escritores, os músicos e os jogadores de xadrez.

E não havia mais profissões, estava feita a coisa.

Agora ide e anunciai

Nisto dos blogs é facílimo fazer de conta que se é uma sumidade numa certa e determinada temática, por exemplo, se eu referir aquele sketch dos Monty Python em que o tipo que faz de barão Zeppelin manda pessoas borda fora e elas caem na sala de jantar, perdão, na sala de estar dos velhotes, é certo que me reconhecerão como especialista Montypytoniano, estou a referir um sketch pouco conhecido, estivesse eu a referenciar qualquer coisa de "A vida de Brian "e o impacto era nenhum, não há quem não tenha visto "A vida de Brian", agora o sketch do barão Zeppelin é outra finura, dá aura de quem sabe do que fala, ainda que tenha sido o único sketch dos Monty Python que vi na vida. É o mesmo com uma citação de Garcia Marquez tirada do "Relato de um náufrago" em vez dos "Cem anos de solidão", uma passagem de Faulkner retirada do "As I lay dying" em vez do "Som e a fúria", um teledisco dos The Doors que não seja o "Riders on the storm".

(agora, atenção, se referir que o sketch é da fase em que o John Cleese já não estava lá, a coisa muda de figura, não há que enganar, é um pormenor mesmo de quem conhece a obra)

13 junho 2013

As coisas são como são

A rapariga da recepção lá daquilo onde se colocam vidros nos carros entregou-me a chave e perguntou baixinho, "O senhor escreve num blog, não escreve?".

Eu olhei para o carro, aliás, a carrinha de conceituada marca alemã que ali tinha entrado com um vidro partido, para os bilhetes dos Muse ainda no banco da frente, em cima do livro do Le Clézio, dei conta que estava com o meu fato às riscas e concluí que se calhar a rapariga tinha razão.

Os problemas das mulheres

Hipervalorizarem palavras fofinhas.

12 junho 2013

É só isto?

Olha as pessoas nos olhos. Cumprimenta firme. Sorri. Usa protector solar. Come maçãs com casca. Aprende com os mais velhos. Ajuda os mais velhos. Sorri para as pessoas. Principalmente para as mais velhas. Não gastes mais do que aquilo que tens. Lê tudo o que possas, ainda que sejam maus livros. Canta alto. Ouve música. Abre a janela do carro. Trata as pessoas, todas elas, com respeito. Tem um cão grande. Mas não o compres. Aprende a usar os talheres. Não adoces o café. Não contes anedotas se não tiveres jeito. Abraça. Não beijes, abraça. Corre de manhã. Aprecia o cheiro da terra molhada, não há outro igual. Diz às pessoas que amas que as amas. Mas só a essas. Não abras páginas de facebook. Resolve os teus problemas antes de dormir. Ouve o teu pai. E a tua mãe. Não tenhas vergonha de chorar defronte de um quadro. Não tenhas vergonha de chorar seja por que razão for. Escreve à mão. Lê jornais. Anda a pé. Não compres sapatos apertados. Eles nem sempre alargam. Viaja. Se não souberes onde gastar o dinheiro, viaja. Se estiveres indeciso entre comprar um carro e viajar, viaja. Tem um filho. Tem outro filho. Joga poker. Não tenhas medo. Nunca tenhas medo.

What happens in Alfama stays in Alfama

Há muitos anos, e durante muitos anos, na noite do dia de hoje, haviam de me encontrar em Alfama, a distribuir latas de cerveja fresca aos passantes, altruísmo que havia de me patrocinar um terço do pecúlio  necessário para o habitual mês de Agosto passado nos comboios de quanto mais longe melhor.

11 junho 2013

Depois dos Muse

Enquanto feliz utilizador de uma viatura de conceituada marca alemã, é-me proporcionada a rara oportunidade de poder desenvolver uma teoria que estabelece proporcionalidade directa entre o interesse que os facínoras estabelecem por esta tipologia de viaturas e as outras que, não sendo de conceituada marca alemã, estão estacionadas imediatamente a seguir e imediatamente antes da viatura de conceituada marca alemã.

Acontece, à razão de uma ocasião por semestre, chegar à viatura de conceituada marca alemã e deparar com um dos vidros estraçalhado e o interior da viatura de conceituada marca alemã razoavelmente revolvido. Olhando em redor, dotado da minha elevada capacidade de analisar situações e, melhor, de saber trabalhar os dados disponíveis, constato que todas as viaturas em redor da viatura de conceituada marca alemã se mantém incólumes, isto é, sem vidros estraçalhados. Sendo eu um indivíduo com atenção quase doentia aos pormenores e sendo dotado de um elevado sentido de propriedade, jamais deixo objectos ou documentos dentro da viatura de conceituada marca alemã, sendo, aliás, reconhecida a minha determinação em manter o interior da viatura de conceituada marca alemã num espartano regime de clean desk.

Neste contexto, o facínora não poderá alegar que foi atraído por algum objecto de valor, ainda que sentimental, que o tivesse fascinado de tal forma que justificasse o acto de estraçalhar o vidro, último obstáculo a ultrapassar até alcançar o almejado objecto de desejo. O facínora move-se então pela presunção, certamente baseada em lendas antigas, que, no interior de viaturas de conceituada marca alemã, há sempre algo que justifique o estraçalhamento de um vidro. Nem mesmo a evidência de um imenso vazio no interior da viatura de conceituada marca alemã o demove, o facínora, pura e simplesmente não crê no que os seus olhos lhe mostram e continua a preferir estraçalhar o vidro da viatura de conceituada marca alemã ao invés de tentar outros caminhos e, num assomo de empreendedorismo, tentar valorizar as viaturas de marcas italianas de fundo de catálogo.

Resumindo, o que eu gostava mesmo de partilhar com o vasto auditório, é que estava fresquinha ontem a autoestrada número um, entre as quatro e as seis da madrugada, no troço compreendido entre o Porto e a cortada para os meus domínios, mas não me fez diferença nenhuma porque eu estava a precisar de apanhar ar fresco, parecendo que não, ajuda.

Pouco passa das sete...

... e estou a escolher o tom da gravata que melhor assenta no fato às riscas, acabadinho de chegar do concerto que os We are the Ocean deram ontem, ali para os lados de um estádio que para isto serve muito bem, os miúdos estavam demasiado deslumbrados por ter tanta gente à frente, ainda assim há ali material que se aproveita, mistura do bom velho rock com uma tendência pictórico-nouvelle(*) sem concessões, nada de fusões, sangue na guelra e veias do pescoço inflamadas, depois fui tomar um gin no lado certo do rio, pensar no que a vida me deu, por que ínvios caminhos cheguei a este ponto, essas coisas que se fazem enquanto se toma um gin, no intervalo dos tais We are the Ocean e do gin, apareceram por lá os Muse, eu era a pessoa que menos músicas conhecia, "Madness", "Undisclosed desires", não me senti diminuído, olhei à minha volta e pensei que aquelas pessoas também eram capazes de não conhecer nenhuma das variações Goldberg, ficámos quites, o universo nestas coisas não falha, empate técnico, pedi para me avisarem quando tocasse "Space dementia", não me avisaram, deduzo que não o tenham tocado, tocaram foi o Upraising, as pessoas cantavam "They will not force us, they will stop degrading us, they will not control us, we will be victorious" como se fosse o hino nacional, mão no peito e olhos fechados, depois do gin desci à minha cidade, voltei a ouvir Carmen, houve um tempo em que o tempo entre a minha cidade e o Porto se media pelo ponto em que estava o dramalhão de Carmen, se chegasse a Coimbra e Don José ainda não tivesse, cego de ciúme, desafiado Escamillo para lutar até à morte, era porque estava atrasado, Don José havia de ajoelhar diante de Carmen, já morta, na subida da ponte do Freixo, pouco passa das sete e tenho que escolher uma gravata que isto está tudo muito bem, mas as coisas são como são.

(*) Isso não existe, pá...

09 junho 2013

Olá blogosfera

Sim, está muito frio, é Junho e não se aguenta, todos demos por isso, diz que é geral, apetece ficar o dia todo dentro da cama em vez de estar pelos algarves de férias, uma estragação de recursos,   olá blogosfera, exultemos, temos oportunidade de fazer o bem e fazer parte da missão "Talão da Zara", se alguém tiver dois pés direitos que avise, olá blogosfera, não, não é sensual esta moda das calças às riscas, modelo Obelixiano, uma afronta para os olhos, olá blogosfera, será melhor a dieta dos três dias ou a das sementes de sésamo ou a das cascas de romã alternada com chocolate preto?, a propósito, não será demasiado tarde para isso das dietas?, bem sei que não parece mas estamos a meio de Junho, os mercados não perdoam, quem será a mais bonita da praia, quem será a que se vai esconder?, e por mim, olá blogosfera, já me bastava que o barril de petróleo subisse dez dólares, nem é pedir muito e que, já agora, o Xi Jinpingem, acabasse com essa bizarria de se vingar nos vinhos e as coisas são como são e quer-me parecer que a DeNegro vai vender como nunca.

07 junho 2013

Pipoco fala sobre leggings, ou lá como se escreve a coisa.

Há sempre alguém que é o dono da ideia original, houve certamente alguém que um dia decidiu que as leggings, ou lá como se escreve a coisa, eram uma coisa de valor e que era capaz de não ser má ideia expandir o conceito, talvez fosse alguém que tivesse fraco fígado para escoar mau gin, talvez fosse alguém que tivesse saído de casa só de collants e camisa e quando o chefe lá do serviço fez notar a situação, a pessoa olhou por si abaixo e teve sangue frio suficiente para dizer que não, que era moda em Nova Iorque, o chefe lá do serviço engasgou-se, pois está claro, fica-lhe muito bem, Doutora Manuela, eu vinha dizer-lhe que lhe fica mesmo muito bem, e as outras lá do serviços vieram de igual no dia seguinte, que isto as Zaras desta vida produzem a três turnos, talvez fosse apenas alguém que se quis divertir, alguém com um sentido de humor muito peculiar, é o mesmo com as pulseiras étnicas por debaixo da camisa de botões de punho, é o mesmo com os sapatos com tachas, é o mesmo com os relógios da Casio, às vezes gostava mesmo de conhecer o tipo da ideia original, o que demorou tempo a inventar estas coisas e perguntar-lhe porquê a maldade, como pode alguém ser tão cruel para as mulheres que inventou as leggings, ou lá como se escreve a coisa.

Sonhei com Lamborghinis roxos, está bom de ver

O que fazia falta era alguém ter-se lembrado de apresentar Eça a Bizet, o Ega havia de se entender com Escamillo, homens que sabem usar navalhas entendem-se sempre, Lillas Pastia havia de gostar de ter uma taberna em Sintra, para a espanhola Lola pouco interessava se fosse Sevilha em vez do Lawrence, e Carlos da Maia talvez ficasse um amigo para a vida de Don José, afinal os homens fracos de espírito nunca se deram mal.

(mas não, apresentaram-no a Ortigão e deu no que deu, uma pasmaceira)

06 junho 2013

Oito da noite e tudo vai bem

Às vezes, quando quero descansar dos nervos e não me apetecem grandes estímulos intelectuais, leio blogs desses que só lemos quando estamos na sala de espera do dentista, podia descansar a cabeça a ler livros do Paul Auster ou a ouvir o Barbeiro de Sevilha ou a rever o Laranja Mecânica, mas não, leio blogs desses, dos que ninguém lê, creio que os leio só para depois, já a caminho de casa, Grieg a sair bem alto das colunas, janela aberta para deixar entrar o fresco da noite, reflectir longa e ponderadamente nas certezas das mulheres que possuem estes blogs, elas entram na loja de qualquer coisa, estabelecem contacto visual com a coisa e está a coisa feita, ei-las a partilhar connosco que perceberam imediatamente que aqueles sapatos, aquelas botas, aquela pulseira, tinham que ser delas, uma espécie de revelação, uma epifania, uma certeza absoluta num mundo cheio de incertezas e dúvidas existenciais e estas certezas, esta intuição automática que não há como não levar a coisa para casa, afinal foram feitas uma para a outra, mulher e coisa unidas num só corpo, é de valor, faz-nos acreditar num mundo melhor, com mais certezas do caminho de onde vimos e, principalmente, do caminho que temos que percorrer para chegar onde vamos.

05 junho 2013

Vou ensinar-te o segundo nível do jogo, Ruben Patrick

Senta-te, Ruben Patrick, puxa uma cadeira e senta-te, céus!, não a arrastes, sirvo-te dois dedos de whiskey?, a verdade, Ruben Patrick, é que ao longo de gerações sempre te foi transmitido o segredo para atrair a atenção das mulheres, e foi o primeiro jogo, e, dizia eu, o segredo era ignorá-las, fazer de conta que não desejávamos a sua companhia, é certao que realmente a desejávamos, fazer de conta que se nos dava igual, imagino que esse primeiro jogo foi quando o homem saiu da caverna para caçar bisontes e fez de conta que caçar bisontes era a coisa realmente importante, é verdade que no vale onde se caçavam os bisontes havia moças robustas e com boas cores, que importava isso?, o jogo era fazer de conta que o que importava eram os bisontes e as tais mulheres acabavam por se aborrecer porque elas estavam ali e o tipo das cavernas fazia de conta que não, e o jogo agora já era elas interessarem-se pelo tipo das cavernas, não porque o tipo das cavernas fosse especialmente interessante mas porque se dava o caso de o tipo preferir bisontes, bem sei que não era exactamente assim, que na verdade os bisontes não eram assim tão apetecíveis, era um jogo, Ruben Patrick, já te tinha dito que era um jogo.

O que agora te queria dizer é que as coisas não são exactamente assim, fazer de conta que elas não são assim tão importantes só serve para elas se interessarem por nós, é só a primeira parte, se teimares em continuar o jogo dessa maneira a coisa perde o sentido. Na segunda fase, Ruben Patrick, não há nada que uma mulher aprecie mais que a atenção indisputada, nesta fase não te podes desfocar, Ruben Patrick, olvida de vez os bisontes, só conta ela, foca-te, faz de conta que só podes perder, que nada conquistaste, apruma-te, faz de conta que não há outra mulher no mundo igual a esta, e não há, Ruben Patrick, na verdade ela é única e, nota bem, dá-se o caso de te preferir a ti em vez de outro qualquer, logo a ti que ainda ontem andavas a fazer de conta que bisontes é que era, preserva-a como única e irrepetível porque, Ruben Patrick, se a perderes, não encontras outra igual.

Não tarda nada e isto é um blog cor-de-rosa

Estava a terminar o meu dia com Cecilia Bartoli bem alto, enquanto via o Psico e tinha chocolates da DeNegro ao alcance da mão e dei por mim a pensar que me faz falta o regresso do campeonato, só para ter coisas que me aborreçam.

04 junho 2013

Acabou de acontecer

Acabei de ganhar Eça na Feira do Livro. Coloquei uma rodela de plástico numa coisa, aquilo bateu uns pregos e foi parar no buraco que dizia que ganhei "O Mandarim". Podia ter calhado noutro buraco e eu teria ganho um livro pequeno com uma galinha desenhada na capa, podia ter calhado no buraco do livro que me pareceu ser de auto-ajuda, podia ter calhado no buraco do livro infantil. Calhou no "Mandarim", o único que valia a pena.

Acho que isto é a história da minha vida.

03 junho 2013

E foi assim que tudo se passou

Estava eu em doloroso processo de habituação à ideia de o Luís Sepúlveda ter abalado antes da hora em que eu me desembaracei de coisas cá minhas e cheguei à Feira, é certo que já passavam cento e vinte minutos da hora anunciada para o autor terminar a sessão de autógrafos mas eu sempre me habituei a que esperem por mim quando me atraso, estava eu nesse processo de ter que me habituar à ideia de não ter uma dedicatória escrita num livro comprado de propósito para ter dedicatória, "Para Palomito de Maíz Más Salado, un amigo de siempre, gracias por todo, Luis Sepúlveda", e depara-se na minha visão periférica com um ror de pessoas, livro do José Luís Peixoto na mão, havia mesmo uma senhora com este último, o da Coreia do Norte, ainda estive para ir aconselhar a boa senhora a trocar de livro, escolher o "Cemitério de Pianos" ou mesmo o "Livro", e havia um ror de gente porque uma senhora de idade insistia em contar ao bom do Zé Luís a sua própria experiência coreana, eu sei que o tema era este porque a senhora de idade falava muito alto, como se quisesse que todos nós tivéssemos acesso em tempo real à mesma informação do Zé Luís, e as pessoas à espera, e a senhora a contar a história, e o Zé Luís a olhar pelo canto do olho para as pessoas da fila, como que a pedir perdão pela espera, as pessoas da fila a sorrir um sorriso cúmplice para o Zé Luís, a senhora a gesticular, entusiasmada, finalmente o Zé Luís a levantar-se e a estender a mão para a senhora de idade, a senhora a exigir um beijo repenicado ao Zé Luís, e um abraço, o Zé Luís a mandar avançar a próxima pessoa da fila, a senhora de idade a não se afastar, a ficar ali à beirinha da mesa, o Zé Luís a fazer um gesto interrogativo, se a senhora de idade estava precisada de mais alguma coisa, que queria atender em condições a jovem rapariga que estava defronte dele, a senhora de idade a anunciar, impante, "essa é a minha filha, também esteve na Coreia, ela conta-lhe o resto", o Zé Luís a mudar de cor, as pessoas da fila a sentarem-se no chão, antevendo que longa seria a espera, eu a agradecer aos meus pais terem-me obrigado a estudar, para não ter agora de assinar livros a senhoras de idade na Feira do Livro.

Quem disse que um homem não pode ter orgasmos múltiplos, enganou-se

(na verdade nem todos os livros são excelentes, mas foi o que me apeteceu comprar na Feira)

01 junho 2013

Em verdade te digo, Tio Pipoco...

...que as pessoas não querem ler-te em modo fofinho. Não querem escritos sentimentais, estás a ver a situação? As pessoas passam por aqui e esperam que se fale de vinhos em condições, de como as mulheres são ou não são a primeira das maravilhas da natureza, gostam que transportes o Carlos da Maia para o Papaçorda, gostam que fales de livros e lhes dês música de fundo. Ninguém quer saber de bichanices sentimentais, não sei se me faço entender, Tio Pipoco. Coisas fofinhas aqui são como o Messi a fazer anúncios a cuecas para homem, ou a sardinhas assadas com molho de caramelo por cima. Estás a ficar demasiado fofinho, Tio Pipoco, e sei-o eu, quando começas a ficar fofinho estás a um passo de entregares o blog ao tipo que o escreve e isso, parecendo que não, não é boa coisa.