29 fevereiro 2016

Se eu vendesse sapatos

Talvez eu seja uma pessoa aborrecida, afinal gosto de adequar o vinho à comida, gosto de escolher a música que melhor se conjuga com o estado de espírito, gosto de conjugar os filmes quando me apetecem filmes aos pares. Também gosto de conjugar as gravatas com as camisas e a cor do cinto com a dos sapatos, gosto de conjugar a forma como vou vestido ao evento, gosto de marcar os dias de esqui de acordo com a cota de neve, gosto de escolher os talheres de acordo com o que vou comer.

Talvez eu seja uma pessoa aborrecida, que não dá muito espaço à libertação espiritual que só se alcança com a criatividade.

(inspirado num comentário da Cláudia Filipa, que é uma comentadora rara, do tipo de comentadora que passa por aqui e se dá ao trabalho de ler o que cá está escrito e depois, mas só depois de ler o que cá está escrito, ainda me dá o gosto de entender o que podia muito bem ter sido escrito)

28 fevereiro 2016

Enquanto espero pelos Oscares

Magnolia e Zelig. Dois filmes médios.

Razoáveis, vá...

(mauzinhos?)

27 fevereiro 2016

Se eu pudesse escolher, falia o Correio da Manhã em vez do Diário Económico

Isabel Moreira tem perfil num site não sei quê. Uma jornalista qualquer, que diz coisas na espécie de jornal que é o Correio da Manhã,  informa que as fotos são ousadas, numa delas Isabel Moreira está de bikini e noutra aparece a fumar. De bikini e a fumar. Uma mulher, não sei se estão a acompanhar o nível de ousadia que aqui temos. O mundo está perdido.

Falta-me um cão, evidentemente

Nestes dias de chuva, gosto de me sentar no telheiro a ler os jornais de sábado enquanto bebo um chá quente. O frio, a chuva batida a vento, os pássaros a bicar a terra molhada, a cegonha que fez ninho no sobreiro, tudo ali a acontecer à minha frente, é capaz de ser a coisa mais próxima da minha visão de felicidade.

26 fevereiro 2016

Nos cartazes, como nos blogs, há sempre aqueles a que ninguém liga nenhuma...


O problema do cartaz...

...é que releva a tacanhez de um partido. Ganhar uma causa, uma razoável causa, e ainda assim não ser capaz de controlar a soberba, é tacanho. Ser um partido deslumbrado também é tacanho.

Está inaugurada a época dos cartazes comemorativos das grandes causas. Há lá coisa mais tacanha?

Esses níveis de Jesuischarlização, que tal?


23 fevereiro 2016

Vamos lá falar de coisas sérias. Oscars 2016

Vistos os filmes, o que me escapa ao entendimento é organizarem-se movimentos de revolta por causa da situação lá daquilo de as minorias, incluindo chineses, não estarem posicionados para ganhar coisa nenhuma e ninguém se preocupar com coisas realmente traumatizantes e que nada contribuem para a evolução da espécie, e já se percebeu que falo da ignomínia que é "Mad Max", "O caso Spotlight" e "A queda de Wall Street" serem candidatos ao que quer que seja em geral e candidatos a melhor filme em particular. 

Já "A ponte dos espiões", "Brooklyn" e "Quarto" deviam ser candidatos à categoria de melhor filme fofinho e, lá por causa de esta categoria não existir ainda (sei que a Academia está atenta aos meus saberes), não os devia encaixar na categoria de Melhor Filme.

Ganha "O Renascido", evidentemente. No melhor filme e, de passagem, ganha também o Iñarritu como melhor realizador, fizeram de propósito, dar ao homem aquela concorrência é como se nós tivéssemos no campeonato quinze Benficas como adversários, sem um Rio Ave ou um União da madeira para desenjoar, era como se nos dissessem, vá lá, ganhem lá isto largueiro.

Para melhor actriz, eu escolhia a Jennifer Jason Leigh, que faz um papel difícil nos "Oito odiados", leva com os miolos do irmão e tudo e, pior ainda, de cada vez que abre a boca o Kurt Russell avia-lhe forte e ela, prudente, quase não fala: Infelizmente não é candidata, está como melhor actriz secundária e tem que haver quem olhe para estes critérios, está ali toda a gente por causa da Jennifer Jason Leigh e depois são todos actores principais e a Jennifer Jason Leigh é actriz secundária. Não está certo. Sendo assim, faço como em tantas ocasiões na minha vida e escolho a que me parece melhor companhia numa ilha deserta. Ganha a Cate Blanchett.

Para melhor actor ganha o DiCaprio. O homem ainda fala menos que a Jennifer Jason Leigh e consegue dizer o que tem a dizer sem gastar muitas palavras. Meninas, aprendam. (é claro que as soluções que o Iñarritu arranjou para contar a história - reparem na luta final em que a câmara está ali quietinha, os tipos a lutar à séria e a entrar dentro da imagem e a sair quando um deles desequilibra a coisa - ajuda muito a que o DiCaprio não precise de mais do que aquilo)
Para melhor fotografia ganha "Os oito odiados", mas isso é porque o Tarantino faz de mim o que quer.
Nos melhores efeitos especiais ganha "O Renascido". Ainda hoje estou impressionado com a cena da luta com o urso, bem me explicaram que aquilo são uns tipos vestidos de verde e o DiCaprio a fazer de conta que os tipos são ursos (se calhar são) e depois é montar a coisa com os movimentos e substituir os tipos vestidos de verde por pelo de urso, mas eu não percebi nada da explicação. Para mim aquilo é uma luta do DiCaprio com um urso e não se fala mais nisso.
Nas músicas, desde que o Sam Smith não ganhe a melhor canção (aquilo não se faz num filme de Bond, James Bond), para mim está tudo bem. Já agora, se puder ter outro desejo, seria que não ganhasse a música das 50 Sombras de Grey. É uma efeito reflexo, li as primeiras cinquenta páginas do livro.

A melhor banda sonora? Ora, o Morricone, que musicou "Os oito odiados". Desde "O Piano" que não me soava tão bem uma banda sonora, isto se passarmos por cima daquele filme que era uma tipa que cantava numa banda e apareceram nos tipos de mota e raptaram-na e acho, mas se calhar não era ela, que a Bonnie Tyler cantava uma música ou duas

22 fevereiro 2016

Prova de vida

Aborrece-me esta dor de garganta que já leva quinze dias mas depois lembro-me que a ganhei por me ter apetecido correr à chuva em Roma. Aborrece-me jantar à pressa mas depois lembro-me que é para ter tempo de ver todos os filmes dos Óscares. Aborrece-me atrasar-me para reuniões mas depois lembro-me que fui eu quem convenceu a secretária de que era possível terminar uma reunião às dez em Lisboa e começar outra às onze no Porto. Aborrece-me que a estância de esqui não me mande informação sobre o estado da neve mas depois lembro-me que uma das minhas decisões de ano novo foi fazer "unsubscribe" a tudo o que me permitisse fazê-lo. Aborrece-me perder a jogar xadrez mas depois lembro-me que fui eu quem decidiu jogar dois níveis acima das minhas reais possibilidades. Aborrece-me apanhar frio mas depois lembro-me que fui eu quem decidiu vir a Alvalade.

16 fevereiro 2016

Pipoco escreve como...

Por fim, consegui adormecer Addwratygmir. Declamei-lhe todo o Borges (não há como Borges para toda a sorte de grandes feitos) até que a bruma caísse sobre o convés e Afrtatimir cedeu. Pássaros com raras cabeças ornamentadas com coisa nenhuma pousam nos candelabros de traço demasiado antiquado. Cito Borges aos candelabros e elas também acabam por ceder, uma vela a seguir à outra, até à penumbra final. Sou finalmente eu e o rumor das vagas alterosas e lembro-me da ilha e das pessoas da ilha a quem declamei tanto Borges que tive que partir, a multidão enfurecida acompanhando-me ao cais numa noite cinzenta e tenebrosa e eu, de Borges na mão, procurando a citação certa. Entrei então neste barco pirata, de má sorte, e reino sobre todos estes piratas que me trazem à memória a bruma e a ilha e os candelabros e o mar alteroso e os sarracenos que arribam a sul mal o tempo aquece e a bruma se vai. Tentarei não me esquecer de lhes ler Borges numa noite fria e de bruma. E de mar alteroso, evidentemente.

15 fevereiro 2016

Tudo o que me rebentou na cabeça antes dos vinte anos

Pink Floyd, The Wall - Quem gostava de Pink Floyd era a Susana, naquele tempo todos tínhamos uma banda favorita. O João sabia tudo o que havia para saber sobre U2, a Rita só ouvia Springsteen (ela dizia "O Boss"), o Rui gostava de Alphaville e um dia disse-nos isso e nunca mais foi a mesma coisa. Eu gostava de Beatles, que naquele tempo era mais ou menos como gostar de Alphaville. Até que um dia ouvi Pink Floyd mesmo a sério. The Wall. Bateu forte, tão forte que um dos grandes desgostos da minha vida foi não ter ido ao concerto de Alvalade.

Viagem ao Mundo da Droga, Charles Duchaussois - Não foi pela história do tipo nem pelas drogas. Foi porque o tipo foi para Katmandu. Ao pé do Everest. Não sei se estão a ver...

Adidas Nastase e calças Levi's - Traziam-me de França os Adidas Nastase e dos Estados Unidos as Levi's. E t-shirt branca.

Inter-Rail - Um homem tem vinte anos e está a fazer o seu segundo inter-rail. Segundo de sete. Pode mudar de rota sempre que lhe apetece. E muda. Os amigos estão ali, vinte e quatro horas por dia. Tanto se pode ir a caminho das ilhas gregas e afinal vai-se para a Croácia como se pode estar a caminho de Paris e afinal Verona é que é. Os Alpes e Biarritz. Éramos felizes e sabíamos isso.

Live Aid - De facto, foi muito antes dos vinte anos. Bono a dançar com a miúda ao som de Bad. Os Queen e Bohemian Rapsody. E Bob Geldof, o meu herói. Achei mesmo que a música acabaria com a fome em África. Eu tinha menos de vinte anos, não sei se já disse.

Blitz - O Blitz debaixo do braço às terças feiras dava-me uma aura de intelectual alternativo. Isso e dizer-se que eu gostava de ópera. E de rock de bandas de garagem, que tinha gravado em cassetes. E que, às vezes, ia ao Rock Rendez-Vous. A última vez que me apaixonei, estava a ler o Blitz. Ela arrancou-mo das mãos. Fez bem.

Herman José - A primeira pessoa que achei genial. E era. Naquele tempo.

Raquel - Pura química. Demasiada química. Casou com um tipo mais velho. Engordou. Anda de fato de treino aos domingos nos centros comerciais. Compra coisas na Primark. Vai para o parque de campismo da Costa de Caparica em Agosto. Espero eu.

Inspirado nisto aqui.

14 fevereiro 2016

Pipoco escreve como...

O leitor decide o próximo.

(e eu decidirei se gosto da decisão do leitor)

Pipoco escreve como...

Talvez não fosse má ideia que as pessoas se informassem e lessem isto. Ou este estudo. Não contem com o meu silêncio sobre estes números, o que está em jogo é vital para aquilo que somos enquanto civilização. O Zach, o polaco que foi meu assistente no lab do Arkansas está a fazer um trabalho sério no Mc Donalds de Auckland e pagam-lhe dez mil dólares canadianos por mês, o triplo do que oferecem aqui a um doutorado em placas histamónicas num lab que investiga a hipermerotrofose, a proteína que faz com que os homens profiram piropos. E o Zach recebe mais trinta por cento do que a Xing, a chinesa que encontrei numa festa de alunos repatriados em Saigão, o Zach quer convencer-me que é porque ele trabalha sete dias por semana e ainda faz as folgas da noite dos colegas e a Xing só faz as manhãs de domingo, mas eu sei que pagam menos à Xing porque ela é mulher. E chinesa. E este estudo é claro, as mulheres chinesas são as mais desprotegidas. Por exemplo, o Zach manda piropos à Cathy e não manda piropos à Xing. E porquê? Bem pode o Zach dizer que a Cathy é a namorada dele, mas eu sei que ele ignora a Xing por ela ser mulher. E chinesa. E receber menos do que o Zach. Vejam este estudo. Informem-se. Não se deixem adormecer. E livrem-se dos Zach's.

10 fevereiro 2016

Pipoco também fala de Chanel

Vai para dezanove invernos que ando à procura do chocolate quente perfeito. Há dezanove invernos serviram-me o chocolate quente perfeito num abrigo de montanha, depois de dez horas de maus caminhos nos Dolomites, com uma boa corda às costas, à chuva e com demasiado frio, mesmo para os meus padrões. No abrigo havia uma lareira de lenha que me secou as botas e um chocolate quente que me aqueceu a alma. Vai para dezanove invernos que procuro um chocolate quente igual, já o procurei no Artisan du Chocolat, em Chelsea e no Ritz de Viena, no Les Deux Magots e no Butler de Dublin mas nenhum me soube como aquele chocolate quente no abrigo de montanha dos Dolomites, há dezanove invernos. Leite quente e um pacote de Ovomaltine.

E afinal também não há evidências de que Cristãos tenham sido mortos por leões no Coliseu...

Mergulhar numa cidade como esta estilhaça-me o ego, tal é a sensação de achar que afinal não sei nada de nada, afinal desconhecia que o funeral de Bernini foi em Santa Maria Maggiore e que Ghirlandaio também tem um fresco na Capela Sistina, que há grandes escritores de quem não conheço as obras e que nem sequer vi todos os filmes de Fellini.

E é tão bom.

07 fevereiro 2016

Dos dias perfeitos

Escutei com atenção as palavras de Francisco, que me falou de pescadores de peixe que se transformaram em pescadores de homens e acabou por pedir que não nos esquecêssemos de rezar por ele. De também rezar por ele. Primeiro pelos sírios, depois pelos doentes, a seguir pelo Sporting a ganhar o campeonato e, se tempo houver, rezar por Francisco. Valeu bem is quarenta minutos de espera.

A seguir fui comer queijo parmeggiano com vinho tinto. E pasta com mexilhão.

04 fevereiro 2016

Ser snob-chic é saber...

...que  o indicativo do "Cinco Minutos de Jazz" se chama "Lou´s Blues" e que Lou Donaldson, o saxofonista que o escreveu, tocará este mês no Hot Clube do alto dos seus oitenta e nove anos.

03 fevereiro 2016

Vasconcellos de Carmona

O Vasconcellos de Carmona não é mais velho que eu, mas parece. Sabíamos sempre quando o  Vasconcellos de Carmona estava para chegar, o tempo ficava igual ao da Cornualha no Inverno, cheirava a terra onde se apanham trufas e a queijo Roquefort, a vinhos de Château e a tabaco de cachimbo. O Vasconcellos de Carmona usava sempre uma boina e colete, que cobria com casacos de tweed de corte irrepreensível. Ligavam-nos os livros, o Vasconcellos de Carmona tinha a biblioteca mais fantástica que eu já vi e não se negava a emprestar-me edições antigas, demorando-se a explicar-me as diferenças entre aquela edição e as edições menores.

Hoje almocei com o Vasconcellos de Carmona e com a mulher com quem vai casar daqui a umas semanas. Chama-se Vanessa e tem unhas de várias cores.

Não antecipo nada de bom.

02 fevereiro 2016

Em verdade vos digo

Não há melhor rede social que uma mesa com amigos meus à volta.

01 fevereiro 2016

Eu? Ora, eu tenho a Dona Judite...

Das mulheres que mandam na minha vida, a Dona Judite será, talvez, a que mais manda. Quando peço o peixe certo no dia errado, a Dona Judite abana quase imperceptivelmente a cabeça e eu percebo logo que é melhor pedir outra coisa qualquer, quando eu reclamo que não me cobrou o café, a Dona Judite informa-me que não era o meu dia de pagar café, quando não me apresento à hora aprazada no dia de bacalhau cozido, a Dona Judite faz com que me informem que só me "aguenta a mesa mais cinco minutos" (e é ver-me a terminar a reunião à pressa). A protecção da Dona Judite começou no dia em que lhe entrei com o arrumador de carros porta dentro, deu-se o caso de o arrumador de carros me ter pedido uma moeda para comer e eu disse-lhe que o convidava para almoçar comigo. O arrumador de carros passou os olhos pela lista e informou-me que deixasse estar, que não lhe apetecia nada daquela lista de mais de dez pratos. Desde esse dia feliz, a Dona Judite achou que eu era um inocente e jurou que me havia de proteger das coisas sérias da vida e o arrumador de carros nunca mais me falou de moedas. A Dona Judite decide quando eu preciso de um desses guardanapos que protegem as gravatas (e não se afasta enquanto eu não o coloco), decide quando a minha sobremesa deve ser maçã maçã assada (ainda que eu insista "é só um café, Dona Judite"), decide quando manda o Senhor Mendes, o marido que está a aviar ao balcão, falar um bocadinho de bola comigo, sempre nos dias a seguir ao Sporting ter perdido um jogo (não temos falado muito nos últimos tempos), decide quando senta um desconhecido à minha frente (acho que ela percebe logo quando eu entro se isso de partilhar a minha mesa com desconhecidos é ou não uma boa ideia) e decide quando me traz mais um quarto de dose, ainda eu vou a meio da dose inicial.

No restaurante da Dona Judite, eu mando pouco, mas mando alguma coisa: a Dona Judite encomenda o "Público" porque sabe que não lhe leio o "Record" nem o "Correio" e encomenda um vinho que só eu é que bebo, que ela pede com voz de trovão ao Senhor Mendes "dá-me uma garrafa da marca do Engenheiro!".

(dando seguimento às crónicas de Don Xilre, Madame Palmier Encoberto, NM e Linda Blue)