26 agosto 2019

Vista da janela da Casa di Célia

Imagino que Célia, não há em Água Izé quem não a conheça, um dia se fartou de tudo e resolveu fazer da vida uma coisa em condições, com um propósito.

Isto do turismo de comunidade não é para todos os estômagos, mas acordar com os sons de uma aldeia de São Tomé, ver o benfica - porto num espaço mínimo onde cheira a suor e a pála-pála de fruta pão, onde cada jogada é celebrada como se fosse golo certo, onde corre de mão em mão o copo de vinho de palma, é coisa que não se esquece.

Comprar por vinte dobras a banana prata e os legumes de que já desisti de conhecer o nome, juntá-los a um punhado de arroz, enquanto resisto com cara sorridente ao enésimo pedido de “doce-doce” do dia, beber uma Rosema gelada é coisa que vale uma viagem grande.


16 agosto 2019

Acabou de acontecer

A rapariga que estava à minha frente na fila tinha tatuada na perna uma mensagem que dizia "Martim, 15 de Fevereiro de 2017, 57 cm, 3,27 kg", "Então, Martim, isso faz-se?",disse eu quando o rapazito que estava agarrado à rapariga que estava à minha frente na fila me deitou a língua de fora, e o rapazito, impressionado com os meus saberes, com a voz esganiçada que todos os rapazitos com pouco mais de dois anos e meio possuem, espantou-se e disse à rapariga que estava à minha frente na fila "Mãe, aquele senhor é mágico, ele sabe o meu nome!" e eu, que sou como sou, aguentei firme o olhar reprovador da rapariga que estava à minha frente na fila.

15 agosto 2019

Historinha

Era uma vez um corpo e, um dia, os órgãos do corpo decidiram que  o mais importante deles havia de ser o chefe, e disse o cérebro que o chefe devia ser ele, afinal era ele quem que pensava, o que tudo decidia, logo o coração alegou que não podia haver dúvidas, deixasse ele de bater e o corpo deixava de viver, o chefe tinha que ser ele, pediram a palavra os pulmões, que não havia dúvida que os oradores antecedentes eram razoavelmente importantes mas o chefe tinha que ser ele, o que permitia que o corpo respirasse.

Estavam todos naquelas alegações quando deram conta que os intestinos, que ainda não tinham pedido a palavra, tinham deixado de trabalhar...


(não são só os homens dos camiões a poder transtornar os nossos dias, o que não faltam são pessoas invisíveis que, caso se decidam a aborrecer-nos, a coisa é capaz de ser desagradável)

14 agosto 2019

Paredes de Mouros

Todos os anos, por altura dos festivais de música, tomo nota mental de não me esquecer de comprar uma t-shirt que tenha estampada a cara de um artista do meu gosto, que me afirme no meio da multidão como um tipo que sabe escolher e não tem medo de o dizer ao mundo, basta de me cruzar com rapaziada da minha idade ostentando t-shirts estampadas com uns indivíduos a atravessarem uma passadeira, ou com um pequeno bebé submerso perseguindo uma nota de dólar ou ainda com um tipo com um boné encarnado no bolso traseiro de umas Levis 501 ou com um prisma de vidro a separar em cores um feixe de luz branca, e eu ali, um tipo de t-shirt branca que tanto serve para um festival de música como para uma saída para beber uma tequilla nocturna, para o ano não me esquecerei de, pelo menos, seleccionar a minha t-shirt dos Monty Phyton e não ser apenas mais um indiferenciado na grande tribo da rapaziada dos festivais.

12 agosto 2019

Pipoco manda um abraço...

...à rapaziada dos registos e notariado, que não tiveram quem lhes explicasse que marcar greve para esta semana era capaz de não ser lá grande ideia.

06 agosto 2019

Quando o avião que me tira da Terceira se atrasa,...

... o que acontece quase sempre, proporciono a mim próprio uma dezena de minutos de contemplação dos vídeos de touradas à corda, a coisa passa em contínuo na montra da loja de jornais já fechada do terminal de saídas, uma generosa oferta da Foto Gabriel, Açores, há homens com guarda-chuva que espicaçam os touros bravos, os homens invariavelmente carregam uma super-bock na mão e óculos espelhados na cabeça e são demasiado lentos na hora de escapar do touro, alguns tropeçam em si próprios na hora de escapar, a vida tal como ela é, a história acaba sempre com o touro a aborrecer-se com a provocação, o homem esvoaça no ar, a garrafa de mini cai em câmara lenta na calçada, a espuma a perder-se pelo gargalo, o homem a tentar proteger-se da fera, os homens da corda a salvar a situação, o homem a acabar por se levantar a custo, cambaleante, atarantado, os amigos a incentivá-lo a voltar à carga, o homem a não ter outra opção que não voltar, amarrotado, sem a sua mini super-bock, os óculos espelhados perdidos algures, a camisa em farrapos, o homem a cambalear, braços levantados, ar de quem não quer estar ali, eu a pensar que, não houvesse mulheres a ver, e eles renunciariam a nova investida.

05 agosto 2019

Pipoco pergunta

Quantos sítios já desperdiçaste só porque escolheste estar lá com a mulher errada?

04 agosto 2019

Enquanto dormias

Eu esperei que o sol nascesse ao som de Grieg e com as palavras de Dickens, depois corri uma hora certinha com o cão ao lado, parámos só um par de minutos para um mergulho na barragem, ainda tive tempo para apanhar um saco de amoras selvagens que me saberão pela vida a acompanhar o bolo lêvedo que trouxe ontem dos Açores, tomei um banho de mangueira com os pés na relva e vi meio episódio de uma série que ainda não decidi se gosto ou não.

(mas podes continuar a dormir, é claro...)