31 março 2015

Os problemas das mulheres

Desejar muito uma coisa, que teimamos em não lhes dar.

Quando finalmente lhes damos a coisa, afinal não queriam a coisa.

30 março 2015

São as tartarugas quem melhor conhece os caminhos, não as lebres

O Micaelis de Sottomayor sabia gerir os tempos, conhecia o efeito dos longos silêncios. Dizia-se que numa ocasião, tinha conduzido o seu velho MG verde de Monte Carlo a Portofino sem trocar uma palavra com a mulher que tinha ao lado, que tinha perguntado "e agora?" a um Micaelis de Sottomayor meditativo, que havia de gerir o tempo de resposta com doze horas de viagem suportadas pelo Requiem de Bach, convenientemente adequado à situação, sempre com os olhos no horizonte, cofiando a barba de três dias e, mesmo assim, não cometendo a deselegância de parecer fugir à pergunta.

O Micaelis de Sottomayor não desconhecia que não  há outra forma de assegurar os favores de uma mulher que não seja espevitar-lhe o cérebro, era por isso que se demorava a contar-lhes as histórias dos velhos marinheiros do porto de Hamburgo, convocando-as para o melhor Sepulveda, de como lhes falava das praias da Côte d'Azur, convocando-as para o pior Hemingway, demorando-se a explicar Veneza e elas a imaginá-lo um Corto Maltese com histórias incontáveis.

O Micaelis de Sottomayor tinha lido Cervantes e sabia que aquele que lê muito e anda muito, vê muito e sabe muito é (quase sempre) o escolhido, o que passa por ser aquele que realmente sabe de mulheres.

Ainda assim, o Micaelis de Sottomayor não sabia nada de mulheres.

29 março 2015

Já que aqui estais, sempre vou perguntando

Diz-nos Borges que, ao contrário de tudo quanto o Homem inventou, que são extensões do seu corpo, o livro é assombroso por ser uma extensão da memória e da imaginação.

Se um blogue é uma espécie de livro, então é uma espécie de extensão da nossa memória e imaginação.

Não devia servir para fazer aborrecer pessoas, pois não?

Herberto

Um dia, era o tempo em que ainda não tinham inventado os blogues, deram-me a conhecer Herberto, com o sábio conselho de o apreciar com tempo, asseguraram-me que havia de gostar e eu não gostei logo, talvez por ter desprezado o conselho de ler Herberto só quando tivesse tempo.

Muitos anos depois, sem ser diante do pelotão de fuzilamento, Herberto acompanhou-me numas férias feitas de subir montanhas e nesses dias, com tempo, talvez tenha gostado de ler Herberto, quando se trata de poetas como Herberto nunca sabemos se gostámos, nunca estamos certos de ter percebido as palavras que lemos. Imaginei sempre um Herberto forte, tonitruante, fazendo tremer aqueles a quem não reconhecia intelecto, um homem só, a alquimia de conjugar palavras não é uma arte que suporte companhia, um homem-rochedo, duro e frio, inacessível.

Ver, como eu vi, um retrato de Herberto com uma manta de padrão escocês a cobrir-lhe as pernas, aquecedor a óleo no escritório e livros de Herberto por detrás de um Herberto sentado numa poltrona, aqueceu-me a alma, fez-me crer que afinal os poetas, mesmo Herberto, são como nós, só são bastante melhores que nós.

Que estás a fazer neste momento, Pipoco?



28 março 2015

Ainda as pequenas coisas

Era uma vez quatro bilhetes para o jogo da bola de amanhã e uma maçada que me impede de lá estar.  Era uma vez uns tipos na mesa de esplanada ao lado da minha com ar de quem havia de gostar de ir ver o jogo. Era uma vez quatro bilhetes a mudar de carteira e dois tipos a não acreditar no que se estava a passar. Era uma vez eu a desejar- lhes um bom jogo e os tipos a dizer "obrigado" .

27 março 2015

Estava aqui a alinhar qualquer coisa sobre as manas Lousada

O Micaelis de Sottomayor sabia de mulheres, pelo menos era o que ele dizia. E parecia mesmo que sabia de mulheres, bastava o Micaelis de Sottomayor entrar na sala, fazer um compasso de espera na entrada, estendendo o seu sobretudo ao criado, um bom sobretudo em pele de carneira, trocado por meia dúzia de dólares em Aceh, no Magreb profundo, igual ao sobretudo que Brel, Jack Brel, usou no concerto do Olympia em sessenta e dois, e logo os olhares se cravavam no Micaelis de Sottomayor, dizia-se que tinha perdido uma fortuna a jogar black jack no Casino, e no fim, imperturbável, depois do "nada mais" do croupier, virara as costas, sem sequer esperar para se certificar que a bola não tinha parado no quarenta preto, pediu um whiskey, um Dimple de quarenta anos, e, bebendo-o de um trago, saiu sem uma palavra, sem um lamento, mas com o sobretudo.

Micaelis de Sottomayor saboreava aquele silêncio, perscrutava o horizonte com o seu olhar gélido e todos temiam um sinal, o sinal que era a sua mulher quem o Micaelis de Sottomayor cobiçaria nessa noite, o homem do piano atacava alguma coisa de Zbigniew Boniek para desanuviar o ambiente e só nessa altura avançava o Micaelis de Sottomayor, cumprimentando com aperto firme os cavalheiros, inclinando ligeiramente a cabeça e dizendo com voz grave e baixa "minha senhora" quando cumprimentava as mulheres. Havia sempre alguém que se oferecia para levar o Micaelis de Sottomayor para a varanda, alegando a soberba vista do mar dessa Bolonha de outrora, acenando com a suavidade de um cubano Alonzo Menendez, tudo para que o Micaelis de Sottomayor não inquietasse as senhoras, que já se afrontavam, apartando-se dos seus homens, fingindo desinteresse súbito pela atapetado da sala e invocando necessidade do ar fresco da noite.

O Micaelis de Sottomayor não percebia nada de mulheres.

26 março 2015

Bocejando

E finalmente sentamo-nos numa esplanada com vista de mar. E pedimos um café. E, em vez de o tomar de um trago, temos tempo, por uma vez, para sentir a chávena quente, notando o fio de fumo que se desprende da chávena, admirando a consistência da espuma, fechando os olhos e aspirando o odor do café, talvez imaginando os grãos ainda antes de serem torrados, sentindo a mescla de odor de maresia e café quente. E tomamos o primeiro gole de café, sentindo o sabor, apreciando a mistura de arábica e robusta, sentindo no palato o sabor forte, sentindo agora mais forte, porque mais próximo, a feliz mistura do cheiro quente do café com o ar frio marítimo. Às vezes não é má ideia apreciar as pequenas coisas. Nem sempre temos tempo.

25 março 2015

Parábola dos peixes do lago Tanganica

Estava aqui a lembrar-me, Ruben Patrick (sim, podes servir-te dessa garrafa, para ti serve bem, eu fico com o meu Yamazaky single malt, uma descoberta deste ano) que existe no lago Tanganica um peixe que muda de cor, agora quer impressionar e transforma-se num peixe colorido, brilhante, até parece que aumenta o tamanho (senta-te, não fiques em pé, rapaz), agora transforma-se num peixe cinzento, sem jeito nenhum, um peixe indiferenciado, se é que me explico, um peixe em que ninguém repara. O mesmo peixe, Ruben Patrick, falamos do mesmo peixe.

O problema, Ruben Patrick, problema para o peixe, bem entendido, é que o peixe colorido, o que dá demasiado nas vistas, é precisamente o peixe que os flamingos do lago Tanganica primeiro vêem, não importa se há flamingos no lago Tanganica (sim, é Cohiba Lanceros, acho que o mereço no fim destes dias com tantas horas, as coisas são assim mesmo, um homem tem que se mimar quando os dias tem demasiadas horas), o problema, dizia eu, é que os peixes muito coloridos ficam mais visíveis para os flamingos. E os flamingos, Ruben Patrick, adoram peixe.

24 março 2015

Em verdade te digo, Ruben Patrick

Leram todas muito Herberto Helder.

Claro que sim.

22 março 2015

Tudo o que retive da Happy Conference

Os vencedores do Oscar vivem, em média, mais quatro anos do que aqueles que são apenas nomeados.

20 março 2015

O Estranho Caso do Teste aos Níveis de Charlização

Trovejava. O vento uivava, o frio entranhava-se pelas frinchas da caixilharia de alumínio daquele snack-bar infecto, um odor eterno a copos mal lavados de vinho barato dilacerava as narinas das jovens moças que, havia dias, decidiam a liderança. Um som de botas com biqueira de aço fez-se ouvir acima do ruído da trovoada. "Foda-se, caralho, puta que pariu esta merda", disparou, à laia de cumprimento, a nova entrante, enquanto pousava a Uzi em cima do balcão de fórmica. "Foi a tua chefe, outra vez?", questionaram as que já lá estavam. "Não, caralho, vim de bicicleta e chove que é uma coisa que puta que pariu". Elas assentiram, não queriam contrariar, afinal uma Uzi é uma Uzi e ela, a Uzi, estava ali à vista de todos, o melhor era não contrariar, não sugerir que mudasse de emprego, não sugerir nada, não perturbar os nervos, uma Uzi é uma Uzi, não sei se já tinha dito.
"Eu tenho muitas visitas, olhem, eu tenho muitas visitas" - ouviu-se, som abafado, vindo de parte incerta. "Outra vez ela, caralho?". "Sim, está nisto há dois dias, sempre a repetir a mesa coisa, tivemos que meter dentro do cesto da roupa suja, para abafar a lengalenga. Já lhe mostrámos o link que está no blogómetro, mas se calhar é melhor levá-la para Paços de Ferreira e fazer como fez o tipo do Goodbye Lenine à mãe".  "Foda-se, alguém que a cale".  " "Visitas, todos me visitam, olhem, tantas visitas". "Não devias ter inventado aquilo do incrementador de visualizações, só serviu para piorar a situação". "A intenção era boa, caralho. E as outras, onde estão as outras?". "Estão para ali a falar do costume, que os maridos não sei quê, que as crianças são muito lindas, a trocar receitas de culinária, o costume. Com essa três não podemos contar". "Então é connosco, caralho, a liderança decide-se entre nós, foda-se". "É verdade, estou de acordo". "Tu estás sempre de acordo, caralho. E não podes ser tu a mandar nisto, não resultas bem nas fotografias, essa cara circular, sempre pintada de preto não resulta bem". "Achas que devia tirar menos fotografias?". "Foda-se, claro que não, as fotografias são um chamariz, isso e os cães". "E então eu disse-lhe, veste a roupinha que a mãe escolheu, e ela, tão inteligente, minha rica menina, disse que não estava frio suficiente para levar calças, ela disse isso? disse, é muito adiantada para a idade, pois não é? e o meu homem vai buscá-la à escola, sempre me deixa tempo para fazer um jantar diferente, o que não se aguenta é tanto trabalho, ando estaf...". "Pum! Pum! Pum! Aiii". "Credo, não era preciso eliminá-las assim". "Foda-se estavam a irritar-me, pareciam a minha chefa". "Fizeste bem, então". "Visitas, tenho visitas". "Pum. Aiii". "Fizeste bem, fizeste bem". "Foda-se, agora nós, como é, quem manda nisto? E se fôssemos ler uns blogues, só para ter tema de conversa, depois dizíamos aqui que elas são assim e assado e sempre nos entretíamos? Que dizes, caralho?". "Está bem, então. Mas arruma a Uzi...".

19 março 2015

O Estranho Caso do Teste aos Níveis de Charlização

Parece que o Ruben Patrick tem um post quase pronto.

Só num capítulo. Sem parceria nenhuma.

17 março 2015

Mas agora a sério...

Todo o Correio da Manhã precisava de uma boa barrela, não vos parece?

(aprendi que quando termino um post com um ponto de interrogação as pessoas comentam com mais ganas)

(excepto neste caso, em que já se sabe que as pessoas estão mais atentas e farão d econta que não lhes apetece dizer nada)

16 março 2015

Isto dos blogues

Falas do caso do cão que morreu? Isso não é nada, ao pé das mulheres que morrem às mãos dos maridos, disso não falas, não é?

Falas das mulheres que morrem? E as crianças de África que morrem de fome, que insensível és tu que nem uma palavra tens para as crianças de África?

Falas das crianças de África que morrem de fome? E aqueles que morrem na Ucrânia, que além de fome morrem da guerra?

Falas da Ucrânia? Não é preciso ires tão longe, fica sabendo que aqui, bem perto de nós, onde podemos actuar, ainda um dia destes morreu um cão? Disso não falas tu.

14 março 2015

Idiossincrasia

E tu, qual é a palavra mais bonita que conheces?

13 março 2015

Pipoco ajuda a causa feminista e também se insurge contra as situações

José não sei quê Saraiva, de quem sabemos que ainda mexe a cada vez que nos dá conta da sua bizarra maneira de ver as coisas, conta-nos esta semana a incrível história das  aventuras diversas de uma artista, ou lá o que é, citando um artigo de um jornal e escarrapachando-nos a sua familiaridade com a tal artista, nada menos que ex-mulher de um amigo do filho de José não sei quê Saraiva, quase família, portanto.

A partir da movimentada vida sentimental da artista, José não sei quê Saraiva constrói todo um cenário de casas por construir, igualzinho às vidas desconstruídas por se ter uma vida amorosa efervescente, escancara-nos o caminho do bem, informando-nos que na vida raramente é possível voltar atrás, convida-nos a meditar profundamente na problemática de, nas casas como na vida, se estivermos sempre a desfazer o trabalho feito, quando damos por nós o tempo esgota-se e não há casa nenhuma.

José não sei quê Saraiva, num hino à imbecilidade, olvida o mais relevante, aquilo que é essencial nesta história, a única coisa que realmente importa: afinal qual é o contacto de Marta Leite de Castro?

Este blogue faz hoje anos

Cinco anos. Ou quatro, no princípio era uma aposta que durou um ano, depois finou-se por outro ano e cá vamos no terceiro ano da segunda vida.

Há dias em que me fica curto, há dias em que me assenta melhor, outros dias há em que me parece fora de moda, há dias em que me ajuda a passar o tempo, há dias em que me parece uma perda de tempo. Olho para trás, para o que escrevi antes, e parece-me que este blogue é um imenso e único post, escrito de maneira diferente, mas sempre o mesmo.

Tirando um ou dois episódios, têm sido dias bons, continuo a gostar da magia de poder haver quem me faz reflectir e nem sequer nos conhecemos, continuo a espantar-me com o rumo que as coisas podem levar, só porque alguém mostra um ponto de vista diferente, continua a divertir-me que o rumo seja exactamente aquele que eu lhe dou.

Já gostei menos deste blogue.

12 março 2015

Coisas que eu apostei que seriam esmiuçadas esta semana nisto dos blogues, mas afinal não. (e eu não posso estar em todas)

Zezé Camarinha faz não sei quê a Castelo Branco

O vizinho que mandou um balázio no cão do vizinho e o cão faleceu

Vamos então conversar sobre o assunto

Gasta as tuas energias a combater os homens maus. Nem todos os homens são maus.

Os homens não mudam muito. Se o tipo te agredia quando o conheceste, não o escolhas para passar uma vida ao teu lado.

Evita o folclore. Mulheres mascaradas de cães a entrar por uma barbearia dentro não é uma boa ideia. Nunca é uma boa ideia.

Os homens sabem cozinhar. E tratar de crianças. E passar roupa a ferro. Preferem ver futebol. Não lhes facilites a vida.

Uma entrevista para emprego em que o candidato tem um impedimento para meia dúzia de meses, pode correr mal. Aceita que o empregador, se está a recrutar, talvez precise de disponibilidade imediata. Um candidato com férias marcadas para a China na semana seguinte não será seleccionado. Uma mulher grávida, também não.

"É da natureza dos homens" é um conceito que não existe. Os homens fazem aquilo que tiver que ser feito. As mulheres também. Com excepções. Poucas e óbvias.

Aceita que podes não ter força para mudar um pneu. Isso não quer dizer que não o saibas fazer. Alguns homens também não têm força para mudar um pneu.

Não descanses enquanto não existir igualdade. Igualdade é quando uma mulher incompetente chefiar um homem mais competente que ela.

Usa a inteligência emocional. Há quem defenda que a das mulheres é superior à dos homens. Nota que eu não digo tal coisa.

11 março 2015

Isto somos nós a conversar, é claro...

Lá está outra vez o gajo com a mania que manda, lá em casa deve comer e calar; ele não sabe como é, não o carregou nove meses; é Dia da Mulher, onde está o meu presente?; sempre a queixar-se, se soubesse o que é parir...; ui, veste calças vermelhas...; deixa, eu faço, não queremos jantar comida queimada, pois não?; eu vi a maneira como olhaste para ela, não me mintas; ele é esquisito, nunca o vi com nenhuma mulher; eles não têm sensibilidade nenhuma; tem uma voz tão fininha, deve ser...; podias oferecer-me aquela mala, depois eu compenso-te; não me choca, até tenho amigos que são; eles são muito mais solidários uns com os outros; ui, viste como ela está tão gorda?; deve ter uma pila pequena...; ele é tão desajeitado com as arrumações...; si, vai lá jogar futebol, até me dá jeito para arrumar a casa; com aquele feitio, só se for mesmo bom na cama; mas olha que ele está tão bem na vida, não o deixes fugir; querido, podes vir aqui mudar o pneu?; e tu ficas-te?; e para que quer um homem entrar numa manicura?; este era para casar...; eu desculpo-o, aquilo foram só nervos; temos que lhes dar desconto, não há quem os ature quando o Glorioso perde; não lhe digas nada, ele pode prejudicar-te; prefiro mil vezes trabalhar com homens; não vou, não tenho a depilação feita; quero um casamento de sonho; hoje vou arrasar, estes sapatos de salto alto fazem-me sentir poderosa; eu vou conseguir mudá-lo; não posso acreditar, ela vai casar-se de branco?,...; aquilo foi da educação, a mãe não o deixava fazer nada; vai lá com o teu pai jogar à bola; fuck me bad once, shame on you, fuck me bad twice, shame on me; ui, esse é pior que as mulheres.

(baseado naquelas coisas que a Rititi escreve, que me chegou citada pela Luna, que jamais me citará)

E funciona?

 "Esquecer - disse Borges -, isso é tudo quanto se pode fazer. Quando me fazem mal, finjo que aconteceu há muito tempo e a outra pessoa qualquer.

- E funciona?


- Mais ou menos - mostrou os seus dentes amarelos -, mais para menos do que para mais."

Paul Theroux, O Velho Expresso da Patagónia

10 março 2015

Atentai nisto, vós que vos exasperais com isto dos blogues

"- A vingança não altera o que foi feito. Nem o perdão. Vingança e perdão são irrelevantes.

- Que se pode fazer, então?


- Esquecer - disse Borges -, isso é tudo quanto se pode fazer. Quando me fazem mal, finjo que aconteceu há muito tempo e a outra pessoa qualquer."


Paul Theroux, O Velho Expresso da Patagónia

09 março 2015

Adenda

Afinal não foi má escolha.

(tudo está bem quando acaba bem)

Post em tempo real

Caramba, sou tão tonto nas escolhas que faço para ocupar uma segunda-feira à noite...

(sim, estou em Alvalade...)

Post das oito e meia

Nem sempre escrevi em Arial Onze, nem sempre seleccionei "casa" num monitor e o carro me ensinou o melhor caminho para chegar a casa, nem sempre me bastou dizer "Rita" para o telefone marcar o número da Rita, nem sempre corri com as minhas músicas nos ouvidos.

Houve um tempo em que escrevia à mão, primeiro letras redondinhas e certas, depois sempre em maiúsculas, finalmente com letras que só eu entendo, houve um tempo em que me servia de mapas e cartas topográficas, houve um tempo em que ligava de telefones públicos (nessa altura ligava para a Mafalda), houve um tempo em que recolhia a fita das cassetes com uma esferográfica, para não gastar as pilhas do walkman.

08 março 2015

Cinco da tarde, e nada

Nem um post sobre a ignomínia de ainda ser necessário um Dia da Mulher ou um post laudatório ao Dia da Mulher e ao tanto que ainda há por fazer, sequer um post com o retrato das operárias da fábrica Têxtil de Nova Iorque. 

Estão todas a aproveitar o calorzinho do dia, é o que é.

07 março 2015

Estava aqui a escutar isto e apeteceu-me dizer-vos que estava aqui a escutar isto


Sábado, quando ninguém nos ouve

Às vezes, nesses dias em que se me esgotam as baterias das máquinas de falar e ainda faltam três horas de voo ou de estrada para chegar a casa, posso sempre escolher falar comigo, com esse que fica sempre para trás, atrás daqueles com quem falo nas reuniões, daqueles com quem falo ao telefone, ao almoço, daqueles com quem falo sem conhecer. Às vezes é bom falar comigo, perguntar-me como vão as coisas, aceitar-me sem julgamento. Às vezes é bom rever os meus fantasmas, às vezes é melhor escrever mais um post.

06 março 2015

O problema das mulheres

Dizerem "é pior que as mulheres" quando desejam realmente ofender um homem.

O moço de fora e a criadita de dentro

Quem realmente mandava na casa era o Senhor Constantino, o velho mordomo, com uma amplitude de saberes que se estendia desde o domínio da dose certa de gin que satisfazia o Tio Aldemiro até à análise cirúrgica das jovens donzelas que me visitavam a propósito de saber do meu estado geral, "tenho o menino Pipoquinho muita atenção a esta, que não quer outra coisa senão o seu corpo", "saiba o menino Pipoquinho que o aguarda na sala de visitas a menina Isaltina, filha do Doutor Gonzalez de Noronha, gente de bem", e lá estava eu, avisado dos perigos ou da segurança que me esperavam na sala de visitas, onde dois grandes jarrões de louça bizantina sustinham begónias colhidas no inverno, onde a cara dos velhos e façanhudos antepassados davam as boas-vindas a quem esperava. O Senhor Constantino, tinha começado por ser o Constantino, o moço de fora, que nos engraxava as botas de montar e trazia os telegramas ao meu avô Benevides, que o tinha acolhido quase como seu filho, o pequeno Constantino ali no meio dos silvedos, mal aconchegado num caixa de madeira, dessas de laranjas colhidas ao amanhecer, ainda orvalhadas, o meu avô Benevides a sair para a caça da lampreia e, comovido, encheu-se-lhe o coração de compaixão e logo ali ordenou ao fiel Sebastião, que levasse o rapaz para a quentura da vacaria que ele, terminada a caçada, logo havia de decidir que se destino se daria ao rapaz. Dois dias mais tarde, havia de se voltar a lembrar do rapazito e, desde esse dia, haviam de ser inseparáveis, isto, é claro, cada um sabendo da sua posição, o avô Benevides sentado no seu cadeirão de couro curtido na estepe amazónica, o Constantino ocupando o caramanchão do jardim, crescendo em graça e idade, a ponto de um dia, não sei antes obter a necessária aprovação do meu avô Benevides, acabar por se perder de amores pela Zunolinda, a criadita de dentro, que um dia terá aqui a sua história, assim me continue a divertir recordar-me destes tempos tão sãos, tempos de respeito e em que cada um sabia a importância de as coisas realmente serem como são.

05 março 2015

Como podia ser bom o serviço?

Quando todos se aborrecem com os esquecimentos de Zeinal, eu só tenho olhos para a pulseira do Senhor do Bonfim que Zeinal orgulhosamente exibia.

Quando todos exaltam a comoção de Granadeiro, eu só me pergunto como é possível que Granadeiro transforme Egas Moniz em primo do rei.

04 março 2015

Coisas verdadeiramente importantes

Estive a falar com as minhas árvores no domingo e sei que não tinham flores. Hoje, quando abri a janela, pareceu-me ver a pereira a florir. Fui ver. O damasqueiro também estava.

Estava a preparar-me para a meia maratona na ponte e senti dor de músculo a rasgar. Ofereço uma inscrição para a meia maratona na ponte.

Decidi não voltar a correr muito longe de casa. Foram penosos aqueles dois quilómetros.

A posta de Lafões do Zambeze alimenta uma família. O tipo que me acompanhou, com um mestrado em arquitectura, nem sempre consegue.

Ulisses, o cão está um companheirão. Ulisses, o livro, não.

Ontem uma mulher muito bonita deu-me três nós cegos com uma única pergunta. Encaixei bem.

Não estou habituado a que me dêem três nós cegos tão bem dados. Lembrei-me que os nós cegos foram-me sempre dados por mulheres. Algumas não eram bonitas.

Acho que estou viciado no cheiro de livros antigos.

Mandaram-me outra vez mudar de carro. Dois anos e meio passam num instante.

Acho que know who é melhor que know how. Não estou particularmente feliz com a constatação.

Ontem ao jantar perguntaram-me o que era o Rock Rendez-Vous. Foi bom ver três pares de olhos a brilhar enquanto eu contava. Sem contar com os meus.

Ainda estou a pensar naquilo dos nós cegos.

Gosto muito dos meus comentadores. Mesmo os que não têm blogue. Em alguns dias gosto principalmente dos que não têm blogue.

Sim, inspirei-me num post da São João, da Febre dos Fenos. E daí?

03 março 2015

Talvez

Talvez João da Ega não se perdesse se tivesse encontrado a companhia de Zé Fernandes em vez de Carlos da Maia, talvez Gonçalo Mendes Ramires aproveitasse melhor a fortuna do mandarim e não se atormentasse como se atormentou o bacharel Teodoro no pós-tilintar a campainha, talvez o Primo Basílio se tivesse entendido com o Padre Amaro e só se perdia uma família, talvez o Conde de Abranhos tivesse sido amigo para a vida de André Cavaleiro se o conhecesse, talvez o tipo do Top Gun não se tivesse safo tão bem se aquilo se passasse no Apocalipse Now.

02 março 2015

Estou aqui a reler Eça

E fiquei feliz por o passar do tempo não ter atenuado o asco que me causam personagens como Gonçalo Mendes Ramires.

Quisesse eu

Tirava-te desse torpor, havias de tomar conta de mim outra vez, de me levar de novo pela mão, mostrando-me o caminho certo, havias de dedicar cada dia da tua vida a ensinar-me a maneira mais conveniente de encostar a minha cabeça no teu ombro, a recolher os livros que deixo por todo o lado, a desligar o gira-discos que, como é da natureza dos gira-discos, não se desliga sozinho, a lembrar-me que estou atrasado, que estou sempre atrasado, havias de sorrir quando eu dormisse até tarde ou quando preferisse ouvir má música só porque preciso de descansar.

Quisesse eu.

01 março 2015

Coisas que me aborrecem

A minha equipa levar um banho de bola. Da equipa errada.

De como Pipoco aposta que não perdeis nada não transpondo a porta da barbearia

Fosse eu o Deus das Barbearias, que não sou, e também eu impediria que vos fosse franqueada a entrada, mas entendo, eu sou dos que entendem as coisas sem terem que me explicar muitas vezes, que a curiosidade não se aguenta, que estais à espera que alguém que lá tenha estado venha contar-vos o que se passa dentro de uma barbearia, que sacrossanto espaço é esse que não vos deixa penetrar nos seus insondáveis mistérios, felizmente eu cá estou, traindo os velhos códigos que nos impedem de falar, tudo em nome de um bem maior, que nunca mais tenhais que fazer de conta que sois o melhor amigo do homem.

Numa barbearia trata-se de assuntos de quem tem barba e, todos o sabemos, quem tem barba fica-se sempre pelos assuntos menores, as teorias dividem-se, há quem, como eu, profira apenas seis palavras, a saber "o costume" quando me sento e "bom fim de semana" quando me levanto da cadeira, há quem disseque o último jogo do glorioso, detendo-se no detalhe de como o árbitro os prejudicou, traçando paralelismos com um cento jogo contra o Beira-Mar, em mil nove e oitenta e dois, que preconizava o sucedido no último jogo, agigantam-se os do meu clube, que não se podem queixar, que não jogo em que os outros acabem com dez, aproveitam os da casa para nos lembrar que isto está mau, que não há direito, que são todos uns canalhas, que nenhum se aproveita, que eles querem é encher-se, isto até alguém dizer que a Merkel nem às escuras, e todos se riem, acenando que não, alguns ainda de semblante mais carregado, percebe-se que foram os que imaginaram a Merkel sem ser às escuras, todos enfim irmanados no mesmo ideal, gozando o silêncio de a coisa não estar assim tão má, pois se há a possibilidade de a Merkel sem ser às escuras...

Poupar-vos a isto é coisa de valor, pois não é?