28 julho 2020

A que cheira a tua cidade?

O cheiro de Dublin é relva acabada de cortar e o Madrid cheirará sempre a Ducados sem filtro, Paris cheira ao que cheirar o Sena e Nova Deli cheira a caril, San Sebastian cheira a uma mistura de pimentos assados e barcos de pesca, Roma cheira a café curto e a Suiça cheira a estrume de vaca.

Lisboa cheira a refogado, um cheiro antigo de cebola, azeite e louro.

21 julho 2020

Podes...

... chegar deslumbrante num conjunto clássico Dior, podes olhar-me nos olhos enquanto me explicas o que te fascinou no último Tarantino, podes encostar a tua cabeça no meu ombro enquanto ambos seguramos um bom Bordéus, podes falar-me de Bach e de Boticelli, de Mayra Andrade e de Jorge Palma, podes perguntar-me por terras que não conheces e recantos onde fui razoavelmente feliz, podes confiar-me segredos enquanto eu cozinho o meu melhor risotto.

Mas, por quem és, não estragues tudo apaixonando-te por mim.

13 julho 2020

E se Deus?

E se Deus não estiver no inexplicável, no pôr do sol na linha do horizonte, nas forças que pensávamos não ter, na doença que afinal se cura, no cimo da montanha acabada de subir, no pormenor que nos desvia do mau caminho no último momento, na grandiosidade que nos atinge no meio de um oceano?

E se Deus estiver nos livros?

12 julho 2020

O problema das mulheres

Terem um guião preciso para o primeiro homem. E nada definido para o segundo.

05 julho 2020

Pipoco pergunta

Pode um homem apaixonar-se por uma voz de mulher?

04 julho 2020

Cá estamos

O que vos conto aconteceu por alturas do tempo em que ainda se podia sair à noite, chegada a hora de fechar o bar do hotel, nesse tempo ainda havia quem dormisse em hotéis, os clientes habituais tinham autorização para se irem servindo, com a condição de assentar numa folha os esvaziamentos de garrafas de Bushmills e de os decibéis se manterem naquele nível que as pessoas de bem  sabem garantir quando conversam até de madrugada sobre filosofias várias em geral e da melhor maneira de salvar o mundo, mas ganhando dinheiro, em particular. 
A mulher, que estava ali tão confortável como esteve o George Lazenby nos intermináveis minutos de Bond que lhe couberam em sorte, desenvolvia eu, com o sólido suporte de razão pura que nos fornece o clássico duo Cohiba Lanceros e champanhe da casa Pommery, uma exposição bem estruturada sobre o que podemos aprender com cérebros como o de Larry Fink, o homem que manda em mais dinheiro do que nos custariam cem companhias de aviões dessas que serviam pacotes de batatas fritas dos pequenos, a mulher, dizia eu, colocou em causa os meus saberes sobre a incrível temática de para onde vão as garrafas de água Fastio quando as deixamos no contentor amarelo e eu, sempre disposto a trocar Larry Fink e os seus devaneios de inicio de ano a anunciar para onde corre o dinheiro, ou seja, para onde corre o mundo, pelos futuros de garrafas vazias de plástico, lá acedi a falar em privado, no fresco de um rooftop na terceira cidade mais bonita deste país, aconselhando-me a prudência, a experiência acumulada e a intuição de que necessitaria de todas as minhas forças em alerta máximo, a fazer-me acompanhar por uma garrafa de água fresca, em vidro produzido nas instalações fabris da Barbosa & Almeida, na Marinha Grande, sorrindo de mim para comigo com a cara que faria o homem do bar, um profissional das más artes de me escutar em noites de inverno em que não se aplica a regra de bar aberto depois de fechar, por falta de almas capazes de aguentar a batida do mar na varanda e a chuva puxada a vento de sudoeste, com a cara que faria, dizia eu, quando ali visse incrustada na minha letra razoavelmente legível a conjugação de palavras "água", "das" e "pedras", rigorosamente por esta ordem, bem sei que não é o que vem na garrafa mas foi o que me ocorreu escrever.

Afinal, não era sobre para onde vão as garrafas de plástico quando falecem que ela me queria falar.

01 julho 2020

Pipoco pergunta

Quão perturbador para uma mulher é escutar de um desconhecido que ela é muito bonita?