05 junho 2021

Zé Alexandre

 O Zé Alexandre era um daqueles tipos a quem acontece todas as vizinhas das redondezas iniciarem-se nas artes do amor e ele não se poder gabar de ter alguma a coisa a ver com o processo, andávamos nós a esforçar-nos por trabalhar à noite num bar de praia que nos pagasse a volta pela Europa de comboio em Agosto e o Zé Alexandre a carregar caixotes de fruta no mercado antes das seis da manhã, uma coisa sem jeito nenhum mas que estranhamente lhe garantia ser sempre o primeiro, quase sempre antes de Março, a comprar o bilhete de inter-rail, disse-lhe um dia, quando ele se escapou no último dia de escalada na Suíça para comprar umas botas de montanha em condições que substituíssem uma lendárias botas de trabalhar nas obras com que ele tinha arriscado duas semanas ficar sem dedos dos pés, e nunca mais chegava de comprar as botas e quase nos fez perder o comboio para Paris, tendo que se mudar em Berna, disse-lhe, dizia eu, as sábias e sobranceiras palavras "Zé Alexandre, daqui a dez anos estarás a viver em Massamá, num rés-do-chão de onde verás o pessoal mijar à noite na parede do teu prédio, com um Fiat Uno azul cobalto comprado em segunda mão estacionado à porta e com Lava-me Porco escrito a dedo no vidro traseiro, sairás de manhã para trabalhar na propaganda médica ou num balcão de um banco, terás duas semaninhas de férias no Inatel de Ferragudo, ou lá onde é qua há Inatéis, onde andarás todos os dias de calções de jogar à bola e uma camisa às riscas, de manga curta, terá dois filhos, um vai-se chamar Fábio e à miúda chamarás Soraia".

Enganei-me bem.

8 comentários:

  1. Enganou-se o Tio e enganam-se todos os que tiram retratos às vidas alheias.
    Vai ver é ele quem tem esse carrão roxo - qual é a marca dessa coisa? - à porta e mora na bela mansão onde o Tio gostaria de morar...

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  2. Nem por isso, Janita. O Zé Alexandre morei de cancro no fígado antes dos trinta, manteve a velha DT 50 e viveu sempre em casa dos pais, aliás, da mãe, o pai atirou-se para a frente de um comboio em Xabregas.

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    1. Até poderá ter sido assim, porém, as emoções sentidas com as vizinhas das redondezas, as aventuras vividas na juventude, os inter-rails, as escaladas lá na Suíça, os belos amanheceres a carregar as caixas de fruta no mercado, foi ele quem as viveu e sentiu... Essa é que é essa!
      😊

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  3. Cláudia Filipa6.6.21

    Estou mesmo a ver, estivesse eu nesse inter-rail e o ouvisse sabendo da vida dura do Zé Alexandre, haveria de zangar-me consigo a valer: Seu, seu sobranceiro! (vamos imaginar que diria sobranceiro), como pode dizer essas coisas ao Zé Alexandre? O Zé Alexandre, que não tem sorte nenhuma aos amores ficando de fora dos processos, que anda a carregar caixotes de fruta e a trabalhar nas obras, daí as botas, e, apesar de tudo, amealha para a maravilha do inter-rail, e, e, até quase fica sem dedos, por não poder comprar umas botas de montanha ou não ter ninguém que o alerte para certas e determinadas coisas, e, e, talvez tenha pavor de montanhas escorregadias, daí o atraso, como pode? Como pode ser tão duro com o Zé Alexandre?
    E, por causa de si, por provocar-me esta solidariedade, poderia muito bem hoje estar no prédio de Massamá, abraçada ao Zé Alexandre, a ver o pessoal mijar na parede ... A não ser que o Pipoco: Mas, quem estará aqui a ser mais sobranceiro? Apenas fiz um vaticínio, quem lhe disse que o Zé Alexandre não seria feliz nem estaria muito bem na tal forma de vida?...Forte probabilidade para mim: engolir em seco.

    Sou uma sobranceira e caí que nem uma patinha. Na última frase, o que pensei logo foi: "Ah, afinal o Zé Alexandre perscruta o horizonte enquanto toma decisões difíceis e manda em situações!" (e, vá lá, vá lá, ainda não ter ido ver se... Jeff Bezos; Elon Musk; Bernand Arnault; Bill Gates; Zé Alexandre...)

    Oh! Pipoco! Muito boa tarde.

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  4. Como é evidente, o Zé Alexandre teve a ver, e muito, com todo o processo de iniciação das vizinhas na subtil arte dessas coisas do amor.
    Não se gabar, só abona a seu favor...homessa!

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    1. Cláudia Filipa7.6.21

      Olá Janita

      Eu sei, uma pessoa comove-se, ainda para mais com aquele triste fim, mas, Janita, vá por mim, nem cá a subtis artes de teor amoroso o pobre Zé Alexandre terá tido direito. Tem de conformar-se, aquilo foi mesmo uma tragédia pegada.
      Sim, um homem em condições jamais se gaba de tal coisa, claro, mas, "não se poder gabar", é uma maneira de dizer as coisas, que por acaso até ouço muito, e não significa que a pessoa efectivamente se gabasse, significa que, mesmo que quisesse, não poderia fazê-lo, por não ter de quê, (bem, a não ser que mentisse).
      Eu sei, Janita, gostava que o Zé Alexandre, pelo menos, tivesse ido de papinho cheio da maior quantidade de prazeres possível, eu li toda a esperança que ia no seu comentário anterior, mas, tudo leva a crer, olhe que não, olhe que não. Também, com aquilo de andar a carregar caixotes antes das seis da manhã, o rapaz devia andar estourado...

      E um bom resto de dia, Janita e Pipoco

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    2. Viva, Cláudia Filipa.

      Na verdade, sofro com a má sorte alheia. Sobretudo quando fico a saber que não houve falta de empenho nem espírito de sacrifício para satisfazer um sonho. E viajar é o sonho de todos os jovens em qualquer época. Talvez me tenha lembrado dos inter-rails que o meu rapaz fez. Mochila às costas por essa Europa afora, a entrar e a sair dos comboios, muitas vezes dormindo nas estações. Tudo isto num tempo em que a Internet era uma miragem e os smartphones o sonho impossível. Se a Cláudia Filipa soubesse da aventura numa cabine de telefone na via pública, numa cidade da antiga Jugoslávia, antes da desintegração, quando a rapaziada descobriu que as moedas de 25 tostões tinham o peso que lhes permitia fazer chamadas para casa como se estivessem a usar os dinares, ou lá o que era, foi um regabofe.
      Enfim, tal como o meu rapaz, eu gostaria que o Zé Alexandre, empenhado que era, tivesse tido uma vida feliz em adulto e um fim digno, como desejo para os meus.

      Obrigada. Fiquem bem. :-)

      ( Nem vou ler o que escrevi, seja o que Deus quiser. )

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    3. Cláudia Filipa9.6.21

      Pois olhe, Janita, eu acho que este seu comentário enriqueceu, e muito, esta caixa de comentários, mesmo. Que maravilhosas aventuras terá vivido o seu rapaz. Que bom, muito obrigada por ter contado :-)

      Sim, percebi o que a fez querer tanto coisas boas para o Zé Alexandre.

      (Aqui para nós, penso que ambas nos afastámos do essencial do post com vontade de uma melhor sorte para o Zé Alexandre. Penso que o ponto do post, será precisamente a falta de empenho, ou seja, o Zé Alexandre até conseguia ter acesso às oportunidades mas não saberia aproveitá-las passando um pouco ao lado do potencial possível. Penso ser este o ponto do Pipoco. Mas posso estar a interpretar mal e não ser nada disto. Seja como for, que pelo menos o Dono do Blog tenha achado agradável esta nossa conversa. Olhe, eu gostei :-))

      E, fique também bem, Janita.

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