26 abril 2019

Depois da liberdade

O problema, Ruben Patrick, não são os longos passeios ao pôr do sol, as pegadas na areia, tu com as mangas da camisa branca arregaçadas, ela encostando-se a ti, sugerindo necessidades de agasalho para um frio que realmente não sente, o problema não são os jantares demorados, os olhos nos olhos entre o flambée de ovas de esturjão e a redução de cítrico de frutos silvestres, ela a escutar os teus saberes de física quântica aplicada à manufatura de tapetes de Arraiolos, tu a deliciar-te com a visão muito dela de como a vida pode ser tão melhor se a nossa respiração for mais torácica que abdominal, o problema não são as longas conversas sobre os livros das vossas vidas e os filmes de antigamente que vos marcaram a alma para todo o sempre.

O problema, Ruben Patrick, é quando, um dia, sem qualquer aviso prévio, ela deixa a escova de dentes na tua sala de banho.

13 comentários:

  1. Credo, Sô Pipoco, com as devidas ressalvas, até parece eu a falar.

    :-)

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  2. Por acaso é verdade, Ruben Patrick, uma relação (quase) perfeita, alicerçada em sabores e saberes, pode ficar seriamente abalada por mor de uma simples pintelhice...ahahahaha

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  3. Rubinho, gato, foge que o tio vai começar a desenrolar chavões, a liberdade começa onde a liberdade do outro acaba, daqui a nada cita umas linhas d’O Principezinho. Caramba, o vinho e a poesia datada caíram-lhe mal.

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  4. Cláudia Filipa26.4.19

    Ah, senhores! Ruben Patrick, e as pessoas que estão sempre a ensandecer e a cair nesse engodo, nessa outra forma de liberdade, que é a prisão voluntária. De nada lhes serve ver as caras de poucos amigos, o ar macilento, a rabugice do tipo "todos lhes devem e ninguém lhes paga", de quase todos, quase, os que anteriormente caíram na mesma esparrela, é a esperança que os move, a esperança de fazerem parte dos que levam a escrever "quase". Para além de que, Ruben, isso da prisão voluntária, é assim como dançar o tango, são precisos dois a querer, dois que se lançam para essa desgraça que é perder a frescura da cútis em conjunto (e, fazem isso, mesmo sem terem uma pistola apontada à cabeça, senhores!)
    Escuta, Ruben, pelo menos, quando decidires ir alegremente desgraçar-te, depois, já não te podes queixar de que ninguém te avisou, o teu tutor bem te disse.

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    1. Cláudia, eu abordei esta epístola de S Pipoco aos incautos por outra perspectiva, atento o tom fatalista com que está escrita.
      Em tempo algum me ocorreu que o gesto de alguém deixar a escova de dentes em casa do outro pudesse ser visto como uma prisão voluntária (pareceu-me mais um grito do Ipiranga de quem, sem medos, quer viver a paixão sem barreiras, mais não sejam as físicas impostas por casas separadas), a dolorosa perda de liberdade que aqui adivinhei foi a de quem sente o último reduto da sua privacidade - a sala de banho - invadida. Definitivamente uma prisão muito pouco voluntária.

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    2. Cláudia Filipa27.4.19

      Pois, Mirone, vês, lá está, também é a possibilidade de várias leituras que torna isto tão giro.
      Eu olhei para o título, "Depois da liberdade", a seguir ao título vem a descrição de toda uma parte boa que satisfazia aquelas duas pessoas, a parte que, para mim, no contexto deste post, continua a consubstanciar liberdade, sem atropelos, para ambos. Relacionei depois "o deixar a escova de dentes" e "sem aviso prévio" com o que poderá ser o inicio dos problemas, foi também nesse sentido que usei a expressão "prisão voluntária", naquele sentido do que poderá ser encarado por uma das pessoas como uma primeira invasão, uma precipitação, mas para a outra poderá significar estreitar laços, o que não deixa de implicar uma diminuição do ponto de partida da sua liberdade, mas, lá está, de forma voluntária, mas isto, obviamente, não deverá ser uma coisa unilateral. Sabes, associei também àquela outra expressão "juntar as escovas de dentes", e é precisamente a partir dessa altura que podem começar os problemas, é a partir dessa altura que podem começar "os choques de liberdades", invasões indesejáveis do espaço do outro, mal entendidos relativamente aos conceitos de cada um sobre o que significará essa invasão, maiores necessidades de espaço de uns que podem ser entendidas como desamor pelos outros, e por aí fora. E, muitas vezes, é também a partir daqui que a pessoa que "no tempo da liberdade" era encantadora vem a revelar-se "um estafermo opressor", e isto muitas vezes está associado à noção que a pessoa acaba por ter, mesmo aquelas pessoas que têm muita habilidade para enganar-se a si próprias, de que "forçou a barra do outro", e a consequente insegurança que daí advém.

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    3. ladykina27.4.19

      Maria, Revista, és tu?!

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    4. Anónimo27.4.19

      Pior seria se juntassem as cuecas na máquina.

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  5. O mal disto dos blogs, Ruben Patrick é que, "Depois da Liberdade", vêm as salgalhadas, há sempre alguém que resiste a seguir a linha de pensamento inicial e vai misturando acelgas, achigãs e outros peixes de rio - aqueles a que se chama peixes-de-cuspo - retirando a beleza inicial da coisa...
    Arre, bolas que é demais!

    PS- Ainda tem dúvidas, ladykina?

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    1. Arre, bolas :D, faz tempo que não lia esta expressão!

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  6. Salgadinha27.4.19

    Senhor Pipoco.
    "Eu olhei para o título, "Depois da liberdade", a seguir ao título vem a descrição de toda uma parte boa que satisfazia aquelas duas pessoas,"
    Eu também olhei para o título e depois da "de toda uma parte boa que satisfazia aquelas duas pessoas," Onde queria que ela fosse lavar os dentes? A casa?

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