27 abril 2015

Dias da música

Nestes dias felizes, desses poucos dias que, a par da semana de Dezembro, têm reserva de agenda garantida, dias em que sigo feliz de uma sala para outra, esquecendo-me do mundo, dias sem horas que não sejam as horas de começo dos concertos, fico mais tolerante, pouco me importam as tosses quando o violino toca em pianissimo, ganho tolerância adicional para quem fura as filas, não me aborreço com os aplausos a destempo, as crianças parecem-me sempre bem comportadas durante as peças, tudo me é agradável, as senhoras mais velhas carregadas de pós de arroz e cabelos louros armados, os cavalheiros com lenços a pender dos bolsos dos blasers, as famílias inteiras que estudam os programas e decidem em tempo real o que vão ver a seguir, os turistas que estavam ali só para ir aos pastéis de Belém e resolvem, também eles, entrar na festa.

Talvez seja a música o que acabará por nos salvar.

8 comentários:

  1. Dancem, dancem, ou estamos perdidos, dizia Pina.

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  2. Agora assim de repente, por falar em orquestra e salvação, lembrei-me do virtuoso violinista Wallace Hartley.

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    1. prefiro Szpilman, que se salvou tocando uma balada de Chopin...

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    2. E que belíssimo filme deu a sua história.

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  3. A única coisa que nos salva é o amor, meu querido.

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  4. Anónimo27.4.15

    «─ O que é exactamente a música? … Eu não o apreendo.
    ─ Qual a sua acção?
    «Dizem que a música actua elevando a alma…Que falsidade!...Que estupidez!
    ─ A música actua de uma maneira terrível, eu falo por mim.
    « ─ A música não eleva a alma. A música também não diminui a alma. A música exaspera-a. Nem sei como me hei-de explicar…
    ─ A música obriga a esquecermo-nos da nossa verdadeira personalidade, transporta-nos a um estado que não é nosso. Sob a influência da música temos a impressão de que sentimos o que não sentimos; que compreendemos o que na realidade não compreendemos; que podemos o que não podemos.
    É como o bocejo ou o riso. Não temos sono mas bocejamos quando vimos alguém bocejar. Não temos vontade de rir, mas rimo-nos, ouvindo rir.
    A música transporta-nos, de surpresa e imediatamente ao estado de alma em que se encontrava o artista no momento da criação, confundimos a nossa alma com a dele e passamos de um estado a outro sem saber porque o fazemos.

    (A Sonata a Kreutzer)


    Como é possível que simples feirantes toquem à noite, no piano, maravilhosamente bem Beethoven, para na manhã seguinte irem trabalhar normalmente, num ambiente onde se matam pessoas com toda a ligeireza?
    ( pergunta de G. Steiner)

    https://www.youtube.com/watch?v=cdhBumzco8g

    (ultima composição de Schubert, sabendo que morreria brevemente)


    MH



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  5. Anónimo27.4.15

    Se a música é obra do diabo, e a música nos salva e também deus salva então a música é união divina entre os dois tidos como opostos? Se assim for, de que estamos propriamente a ser salvos?

    Tio, a música liberta-nos de nós mesmos ou agrilhoa-nos a extremos do nosso ser. Ser salvo é apenas viver.

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