01 março 2015

De como Pipoco aposta que não perdeis nada não transpondo a porta da barbearia

Fosse eu o Deus das Barbearias, que não sou, e também eu impediria que vos fosse franqueada a entrada, mas entendo, eu sou dos que entendem as coisas sem terem que me explicar muitas vezes, que a curiosidade não se aguenta, que estais à espera que alguém que lá tenha estado venha contar-vos o que se passa dentro de uma barbearia, que sacrossanto espaço é esse que não vos deixa penetrar nos seus insondáveis mistérios, felizmente eu cá estou, traindo os velhos códigos que nos impedem de falar, tudo em nome de um bem maior, que nunca mais tenhais que fazer de conta que sois o melhor amigo do homem.

Numa barbearia trata-se de assuntos de quem tem barba e, todos o sabemos, quem tem barba fica-se sempre pelos assuntos menores, as teorias dividem-se, há quem, como eu, profira apenas seis palavras, a saber "o costume" quando me sento e "bom fim de semana" quando me levanto da cadeira, há quem disseque o último jogo do glorioso, detendo-se no detalhe de como o árbitro os prejudicou, traçando paralelismos com um cento jogo contra o Beira-Mar, em mil nove e oitenta e dois, que preconizava o sucedido no último jogo, agigantam-se os do meu clube, que não se podem queixar, que não jogo em que os outros acabem com dez, aproveitam os da casa para nos lembrar que isto está mau, que não há direito, que são todos uns canalhas, que nenhum se aproveita, que eles querem é encher-se, isto até alguém dizer que a Merkel nem às escuras, e todos se riem, acenando que não, alguns ainda de semblante mais carregado, percebe-se que foram os que imaginaram a Merkel sem ser às escuras, todos enfim irmanados no mesmo ideal, gozando o silêncio de a coisa não estar assim tão má, pois se há a possibilidade de a Merkel sem ser às escuras...

Poupar-vos a isto é coisa de valor, pois não é?

11 comentários:

  1. Anónimo1.3.15

    "de a Merkel sem ser ás escuras..." Permita-me: "ás" só de baralho de cartas. Todos os outros são "às".

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  2. E se eu contasse agora que nos idos de setenta, essa era de trevas já no século passado, esta aqui não só entrou em barbearias como ali foi freguesa, levada pela mão de sua mãe, e na companhia do único cromossoma y que foi o seu irmão? E nesses longínquos tempos, essa era de prodígios e monstros, nunca nós vedaram entrada nem negaram serviços. Ah, não conto. É melhor não.

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    1. Eram outros tempos, Izzie. O mundo está agora mais tenebroso e as pessoas carecem do seu tempo de apaziguamento. Ainda há bem pouco tempo, por curto período de férias de que me trata da farta cabeleira, recorri a uma cabeleireira. Tirando as sacrossantas mãozinhas a esfregar-me a cabeça, única vantagem em relação aos serviços do senhor Tomás, não fiquei freguês, tal a tagarelice das habituais, ora discutindo processos para conseguir unhas perfeitas, ora trocando impressões sobre galãs de novela, ora fornecendo-me demasiada informação sobre pessoas que conheço vagamente.

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  3. Cláudia1.3.15

    Nos trajectos cá da minha vida, passo várias vezes mesmo à porta de uma barbearia, daquelas bem tradicionais, que parecem tiradas dos filmes a preto e branco, a barbearia está sempre cheia de senhores em amena cavaqueira e às vezes, um leva uma guitarra e a barbearia passa a ser também casa de fados. Aquilo é nitidamente muito mais que uma barbearia, é um escape, uma compinchice masculina. Nunca lá vi mulher nenhuma e também nunca experimentei lá entrar para ver a reacção, até porque há sítios em que eu me sinto muito mais à vontade se só lá estiverem mulheres e um deles é o cabeleireiro e era menina para pôr um letreiro num cabeleireiro, a dizer, mulher obviamente que entra, cães e gatos também, homens é que não, é ir para a barbearia que é para isso que elas existem, não sei se agora o "masculinismo" não me cairá em cima, mas paciência, também sempre ouvi dizer que quem diz a verdade não merece castigo.

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  4. Pois no antigo e tradicional bairro onde vivi durante muitos anos em Lisboa havia pelos menos duas barbearias dessas tradicionais. Mas os proprietários eram espertos e vendiam aqueles produtos para o cabelo mas mais baratos do que nos outros sítios. Tivemos uma linda e longa relação comercial e nunca nenhum dos clientes pareceu incomodado por eu lá ir comprar coisas.

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  5. Umas ruas acima da minha, existe uma barbearia. Loja antiga, com um barbeiro senhor com idade para ser meu avô e apenas mais um funcionário.
    A porta está toda aberta para trás, penso que a quem lá queira entrar, às vezes também está encostada, quando faz muito frio.
    Nunca lá entrei, que prefiro ir ao cabeleireiro (por acaso um homem).
    O tal "funcionário" da barbearia, por acaso até é uma mulher. Jovem.
    Mas eu não vivo na Capital.

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  6. Memórias saudosas de uma certa barbearia que frequentei há uns anos, onde as variações de bom vernáculo trocado entre os artista da tesoura & navalha fariam corar o vate setubalense e empalidecer a sua arte poética. Como diria Roy Batty, todos esses momentos se perderão no tempo... como... lágrimas na chuva...

    Ou não, ou não, talvez seja esse o desígnio dos tais novéis mestres empreendedores da arte de bem escanhoar todo o pelo, declinada no masculino.

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  7. Cláudia1.3.15

    Então, seu coração já palpita intensamente ante o aproximar do que realmente importa no dia de hoje?
    Espero que o tema de conversa das barbearias amanhã, não seja a arbitragem, mas sim a estrondosa vitória do seu Sporting, coisa que dava tanto jeito ao meu Glorioso (neste caso sabe que não posso ser solidária, só interesseira).

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  8. Um bocado de paraíso. Sento, absorto em mundos meus, alheado do fado que toca nos bastidores e das conversas de ocasião, cabelo tratado pelo afecto de anos de experiência, vagueio pelo espírito enquanto alguém me trata de um problema tão mundano, alguém que sabe que patilhas nunca, essas que pertencem à minha própria lâmina.

    (vírus memético? algo regurgitado de uma daquelas fastidiosas reportagens dos jornais televisionados? e de repente está em todo o lado...)

    ((ouço o som longínquo, em transe pelo carácter fundamentalista do locutor de uma estação radiofónica vergada à banalidade do populismo, da satisfação pelo terceiro; e imagino com vaga satisfação as declarações lunáticas que se sucederão))

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  9. Invejo as barbearias típicas e seus fregueses. Amem! (Se conhecessem a menina Cátia iam perceber).

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  10. Pedaços grandes de história!

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