10 agosto 2013

Os Novos Maias, ou lá como se chama aquilo (III)

Li três vezes. Esmiucei. Ao terceiro dos Novos Maias a coisa está mais composta. Aborrece-me verdadeiramente, queria ter coisas a apontar, afinal Rentes de Carvalho escreve que "Gente da serra não tem as mariquices da beira-mar, nem precisa de ficar tuberculosa para fazer versos". Mariquices da beira-mar?... Pfff. Mas nada, nem telemóveis que tocam em consultórios de um tempo em que ainda havia império Austro-Húngaro nem Carlos da Maia enfiado em ambientes bizarros.

Carlos da Maia e João da Ega são agora credíveis, Rentes de Carvalho coloca-os num espaço onde acreditamos que podiam ter sido colocados e falam do que supomos poderem ter falado. Vêmo-los ambos falhados, como esperávamos, de acordo com as Escrituras. Carlos da Maia "nada fez com o estudo da Medicina. Nada gerou, criou ou plantou. Nada escreveu", Ega conclui que "ter saúde, inteligência, possuir fortuna e ser um inútil, é crime".

Há falhas, claro que sim. Nada justifica que numa casa de homens de bem não exista uma garrafa de Chartreuse. E, havendo Bénédictinne, não se me afigura que João da Ega tivesse escolhido Cointreau. Pormenores que não deslustram, Rentes de Carvalho consegue a fórmula de escrever como Rentes de Carvalho e quase parecer que estamos a ler Eça. Notável, só acontece aos melhores.

Por aquilo das mariquices dos da beira-mar e por não haver Chartreuse sete em dez. Vá, sinto-me generoso: oito em dez, pelo final.

9 comentários:

  1. Anónimo10.8.13

    Uma pessoa chega aqui e descobre que não há mais mundo para além de Rentes de Carvalho.Ó valha-me Deus......

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    1. É uma quase verdade, anónima. Mas, contra as minhas indicações, o Expresso publica hoje o capítulo de Rentes de Carvalho. Nada a fazer...

      (eu posso valer-lhe. Mas pode tratar-me por Pipoco...)

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  2. Anónimo10.8.13

    Sir Pipoco, enquanto entro em ebulição por terras de moças airosas, hei-de lê-lo (a Rentes de Carvalho, esse grande senhor), com a avidez que apenas alguém da serra conseguiria! No final, não virei deixar-lhe a minha pontuação, que eu acho esse acto infecto e cruel, mas o que mais me agradou nessa, certamente, magnifica produção escrita.

    Cumprimentos

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    1. Anónimo10.8.13

      Tanto haveria a dizer. Parece-me que leio sempre Rentes de Carvalho «de dentro para fora». (consegui "cheirar" um pouco d'A Cidade e as Serras e Civilização neste texto).

      Muito Bom! :)

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  3. Vou a meio livro, mas, so far ,acho Eça versão mais conseguida, dentro da ambiência queirosiana que faz parte do nosso imaginário.

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    1. " Elites que pensam e governem a sério, façam justiça,ponham ordem nas instituições e nas finanças? Nunca tivemos, nunca vamos ter. Ao longo dos séculos habituámo-nos à podridão e ao desleixo, ao cada um por si. Mentimos por natureza, roubamos quanto podemos, o ódio e a inveja correm-nos no sangue, o que mais nos diverte é maldizer. Resumindo: uma nação de pelintras e comadres" ... Eça passagem acredito piamente que Eça subscreveria como sua. Desde a segunda metade do sec. XIX, passando pelos escuros tempos do Esteves até hoje, Eça, é que é Eça...

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  4. Sheila Carina10.8.13

    Olá.
    De qualquer maneira ainda não foi o suficiente para me fazer mudar de ideias, e vou ser teimosa e não ler.
    Nem morta! Não posso nem quero colaborar na violação dos direitos literários dos grandes mestres da nossa história porque, em calhando, qualquer dia lembram-se de ridicularizar Os Lusíades e todos vão achar bem.
    Para mais não gosto da escrita do Peixoto e ainda menos da do Rentes de Carvalho.
    Temos pena, mas eu não, não leio. Nem Morta!

    Sheila Carina

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  5. J. Rentes e Carvalho, no seu diário (Tempo Contado) revela até que ponto Eça influenciou o seu percurso literário: "Eça de Queirós não é só um dos meus escritores favoritos, mas aquele a quem eu como escritor sinto que mais devo. Ainda hoje me maravilho com a elegância da sua prosa e foi nos seus livros que descobri a maleabilidade da língua portuguesa, o poder da sua ironia, a arte magistral de numa frase retratar um carácter."
    Excelente, este o "O rio somos nós". Não é Eça, é J. Rentes de Carvalho, por inteiro. Mas a Eça, a prosa agora dada à estampa não desmereceria decerto.

    Boa noite, caro PMS

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  6. Rui Esteves13.8.13

    Li ontem a continuação dos Maias, versão de José Rentes de Carvalho que acho notável e em nada desmerece do Eça de Queiroz.
    Estamos em 1937, em Espanha continua a Guerra Civil, na Alemanha começa a chacina dos judeus, em Portugal o dr. Salazar inicia o seu longuíssimo consulado, e Carlos da Maia vive na Quinta da Pestaninha, no Alto Douro.
    Carlos, ja octagenário, solteirão, nunca ultrapassou o drama que viveu com a irmã, e olha com desgosto para o desperdício de toda uma vida.
    João da Ega, também solteirão, com alguns filhos bastardos à perna, vive com aflição os últimos tostões da herança da mãe e da tia de Celorico.
    Ega vem visitar Carlos e há uma réplica do jantar de Tormes (in A Cidade e as Serras) com aqueles pratos da cozinha tradicional portuguesa que o Eça tanto apreciou.
    A noite cai, Carlos e Ega conversam à varanda, fumando, vencidos e saudosos da vida que viveram, e Ega morre sem ruído.

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