11 agosto 2013

Às vezes, quase nunca, isto é mais que só um blog

Exmo. D. Pipoco,

Como avisadamente desistimos de terçar adagas, permita que eu, sem paixão, tente esclarecer donde vem o prurido que me aflige cada vez que esbarro com o que me parece a altaneira condescendência lisboeta.

Aquele seu incómodo acerca do emigrante que, desleixado, roda na faixa central dos IPs, foi o rastilho de uma impensada e apressada explosão de humor. Tivesse eu a sensatez de ponderar, reflectir, sabiamente pesar prós e contras, de meter a mão na consciência e depois a viola no saco, encontraria um sem-número de ocasiões em que o comportamento do emigrante me fez e faz perder a cabeça, esquecer as conveniências, o amor do próximo, dar urros, envergonhar-me de ser compatriota, fingir que não falamos a mesma língua nem somos do mesmo chão. Como poderá verificar aqui http://tempocontado.blogspot.nl/2013/01/exodo.html ainda recentemente ele me entristeceu, e outros momentos poderia apontar de maior tormento.

Todavia, o que provavelmente me picou não foi ver que o estimável D. Pipoco zombava do pai de Sandrine, Danielle, Jeannot ou Patrick, mas discernir no texto, aliás de cuidada e elegante prosa, aquele tom altaneiro e desdenhosamente moqueur que atribuo ao lisboeta de certa classe.

Não se zangue ainda. Não comece a franzir o sobrolho. Permita-me que explique. Desde há muito, andaria então pelos sete, oito anos quando comecei a ler a história pátria, e depois, já rapaz, num dia de Setembro de 1947, subindo pela primeira vez o Chiado, criou-se em mim a estranha noção de que Portugal não se divide em províncias, mas se compõe de três partes, desiguais em tamanho, importância, mentalidade e comportamento. O Norte fica acima do rio Douro, e meto nele as Beiras que olham para Castela. O restante, da margem esquerda do nobre rio até à costa algarvia, é tudo Sul. Temos depois o quadrilátero que, grosso modo, vai de Loures ao Cabo da Roca e do Cabo Raso ao Terreiro do Paço.

Aí reside o problema. Não necessita Vossa Senhoria, D. Pipoco, de formular argumentos para rebater a minha ideia. Eu próprio estou ao corrente de que cada cabeça sua sentença, e a cada razão se pode opor outra. Tão-pouco irei tecer loas às virtudes da gente do Norte, ou criticar a do Sul, que de facto pouco conheço. Mas tenho de ser franco: o alfacinha arrasa-me. Sinto-me mesmo obrigado a confessar que até os alfacinhas amigos, uns quantos, me fazem perder as estribeiras.

Creio que não se dão conta, mas têm aquele jeito de se ver diferentes, sofisticados, exprimindo-se num vocabulário que, de peculiar, me traz à lembrança a lengua das terras dentre Sendim e Miranda.

Refinam na gastronomia, nos vinhos, conhecem paragens exóticas, mas desdenham da vizinhança do quadrilátero. Para eles, Marão e Marrocos é o mesmo, têm ideia de que vive por lá uma gente tosca com o hábito inconcusso (vocábulo que a um lisboeta ouvi) de a páginas tantas, como a cegonha ou o salmão, ir de jornada sem cuidar da rota e ignorando o destino. Anos depois, também como o pássaro e o peixe, esse bom povo, que entretanto desovou hábitos de impertinência e descuido, barulheira e bazófia, ressente a urgência de visitar o ninho. Com o resultado que Vossa Excelência elegantemente apontou, e com o qual eu desastradamente me assanhei.

Temo que não explico o bastante, nem as minhas desculpas soam como desejaria, mas acho melhor parar, não vá entusiasmar-me e meter ainda mais os pés pelas mãos.

De V. Exa, atento, venerador e obrigado,

J. Rentes de Carvalho

8 comentários:

  1. Anónimo11.8.13

    Céus... como gosto de o ler... (a si também, Sir ;)

    ResponderEliminar
  2. Anónimo11.8.13

    Tenta-me invocar Kohelet e depois zangar-se-á comigo o dono da casa, pelo menos, e não quero.
    Divirto-me e agradeço.

    Maria Helena

    ResponderEliminar
  3. O Alfacinha de Gema tem os seus momentos, mas como diz o mui excelente literato na sua prelecção, " cada cabeça sua sentença, e a cada razão se pode opor outra"... Eu, alfacinha, adorei, apesar de achar que conversa sobre o Marão e Marrocos dava pano para mangas.

    ResponderEliminar
  4. Anónimo12.8.13

    As testemunhas, previamente arroladas, Madame Blanche e Condessa de Gouvarinho estão assim dispensadas.

    ResponderEliminar
  5. Anónimo12.8.13

    Sem tirar nem pôr, somos mesmo assim, Alfacinhas! Só não acertou na extensão do território alfacinha que, num misto de pesar e regozijo, temos de reconhecer que é, na verdade, consideravel e afortunadamente menos extenso.

    ResponderEliminar
  6. Dentro da horta existem variadas tipologias de alfaces, não me está mal, sentir-me alface frisada de Carcavelos e tb alface avermelhada das Azenhas do Mar....mesmo se por agora, na pele sou mais uma alface nostrale, das terras da Sicília, das hortas de Messina....ehehheh

    ResponderEliminar
  7. Eu disse q ele era o maior, nao disse?

    ResponderEliminar
  8. A coisa anda mesmo assanhada! :-))

    ResponderEliminar