27 janeiro 2017

Morrer de amor

O problema, Ruben Patrick, é que deve ser um aborrecimento dos antigos essa coisa de se morrer de amor, a pessoa ali a ter episódios de taquicardia porque a amada ou não está sintonizada na situação, ou não está a par de que está alguém nesse preciso momento a morrer de amor por ela, ou, simplesmente, dá-se o caso de estar ela própria a morrer de amor por outro alguém, a pessoa a definhar, a enganar-se no caminho para casa, a não dizer coisa com coisa, a perguntar-se como conseguiu existir antes de a conhecer, a embevecer-se a cada palavra dela, a não dormir em condições, a parecer-lhe que sem ela nada mais importa, nem o Sporting campeão, nem almoçar no Porto de Santa Maria, nem uma garrafa de Barca Velha da última colheita, enfim, Ruben Patrick, tudo isto quando bastava chegar à beira dela, um bom fato vestido, um sorriso de quem tudo pode, a confiança de quem lhe pode dar mundo, olhando-a nos olhos, convidando-a para um jantar lá em casa, ela a chegar, ele recebendo-a de avental branco, atarefando-se nos últimos pormenores da sobremesa, Roth e Herberto espalhados pela cozinha, Bach a sair de uma Bang&Olufsen invisível, ele a servir-lhe o vinho certo em cada ocasião, ela finalmente a intuir que está ali quem lhe pode garantir o refinamento da espécie, ela a rir com as histórias de viagens que ele lhe conta, ele a ouvi-la com atenção, com atenção indisputada, enfim, Ruben Patrick, tudo tão mais fácil e eficaz, sem essa trapalhada de se morrer de amor.

12 comentários:

  1. ...se bem que umas ameijôas, caro Ruben Patrick, umas ameijôas ao fim da tarde no Porto de Santa Maria, o vento fora cravejado de areia contrastando com o aconchego dentro, sejam uma boa perscrição para muitas maleitas do coração -- mesmo que não as curem, são promessa de alívio, balsâmicas...

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  2. Morrer de amor será coisa de valor nos romances de Camilo Castelo Branco.

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  3. Hummmmm...agrada-me essa alternativa!!!

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  4. Lady Kina27.1.17

    Ruben, o Tio só inventa, morrer de amor é haver um ninho de pássaros pequeninos e tu teres de os matar.

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  5. Anónimo27.1.17

    Roth e Herberto para um jantar romântico?!
    entre os dois melhores finalistas de licenciatura em Literatura, certo?

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  6. Anónimo27.1.17

    Não se morre de amor, cientificamente falando. Deixa-se, sim, de viver por amor (lá de vez em quando levam uns choques e arrebitam um pouco). Estes casos são, sobretudo, no feminino. :'(

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  7. Grande. Poucas coisas são mais sexy do que a visão de um homem de avental. E a cozinhar. Aposto que ela adorou.

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  8. Já para não dizer que há poucas coisas na vida menos atraentes do que um homem a morrer de amor...

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  9. Anónimo28.1.17

    Pareceu-me existir perto desse devaneio alegre e irónico, o tom nostálgico e contra factual que gera pensamentos como "se eu casasse com a filha da minha lavadeira/Talvez fosse feliz."

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  10. Anónimo28.1.17

    Só morre por amor, (eventualmente) o descuidado e o precipitado.
    Não se enganar na chegada do marido é garantia de sobrevivência.

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  11. Cláudia Filipa28.1.17

    Desculpa ir meter-me onde não sou chamada, Ruben Patrick, mas se um dia tiveres de escolher apenas uma situação, só uma, em que o tio tivesse sido corajoso a valer, não escolhas, por exemplo, nenhuma daquelas situações do post, "Já morri", não, nem essa que ele nem consegue contar-te. Escolhe esta situação, Ruben Patrick, em que o tio atingiu o ponto, "morrer de amor", com todos aqueles sintomas que fizeram, certamente, com que se sentisse um tonto perante a tal, mesmo que não estivesse a ser, que terão feito com que tivesse perdido o jeito para jogar por ter-lhe faltado a frieza necessária, ao que acrescia a situação adversa de não saber o que poderia esperar do outro lado. Escolhe esta situação, Ruben Patrick, é que, assim, da maneira como o tio escreveu, até parece fácil reunir aquela segurança, aquela confiança toda, naquele contexto, mas não é Ruben, é coisa para a qual é preciso mesmo coragem a valer.

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  12. Anónimo28.1.17

    Morri de amor quando, contra todas as expectativas confirmadas em análises e ecografias, o meu primeiro filho nasceu saudável. E lindo. Morri de amor por três intermináveis segundos, quando entrei um elevador e disse "não", mas queria dizer sim. E respeitaram o meu não, mesmo tendo lido o sim. Morri de amor quando, depois de um barril de imperiais, numa tarde quente de Junho, fui pedida em casamento com Lisboa aos meus pés. Morro de amor a toda a hora, sempre e a qualquer momento. Ainda que sofra de tempos a tempos, não me faz sentido que se viva de uma outra forma que não esta. Mas entendo sim. É preciso coragem e coração para viver morrendo de amor. ;)

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