27 janeiro 2015

Então qual é o problema da publicidade nos blogues?

Eu estou preparado para a publicidade. Toda ela. Estou preparado para a publicidade a canetas Montblanc nas revistas, estou preparado para a publicidade que parece mesmo uma notícia de jornal e afinal não, lá está o "PUB" no cantinho superior, estou preparado para o Bond, James Bond me mostrar as horas num Omega e conduzir um Ford ou um BMW, depende de quem paga mais, estou preparado para a conferência de imprensa do treinador de futebol com um boné com publicidade a empresas de construção, cinco garrafas de bebidas à sua frente e logótipos de marcas no painel atrás dele, estou preparado para as cenas em cafés e supermercados das telenovelas com prateleiras cheias do mesmo produto, estou preparado para a publicidade antes do filme que paguei para ver, estou preparado para o Cristiano Ronaldo vestir sempre a mesma marca

Então qual é o problema da publicidade nos blogues?

O problema é que quem lê estabelece relações com quem escreve nos blogues. Por entre as palavras há sempre um pedaço de quem escreve e esse vislumbre cria relações de confiança, de repugnância, de afecto. No meu caso, que me esforço por não deixar passar muito de mim, haverá sempre quem estabeleça empatia pelos livros de que falo, pela forma como escrevo. Sei que consigo arrancar um sorriso num dia mau, sei que consigo irritar quando insisto numa visão extrema, sei que consigo fazer suspirar pelo boneco. E, ao fim de alguns anos, habituamo-nos uns aos outros, há quem adivinhe a que comentários responderei, que post virá a seguir, há quem estranhe quando saio fora do registo habitual. E eu noto os que não comentam como habitualmente, respondo aos comentários dos mais antigos ou dos que me mostram outro ponto de vista, aprendo.

E é essa quebra de confiança que nos dói, não reclamamos com os blogues que nos dizem logo ao que vêm, aos que anunciam perfumes e cremes desde sempre e para sempre. Reclamamos com os blogues com pessoas lá dentro, que nos permitiram que fizéssemos parte dos seus confidentes, aqueles com quem rimos, que nos emocionaram, que nos responderam, com quem empatizámos, aqueles que são uma espécie de amigos nossos. A esses não lhes perdoamos que nos digam um dia que o Dacia é que é e no dia seguinte nos assegurem que o Seat afinal é que é bom, não admitimos que nos digam que não há nada que se compare ao Club Med e que no dia seguinte afiancem que o turismo rural no Alentejo, não toleramos que nos confundam com as bolachas que não engordam, ficamos sentidos quando percebemos que afinal não se esqueceram do Toblerone no meio dos livros, afastamo-nos quando nos querem fazer crer que não há nada que se compare aos detergentes de máquina da louça dissolvidos em leite sem gluten, e que as margarinas com sabor a manteiga combinam bem com tudo.

E, em se perdendo a confiança...

16 comentários:

  1. É isso mas não é apenas isso. Há um desrespeito pela inteligência dos leitores na publicidade encapotada. É impossível não imaginar o blogger, sentadinho com o tablet nos joelhos a tentar impingir um produto de uma maneira que pense não ser óbvia. Isso ainda é o pior de tudo.

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  2. Anónimo27.1.15

    E era mesmo isto!

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  3. E com isto, tirou-me o sorriso da cara.
    Vinha eu toda lampeira a pensar "Ena, um post grande! Deve ser daqueles à moda antiga que tem disparates do princípio ao fim, só para fazer mais umas quantas leitoras se enamorarem", e afinal... é isto. Uma espécie de comprimido para as insónias, mas ao contrário (não sei se existe).
    De repente, meteu-me a pensar que o menor dos problemas é a publicidade nos blogues. O maior dos problemas é a maneira como nos expomos nos blogues.
    Afinal de contas, as pessoas passam a cobrar tudo e a desculpar quase nada, mesmo sem se conhecerem de lado nenhum.
    E isto é coisa para me deixar inquieta o resto da noite (apesar de ser daquelas que só aqui vem para flirtar com o boneco ;) )

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  4. Haverá sempre uma diferença entre um product placement ou um patrocínio e alguém mais "comum" que jura a pés juntos que este ou aquele produto é mesmo, mas mesmo bom.

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  5. Anónimo27.1.15

    Não me incomoda que me tentem vender coisas...cada um faz pela sua vida e isso não tem nada a ver com confiança. Até Ronaldo fez as pazes com a pepsi! E também se estamos num blog que nos tenta vender Dacia ou Seat, seguramente visitamos o blog errado!

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  6. Anónimo27.1.15

    O leite é sem lactose e não gluten.

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  7. Falou em detergentes?

    «Odeio este tempo detergente
    um tempo português que até utilizou
    os primeiros acordes da quinta sinfonia de beethoven
    como indicativo da voz do ocidente
    chamada actualmente a emissão em línguas estrangeiras
    um tempo que parou e só mudou
    o nome que puseram num mundo que muda
    a coisas que afinal permaneceram
    um tempo português que alguma vez até em camões vê
    o antecessor e criador de coisa como a nato
    com a profética visão de quem consegue conceber tal obra
    bem pouco literária por sinal e só possível graças à visão
    de quem com um só olho vê as coisas quatrocentos anos antes
    Odeio este meu tempo detergente
    ...»

    Do saudoso Ruy Belo (fica a publicidade sem capote)

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  8. Cláudia27.1.15

    Reconheceu-se o poder dos bloggers como fazedores de opinião, o facto de serem seguidos por muita gente, coloca-os num patamar privilegiado no que toca à capacidade de influenciar. Percebo a ideia dos anunciantes, eu tenho confiança na pessoa A, se a pessoa A, tiver publicidade na lateral do blogue, por exemplo, a ideia que transmite é mesmo essa, disponibiliza o blogue para publicidade mediante um preço, mas o blogger apresenta-se desvinculado dos produtos, perde o poder de influencia. Se ao contrário, o blogger disser que não há maior maravilha que o produto X e fizer um post sobre isso, como se só estivesse a falar de um produto de que realmente gosta, quem confia no blogger, ficará mais tentado a experimentar, percebo a ideia, está a publicitar, mas como se estivesse a ter mais uma conversa cumplicie com os leitores. O erro dos bloggers e dos anunciantes, é que, para que isto seja credível, não podem disparar para todos os lados, ou bem que o blogger publicita a manteiga X, ou bem que publicita a manteiga Y, senão o efeito é precisamente o contrário, criam-se anticorpos, afinal aquilo é só publicidade pura e dura e sim, perde-se a confiança.

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  9. Anónimo28.1.15

    Pois não foi bonito mas as hormonas são tramadas. E nem todas podem fazer como a outra que tem todo um catálogo de produtos com o seu nome... Não sejamos mais uns para os outros (lembrei-me da arrumadinha mas esqueci-me do ponto de exclamação).

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    1. Anónimo28.1.15

      Más! Mas mais ficou ainda melhor.

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  10. Anónimo28.1.15

    Eu só ligo às dicas da Maria Guedes. Tirando lá aquela fixação pela Zara, que abomino, a miúda tem muito bom aspecto e sabe do que fala.

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  11. Anónimo28.1.15

    Certissimo, associamos a pessoa á marca que representa. Se confiamos optimo, se não...
    Lembro-me ha anos que a Catarina Furtado (pessoa que me errita profundamente) disse que nunca iria fazer propaganda a nada precisamente pela associação de confiança (ou desconfiança) da dita pessoa á marca.Mantendo essa querencia hoja faz propaganda de muitas coisas (o € falou + alto)...:(
    Eu continuo na esperança de ver o Tio Salgado a fazer propaganda de uma marca de roupa interior masculina. Ou então tipo James Bond no seu carro roxo de cima. :)
    VW
    VW

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  12. Essa identificação emocional e perda de confiança não é o que mais me enerva. Tenho de concordar com a Cuca, que bateu no ponto: o problema da publicidade encapotada é o atestado de estupidez que se tenta ou faz passar ao leitor. E isso enerva-me, que sofro muito dos nervos. Então alguém com dois dedos de testa acredita que uma pessoa vá perder um dia, ou mesmo meio, numa apresentação comercial, e escreva dois ou três posts sobre isso, sem nada em troca? Euzinha, que sou só uma reles blogger por desporto, não o fazia de borla, homessa, tenho mais que fazer, no tempo que me sobra do trabalho.

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  13. O que penso ser notavelmente absurdo em Portugal é que o fenómeno sucede sem qualquer medida realista da sua eficácia, mas sim por cópia de fenómenos - esses sim - significativos nos blogues de língua inglesa. Os directores de marketing de cá fazem copy paste do que julgam ser sofisticado e eficaz. Nos casos piores dá bronca como aquela da samsung, mas em geral é completamente ineficaz na conversão de compra. Não é que seja caro, em qualquer caso, por cá vendem-se barato, uns brindes etc.

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    1. Anónimo29.1.15

      A pipoca faz disso vida, é porque rende, a pub em blogues é uma realidade aqui também.

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