18 agosto 2014

Crónicas do interior (III)

E fascinam-me ainda os que chegam de Lisboa, todo o ano sem dispensar a camisa branca e os botões de punho, todo o ano escanhoados e perfumados com Bulgari de aeroporto, todo o ano com a fiel secretária a segredar-lhes o essencial da reunião que vai ter a seguir, fascina-me vê-los agora com barba de três dias mal cuidada, o fato Boss trocado pelo pólo Timberland de um cor de rosa que os desconforta, fascina-me vê-los levar tareias dos da terra a jogar matrecos, com o ar imbecil de quem acha justo os da terra jogarem melhor matrecos por contraponto de eles jogarem melhor na Bolsa, fascina-me a dificuldade com que se equilibram numas sandálias Havaianas, os pés a clamar por sapatos pretos que os protejam das pedras do caminho, fascinam-me os livros tontos que lhes aconselharam para leitura de férias que substituem os relatórios e contas e que eles deixam na toalha com a capa para baixo, não vá um igual estar por aquelas paragens e vislumbrar tão fraco livro, fascina-me o Record lido de trás para a frente, tal e qual o Diário Económico. Hei-de cruzar-me com eles algures em Setembro, em frente ao meu espelho.

9 comentários:

  1. Bonito exercício de humildade, caro Pipoco. O meu espelho também é uma imensa janela.

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  2. E alguns enfiam o Financial Times do dia junto com a toalha de praia, só ver se conseguem resistir à tentação de o abrir, estando certos de que um broadsheet com folhas cor de salmão é uma escolha péssima em dias ventosos, sofrível nos dias de brisa moderada, confortados contudo com a notícia de que as empresas europeias distribuíram dividendos record no trimestre que terminou em Junho. Melhor mesmo seria água a 23 ou 24 graus, mas isso já era pedir demais, presumo.

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  3. Aproveite esta liberdade, não sabe tão bem?

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  4. Cláudia18.8.14

    Muito bem Pipoco, em várias frentes, assim é que é.
    Confesso-lhe que não sei quais me fascinam mais, se estes, se os anteriores, são todos peixes fora de água, a tentar ser o que não são e é só por isso que se tornam caricaturáveis, só por isso, as máscaras são desconfortáveis, daí o Carnaval só durar três dias.

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  5. Eu, que sou um bocadinho assim, dou grandes trepas nos matrecos, à malta lá da aldeia. Tinha muito a aprender aqui com a secretária Senhor Pipoco.

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  6. Continua fascinado pela companhia de lázaros e fantasias de pequenos. Charlas de turcos e cristãos, à moda medieval.

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  7. Anónimo18.8.14

    Rendi-me, Pipoco.
    Ali atrás incluí-o no grupo dos Pipocos. Injustamente, pelo que leio, agora, já que humildade é característica que não reconheço àqueles de quem falo.
    Queira desculpar-me.

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  8. Fascina-me a sua (e a minha) capacidade de não perdermos o sentido crítico próprio. É muito fácil apontar o dedo a terceiros. É muito mais complicado quando temos de olhar para o umbigo.
    Boas férias!

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