08 fevereiro 2014

As cidades, como as mulheres

Sei precisamente as razões por que amo mais a minha cidade que todas as outras. É certo que outras cidades houve, como Paris, pelas quais me apaixonei perdidamente assim que lá entrei, talvez até me tenha apaixonado antes de lá ter entrado. Mas, lá está, tratou-se de paixão, não foi amor, a paixão por uma cidade perde-se com o tempo e com a repetição, como todas as paixões. O amor é diferente, ama-se uma cidade por pormenores, por uma sucessão de bons acasos, por lá termos estado com as pessoas com quem temos histórias, por pequenos nadas que não se explicam. Há uma cidade que é nossa e que está dentro da outra cidade, a que vem nos mapas, aquela que os de fora julgam conhecer só porque leram com atenção o que estava escrito nos livros, talvez seja apenas esse pedaço de cidade que nos pertence que amamos.

(Baseado num texto de Cadernos de Lanzarote, de Saramago, aberto hoje ao acaso, na Fundação José Saramago)

21 comentários:

  1. O sitio até importa mas o fundamental é ser feliz!

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  2. Anónimo8.2.14

    Ó Dom Pipoco, "lixo-lhe" a caixa de comentários se escrever aqui que os comentadores vão começar a pronunciar-se sobre as "suas" Cidades ? (como as mulheres e como os homens..)
    É verdade que a Arrumadinha não o fez....

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  3. ( Suspiro profundo de um pensamento feliz)

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  4. as mulheres que visitamos e as mulheres que habitamos, algumas vocacionadas para festas populares, outras para olimpíadas de inverno.

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  5. Boa citação de Saramago ...:).

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  6. Anónimo8.2.14

    Sir, entendo pouco de amor ou paixões, mas permita-me que lhe deixe (mais) algumas palavras do grande saramago, também elas sobre o amor...

    «O amor não resolve nada. O amor é uma coisa pessoal, e alimenta-se do respeito mútuo. Mas isto não transcende o colectivo. Levamos já dois mil anos dizendo-nos isso de amar-nos uns aos outros. E serviu de alguma coisa? Poderíamos mudá-lo por respeitar-nos uns aos outros, para ver se assim tem mais eficácia. Porque o amor não é suficiente.»

    ...


    (Zé, bom ;)

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    1. Anónimo8.2.14

      «Sempre fico espantado diante da liberdade das mulheres. Olhamo-las como a seres subalternos, divertimo-nos com as suas futilidades, troçamos quando são desastradas, e cada uma delas, é capaz de subitamente nos surpreender, pondo diante de nós extensíssimas campinas de liberdade, como se no rebaixo da sua servidão, de uma obediência que a si mesma parece buscar-se, levantassem as muralhas de uma independência agreste e sem limites. Diante desses muros, nós, que tudo julgávamos saber do ser menor que viemos domesticando ou achámos domesticado, ficamos de braços caídos, inábeis e assustados: o cãozinho de regaço que com tanta boa vontade se rebolava no chão, de costas, mostrando o ventre, põe-se de pé num salto, com os membros trémulos de ira, e os seus olhos de repente alheios a nós, e fundos, vagos, ironicamente indiferentes. »

      Do Manual de Pintura e Caligrafia

      Maria Helena

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    2. Anónimo8.2.14

      Maria Helena, é sempre um gosto lê-la, pena que tão pouco amiúde, se umas vezes mais que outras, esta é sem dúvida mais.
      Patricia
      (Este é um post bonito, engenheiro, quase dá vontade de dar uma segunda oportunidade a quem se eliminou sumariamente, quase...)

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    3. Anónimo8.2.14

      «Baltasar Mateus, o Sete-Sóis, está calado, apenas olha fixamente Blimunda, e de cada vez que ela o olha a ele sente um aperto na boca do estômago, porque olhos como estes nunca se viram, claros de cinzento, ou verde, ou azul, que com a luz de fora variam ou o pensamento de dentro, e às vezes tornam-se negros noturnos ou brancos brilhantes como lasca de carvão de pedra.»

      se é de amor, mulheres e saramago, Blimunda tem de estar, Maria Helena :)

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    4. Anónimo8.2.14

      «Gostava que encontrasses um dia um bom marido, Também gostava, mas ouço as outras mulheres, as que dizem que têm bons maridos, e fico a pensar, Achas que eles não são bons maridos, Para mim, não, Que é um bom marido para ti, Não sei, És dificil de contentar, Nem por isso, basta-me o que tenho agora, estar aqui deitada, sem nenhum futuro, Hei-de ser sempre teu amigo, Nunca sabemos o dia de amanhã, Então duvidas de que serás sempre minha amiga, Oh eu é outra coisa, Explica-te melhor, Não sei explicar, se eu isto soubesse explicar, saberia explicar tudo, Explicas muito mais do que julgas, Ora, eu sou uma analfabeta, Sabes ler e escrever, Mal, ler ainda vá, mas a escrever faço muitos erros. Ricardo Reis apertou-a contra si, ela abraçou-se a ele, a conversa aproximara-os devagarinho duma indefinível comoção, quase uma dor, por isso foi tão delicadamente feito o que fizeram depois, todos sabemos o quê.»

      (e Lídia também)

      Maria Helena

      ( gosto imenso quando dá sinal de si, Patrícia)

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    5. Anónimo8.2.14

      não haveremos de morrer hoje, Maria Helena... antes de Blimunda, lembrei-me de Lídia...

      um beijo.

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    6. Anónimo8.2.14

      (fez-me tornar a abrir livros a quem tinha esquecido a espessura e fiquei contente)
      Obrigada, imortal Salgado e dos Énes.

      Maria Helena

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    7. Anónimo8.2.14

      não, Maria Helena, sou eu que lhe fico grata, muito, pelo tempo, pelo carinho e pela atenção. acredite.

      (pronto, também gosto muito de si, Sir, mas não quero derreter-me aqui em lamechices. tenho uma reputação de (má fama) a manter)

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  7. Respostas
    1. Anónimo9.2.14

      Olha o besugo! Que é feito de si Dr?

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  8. " Há uma cidade que é nossa e que está dentro da outra cidade, a que vem nos mapas, aquela que os de fora julgam conhecer só porque leram com atenção o que estava escrito nos livros". E está tudo dito.

    Tenho para mim que só se conhece uma cidade quando nos damos ao trabalho de andar a pé, sentir a cidade e as pessoas que lá moram. Respirar a cidade. Conhecer uma cidade não é passar pela cidade, é demorar-se e perder-se. Tal como as cidades... os homens.

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  9. Anónimo9.2.14

    Perder-se numa cidade, em sentido literal,pode dar como destino ir parar à esquadra ou ao hospital, o que no caso de se tratar de Veneza, é uma experiência a evitar.Em sentido literário...já é outra coisa.

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  10. Melhor analogia impossível! :)

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