14 dezembro 2013

Espírito natalício

Eu, Pipoco Mais Salgado, digno representante do segmento A+, informo que sou acometido de um irresistível e incontornável impulso de não-compra quando visualizo o produto sugerido nos blogues, informando-me que a dona do blog, no meu imaginário alguém que acaba de emergir das profundezas do segmento C, recomenda aqueles produtos como prenda de Natal.

13 dezembro 2013

Aos meus amores

Gosto de ir a casa de quem emprestei livros e vê-los ali, aos meus livros, na estante principal, sem separações, encostadinhos aos livros que são das pessoas a quem emprestei livros, ou então não, estarão encostadinhos aos livros de outras pessoas que emprestaram livros a quem eu emprestei livros. Gosto de ficar ali a admirá-los, a pensar nos momentos que passámos juntos, a este li-o de uma assentada numa viagem de avião, este deu-me luta, teve que ser lido em suaves prestações e eles ali, os livros, aposto que felizes por me reverem, trocamos um último olhar, acabo de beber o meu vinho e lá volto para junto das pessoas, em paz, feliz por ver que os meus livros estão na estante principal.

Os meus dois minutos de fama com J. Rentes de Carvalho



Cancelei a videoconferência com Nova Iorque, antecipei o voo de Madrid, recordei a Maria Gertrudes da minha indisponibilidade para toda a tarde, vesti o meu melhor fato, engraxei os sapatos com mais afinco que nos outros dias, ajeitei o nó da gravata, dei uma última olhadela na minha imagem reflectida no capot preto do carro alemão que mandei lavar, com polimento extra, o normal nestas situações, fiz-me à estrada, imaginei que era a velha estrada de Sintra que os dos livros de Eça percorriam para ir ter com espanholas e cear no Lawrence e foi-me menos penoso passar Massamá e a Damaia, o Cacém e Ranholas. Escolhi uma estação de rádio dessas de música calma e cheguei com tempo à biblioteca municipal, o normal nestas situações.

As senhoras da recepção sorriram-me, é o meu lendário poder sobre senhoras de idade, e lá estava J. Rentes de Carvalho a falar com homens de cara séria e mulheres de olhar embevecido, os grandes escritores têm este efeito.

A cerimónia estava atrasada, o normal nestas situações, respirei fundo, lembrei-me das técnicas de ioga para controlar a pulsação e abeirei-me de J. Rentes de Carvalho, sorriso nervoso, pé ante pé, acercando-me em círculos. "Professor, posso pedir-lhe para me autografar um livro?", disse eu, quase num sussurro, falta de experiência de pedir coisas, J. Rentes de Carvalho, solícito, vendo-me a tropeçar nos meus próprios pés, as mãos trementes, apiedou-se e disse que sim, quis saber o meu nome, o normal nestas situações. "Pipoco Mais Salgado", murmurei, esperando que as senhoras da primeira fila não ouvissem, "Como?" quis saber J. Rentes da Carvalho, "Pipoco Mais Salgado", repeti quase junto à orelha de Rentes de Carvalho, sentindo-me um menino que roubou um doce e foi apanhado, olhei por cima de mim abaixo, fato completo, sobretudo azul, realizando o ridículo de dizer a J. Rentes de Carvalho que me chamava "Pipoco Mais Salgado", lamentando não ter um blog chamado "Benevides de Burnay", felizmente Rentes de Carvalho lembrava-se vagamente de mim, apesar do seu "Não pode ser, não pode ser...", é sempre assim, as pessoas têm expectativas demasiado altas em relação a mim, está sempre a acontecer-me, felizmente chegaram pessoas importantes e J. Rentes de Carvalho, posso apostar que com pena, teve que ocupar o seu lugar na mesa, o normal nestas situações.

E as pessoas falaram e disseram coisas importantes e leram excertos do livro que ali os trazia, o normal nestas situações, e J. Rentes de Carvalho também falou e disse coisas acertadas e de valor, e lá estava eu no final, de novo com o livro estendido e à conversa com o grande J. Rentes de Carvalho e as pessoas a olharem para nós e as senhoras a perguntarem-se quem seria aquele rapaz tão composto, e os fotógrafos começaram a disparar os "flashes", o normal nestas situações, e eu a pensar se seria como nas revistas cor-de-rosa onde apareceria Rentes de Carvalho e eu, e o título do retrato havia de ser "J. Rentes de Carvalho com um amigo" e eu havia de ficar contente porque ser confundido com um amigo de J. Rentes de Carvalho era coisa para ser, de longe, o melhor do meu dia.

12 dezembro 2013

Este ano inventei...

...um calendário do advento que, em vez de chocolates, tem vinho alentejano e queijo de Azeitão.

11 dezembro 2013

Acabei de constatar

Nunca dependi da bondade de estranhos.

10 dezembro 2013

Que estás a fazer neste momento, Pipoco?

No tempo em que não havia Google ...

... eu era o tipo que todos queriam ter na equipa na hora de jogar esses jogos com perguntas em cartões e era eu quem decidia se o rio Jordão desaguava no Mar Morto ou no Mediterrâneo, era a mim que recorriam quando era preciso saber qual era capital do Sri Lanka ou quem tinha escrito "Vermelho e Negro" e quando eu não era conclusivo, não era raro debater-se noite fora se seria Colombo ou Rangun, Stendhal ou Hemingway, inflamava-se a conversa e havia calor na discussão e, não poucas vezes, muitos dias depois, alguém a propósito de nada diria num jantar "Densmore, o tipo chamava-se Densmore" e todos nos recordaríamos que na semana passada ninguém se lembrava do nome do baterista dos "The Doors" e sim, o tipo era o Densmore, John Densmore.

O Google responde em segundos, com um telefone na mão todos sabem tudo e não precisam de saber nada. O Google é um aborrecimento.

Palavra do ano de Pipoco

A minha palavra do ano é "não". Sempre soube dizer "não", mas era um "não" gentil, parcimonioso, trabalhado para não deixar mossa, um "não" que deixava ler nas entrelinhas que podia ser um "talvez", caso a conjuntura mudasse. Este ano o meu "não" ficou mais assertivo, menos manipulador. Bem sei que estou longe do "não" seco, do "não" desagradável, mas o caminho faz-se caminhando e a verdade é que o meu "não" deste ano já é um "não" capaz de desconfortar e desconcertar, é um "não" tremendamente libertador, um "não" que poupa energias, um "não" que deixa pouca margem de progressão, um "não" com menos fé nas pessoas, tremendamente eficaz. O meu "não" deste ano trouxe mais tempo para ler, mais tempo para o que realmente me importa, trouxe-me menos fretes e a absoluta certeza que um "não" é a melhor forma de tornarmos melhores pessoas os que estão à nossa volta.

09 dezembro 2013

Em busca do post sem comentários

Este é um post sobre nada. Como todos os outro, portanto.

Uma menina de três anos perguntou-me isto ontem e eu não soube responder

Será que o escuro também tem medo de nós?

08 dezembro 2013

Somos então chegados às semanas...

...em que temos que ter contacto visual as árvores de Natal de plástico que todas elas prantarão nos blogs, em que todas contarão como se aborreceram no jantar de Natal lá do serviço e contarão, incrédulas, como o chefe as tentou seduzir, tão maus eram os vinhos, e como o rapaz das fotocópias afinal nem é assim tão mal apessoado, em que elas colocarão retratos de prendas que nunca terão porque nem sequer os desejam realmente, mas ficam tão bem no blog e sempre é mais um post, em que se queixarão da ceia de Natal em que terão que sorrir para a cunhada e contarão como a sogra, sibilina, fez delas carpaccio só porque não chegaram a tempo de ajudar a fritar as fatias douradas, em que elas se queixarão da quantidade de prendas que as crianças receberam, em que discutirão se o "Last Christmas" ganhará aos pontos ao "Fairytale of New York" como a definitiva canção de Natal, em que elas escreverão posts inflamados acerca da interessante temática de como se está a perder o espírito Natalício.

Estas são as melhores semanas do ano.

E foi assim que aconteceu

Um homem escolhe ir ver "A Noite", aquilo de Saramago que está no Teatro da Trindade, assiste a um bom desempenho do João Lagarto e do Vitor Norte, mais do João Lagarto, bem entendid,o e depois, quando um homem já abotoa o sobretudo para se fazer ao frio da noite, estendem-lhe uma garrafa de um tinto Ermelinda Freitas, que é oferta, que basta entregar o bilhete, e um homem vê-se assim no Bairro Alto, garrafa de tinto na mão, sobretudo abotoado e, tivesse com que o abrir, era bem capaz de beber directamente da garrafa.

07 dezembro 2013

Espírito natalício

Quando tempo é necessário para voltarmos a aproximar-nos daqueles que nos fizeram felizes?

06 dezembro 2013

Partiu um homem bom

Quando parte um homem bom, há que guardar recato. Há que dirigir o nosso pensamento para o exemplo inspirador e, em silêncio respeitoso, aspirar a fazer quase igual ao que fez o hmem bom que acabou de partir.

Ilustrar a nossa proximidade ao homem bom, tanta que lhe apertámos um dia a mão (que interessa se o homem bom era feito de peças de plástico?) ou propagar as bizarras confusões que os outros (sempre os outros) fizeram com o retrato do homem bom é coisa que, não fosse este recato que nos merece a partida de um homem bom, havia de nos fazer pensar que o ridículo é uma coisa sem limites.

05 dezembro 2013

Baby, it's cold outside

Miguel Esteves Cardoso, essa espécie de Rui Patrício do espectro audiovisual, ora fazendo coisas gigantes e segurando a fama que o precede, ora fornecendo ao adversário motivo de chacota durante semanas a fio, é o motivo que me faz sintonizar a Antena Um na janela temporal que se inicia imediatamente a seguir ao noticiário de desporto das oito e meia da manhã, sendo que nestes dias felizes em que o noticiário de desporto inclui, aleatoriamente, as palavras "leões", "topo" e "classificação", também ele, o noticiário, é escutado com especial devoção por este que vos dirige estas palavras sábias, e termina, a janela temporal, com os últimos acordes da versão que Esteves Cardoso corta às postas nessa semana, ou seja, três minutos depois do noticiário de desporto ter dado o sinal indicativo de final de rubrica, nunca depois das oito e trinta e sete da manhã, hora a que estou num ponto aleatório da A1, que tanto pode ser a parte da A1 que passa defronte de Alvalade como a que passa defronte do Dragão. Esteves Cardoso consegue a simbiose perfeita entre aquela voz que o criador lhe forneceu, a cultura musical e a rádio, esse meio em que Esteves Cardoso resulta tão melhor que em televisão e substancialmente melhor que na coluna do Público onde nos fornece informação rudimentar e parece que está sempre a escrever para alimentar blogs cor de rosa. Fala-me de grandes músicas, propõe-me versões alternativas durante toda a semana, é gigante no equilíbrio de falar penas o suficiente e fornecer-me apenas informação relevante, não contaminando o que os meus ouvidos vão escutar com informação desnecessária, assim fossem os locutores da Sport TV e que mundo melhor nós teríamos. Esta semana é "Baby, it's cold outside" e, estivesse eu no vosso lugar, sintonizava a antena um nesses preciosos momentos e depois, apaziguado com o mundo, voltaria para a comercial ou para a éme oitenta, essas rádios que o vasto auditório escuta, que as pessoas lêem o pipoco, parece que afinal têm redenção, mas depois as coisas acabam sempre por ser como são.

03 dezembro 2013

Agora que todas as meninas disto dos blogs já colocaram os retratos do dia internacional pela eliminação da violência contra as mulheres...

... e colocaram-nos no dia certinho, voltarão no dia internacional da mulher, com mais fotos e muita revolta por ainda ser preciso um dia assim, agora que tenho a vossa atenção indisputada, este é o tempo em que é absolutamente necessário que saibam que ele não vai mudar, ainda que ajoelhe à vossa frente, ainda que implore mais uma oportunidade, ele não vai mudar. Este é o tempo em que é absolutamente necessário que saibam que há vida para além dele, aliás, só há vida para além dele. Este é o tempo em que é absolutamente necessário que saibam que têm que contar, que não é uma vergonha que se saiba, que a primeira coisa a fazer é contar. Este é o tempo em que é absolutamente necessário que saibam que que é errado, sejam quais forem as circunstâncias, um homem bater numa mulher. Este é o tempo em que é absolutamente necessário que saibam que ele não vos tem amor, que é cobarde, que manipula os vossos sentimentos e corrói a vossa autoestima. Que não se desculpem com o que é melhor para os filhos, que não o desculpem porque o dia dele não correu bem, que não se comovam quando ele diz que perdeu a cabeça e jura que não voltará a acontecer. Este é o tempo em que é absolutamente necessário que saibam que o primeiro passo, custe o que custar, tem que ser o vosso.

02 dezembro 2013

Post em tempo real

E logo pela manhã, rumo a sul, o aviso no pórtico da autoestrada indicava "Cuidado. Animal na via". Era verdade. Três quilómetros mais à frente lá estava o indivíduo a sessenta à hora, na faixa do meio.

01 dezembro 2013

E já estamos em Dezembro...

Dia seguinte

O Fagundes Meyrelles casou outra vez. Diz que se apaixonou e é bem capaz de ser verdade e desta vez até eu, que sou eu e não me apaixono por ai além, percebo que o Fagundes Meyrelles se tenha apaixonado por aquela morena vistosa que, no exacto momento em que o Fagundes Meyrelles me anunciou com um "Este é que é o Pipoco Mais Salgado, mais que um irmão", recuou dois passos, olhou-me nos olhos, disse que já me conhecia antes de me conhecer e pediu-me para eu tomar conta do Fagundes Meyrelles. Eu estranhei mas disse que sim, que tomava.

Recordo cada uma das ocasiões em que o Fagundes Meyrelles se apaixonou e o quanto isso me custou em gin bebido a desoras. O Fagundes Meyrelles convencido de que está apaixonado é dos mais memoráveis espectáculos a que posso assistir, é nestes momentos aziagos que aplico toda a retórica que fui aprendendo, que o levo a jantar e lhe tento explicar que a paixão é uma coisa diferente daquilo que ele está a viver. Debalde, com aquele sorriso do tamanho do mundo e aquela generosidade que me deixa sem argumentário, o Fagundes Meyrelles lá se vai desgraçando de paixão em paixão e há alturas em que se casa.

Hoje, naquele abraço que os amigos dão no momento em que cada um fica entregue à sua vida, o Fagundes Meyrelles segredou-me: "Pipoco, já reparaste que, de cada vez em que casei, o Porto perdeu?".

E eu fiquei a pensar nas palavras sábias do Fagundes Meyrelles e em que dia é que calhava bem o próximo casamento.